Nesta semana, o depoimento de uma estudante da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro ganhou as redes sociais. Gabi Monteiro, aluna do curso de Design de Moda, relatou que foi vítima de racismo dentro de salas de aula da instituição. Não uma, nem duas, mas três vezes. E por parte de professoras locais. Como se não bastasse, repetiu de ano na matéria lecionada por elas. A reação veio no Facebook e foi imediatamente apoiada por milhares de internautas.
De acordo com a jovem, o primeiro caso aconteceu no semestre passado. Em uma das aulas da disciplina de Projeto, a professora e coordenadora Ana Luiza Morales, ao comentar uma ida ao cinema, reclamou de uma mulher "inconveniente" que estava usando cabelo afro "parecido com o dela" na poltrona da sua frente. Isso a teria "impedido" de visualizar a tela.
Algumas semanas depois, segundo a estudante, Ana Luiza voltou a fazer o mesmo comentário, novamente em frente à turma inteira. Mais uma vez se referindo a Gabi, disse que outra garota com cabelo similar sentou de novo na sua frente e o "incômodo" foi tanto que ela teve que mudar de assento para assistir ao filme.
"Neste momento, não acreditei que ela estava repetindo a mesma história de forma tão natural. Retruquei dizendo que o fato de ter cada vez mais mulheres de cabelo afro era uma coisa maravilhosa, já que em nossa sociedade existe uma ditadura da 'chapinha'. O que aconteceu com ela era sinal de que as mulheres de cabelo crespo estão se libertando dessa ditadura", afirmou a aluna.
O terceiro caso aconteceu com outra professora, Tatiana Rybalowski. Assim que a jovem entrou na sala com o cabelo solto, a orientadora interrompeu a ajuda que dava a outra estudante para lhe perguntar: "Qual é o seu signo? Leão?".
"Fiquei tão chocada que não tive reação a essa pergunta preconceituosa. Durante todo o semestre, não me senti confortável e à vontade para ir para as aulas com a Ana Luiza e Tatiana, ou pra pedir qualquer orientação para desenvolver meu trabalho, mas eu estava presente nas aulas dos outros professores que colaboram para essa matéria. Isso me prejudicou claramente, talvez eu não devesse ter deixado, mas infelizmente essas situações me afetaram e resultaram na repetência", contou.
Gabi soube que havia repetido na disciplina em dezembro. O depoimento foi publicado apenas agora por que inicialmente ela sentia "nó na garganta" e "angústia" ao pensar sobre a melhor maneira de reagir. Ainda refletiu nas possíveis retaliações que poderia sofrer dentro da universidade, nas dificuldades que teria para encontrar um advogado que aceitasse defendê-la e no constrangimento que sentiria ao registrar o caso em uma delegacia mal preparada. Este último ponto, por sinal, se confirmou: ela e a mãe foram tratadas com descaso e de maneira grosseira pelo policial que as recebeu.
"Em geral, sou a única negra nas aulas de Design de Moda, mas até o semestre passado eu não havia tido qualquer problema de relacionamento na universidade por conta disso. Muito pelo contrário, foi na PUC que compreendi que assumir minhas característica de mulher negra não era um problema. O que ainda me espanta é saber que a PUC, que defende em seu discurso a diversidade de etnias e religiões, tem em seu corpo de funcionários professoras que agem de forma retrograda e preconceituosa", afirmou.
"O que está me movendo é um grito está entalado em minha garganta há tempo. Todos devem ter os mesmo direitos garantidos e isso não deve ser alcançado com mais dificuldades para uns do que pra outros. Chega de eu ser a única enquanto eu sei que existem milhares de meninas e meninos que poderiam estar aproveitando as mesmas oportunidades que eu! E, atenção, esse não é um problema apenas dos negros, é um problema de todos nós que vivemos nessa sociedade. PS: essa foto é só pra deixar claro que continuarei botando meu cabelo pra cima sempre", finalizou, compartilhando uma bela foto em que aparece sorrindo com os cabelos ao vento.
Até a manhã desta sexta-feira, a publicação da jovem no Facebook já havia sido "curtida" por mais de 9 mil internautas.
Posicionamento da universidade
Procurada pelo Terra, a PUC-RJ divulgou o posicionamento oficial da instituição. De acordo com a assessoria de imprensa, a universidade "estranhou" as acusações de Gabi Monteiro, que, quando descobriu que havia repetido na disciplina, no final do ano passado, enviou um e-mail às professoras citadas alegando que havia faltado às aulas pois estava ocupada em seu trabalho. No texto, que foi encaminhado à reportagem, ela não mencionou os casos de racismo.
A assessoria informou ainda que recebeu as denúncias apenas nesta quarta-feira e imediatamente tentou entrar em contato com a aluna, que não quis se manifestar. No dia seguinte, a ouvidoria mandou a ela um e-mail dizendo que, diante dos fatos narrados, "não identificou manifestação de racismo, mas uma opinião sobre gostos ou percepção estética" e que iria apurar o assunto. As professoras Ana Luiza Morales e Tatiana Rybalowski, no entanto, ainda não se pronunciaram.
Confira a íntegra da nota:
Aluna Gabriela Monteiro de Oliveira Silva,
A Universidade mantém diversos canais para que os alunos expressem suas críticas, reclamações e sugestões, não somente através desta Ouvidoria, mas também nos Departamentos e Decanatos. Em princípio, esta Ouvidoria, diante da situação descrita em sua carta, não identifica manifestação de racismo mas uma opinião sobre gostos ou percepção estética, sem dúvida aspectos marcantes no curso de design de moda. Sem dúvida você já deve ter percebido, ao longo de seus 5 anos e meio na Universidade, que inúmeros alunos, negros ou não, usam penteados ou roupas das mais variadas formas e estilos, sem que sejam alvo de qualquer crítica ou observação por parte de colegas, funcionários ou professores.
Sua providência imediata, no transcurso do semestre, deveria ter sido procurar a Direção do Departamento para expressar sua insatisfação. Seguramente, o Departamento daria o encaminhamento necessário para tratar o assunto, ouvidas as professoras indicadas por você, como garantia inafastável da busca da verdade e do princípio do contraditório. Você não teria naquela oportunidade, como não terá neste semestre que se inicia, qualquer constrangimento em frequentar as aulas da disciplina. Esta Ouvidoria encaminhará sua carta ao Departamento para a devida apreciação dos fatos narrados por você.