O Black Bloc é considerado uma estratégia de protesto, muito mais ligada ao enfrentamento e desrespeito à autoridade, que aos atos pacíficos. Talvez por isso, em sua grande maioria, sejam ligados ao pensamento anarquista. Os mascarados, como ficaram popularmente conhecidos, usam a internet para se reunir, têm organização horizontal e aversão à mídia. Por se tratar de um número menor, costumam se misturar às manifestações com táticas mais agressivas de protestar. O movimento, pelo menos virtual, parece ser maior no Rio, mas São Paulo e Porto Alegre também planejam atos para o 7 de Setembro.
Em Porto Alegre, será o 'Badernaço - Sem violência é o Car****', que tinha mais de 4 mil convidados e pouco mais de 200 confirmações. Porém, até mesmo o moderador da página gaúcha reclama dessa falta de adesão. "Temos 824 seguidores e, destes 824, apenas alguns, calculo uns 20, vão a manifestações." Essa pouca adesão fez com que o grupo resolvesse se unir à manifestação organizada pelo Bloco de Lutas.
No Rio, a 'Grande convocação Black Bloc RJ: Ato 7 de Setembro' está agendada para as 7h de sábado, na avenida Presidente Vargas. Um vídeo ao som de Rise (Levante), música da banda Pantera, conclama os participantes com imagens de enfrentamento e políticos sendo empalados. Já vislumbrando a ação da polícia, que deteve cinco integrantes do bloco fluminense nesta semana, eles alertam para que as pessoas se cubram de preto apenas no local.
Para a capital paulista, a concentração está marcada no vão livre do Museu de Arte de São Paulo (Masp), a partir das 17h, mas tinha apenas 359 presenças confirmadas. "Acho que uma manifestação pacífica e todo mundo de cara pintadinha não resolve nada (...) o negócio é partir pra depredação mesmo porque só assim eles escutam a voz do povo!”, diz uma possível manifestante na página paulistana.
A internet é o principal meio de organização e propagação das mensagens, e também já serviu como base de investigação para a polícia fluminense. Na página gaúcha, por exemplo, se vê uma "esquizofrenia" de mensagens: discussões sobre a ideologia comunista, sugestões de como transformar bancos em cassetetes ou uso de leite condensado como fonte de energia, mas ao mesmo tempo, qualquer declaração mais explícita de violência é condenada. "Isso só vem a calhar se tu pretende ficar dias enfrentando a Tropa de Choque", diz um internauta, seguido por uma resposta do Black Bloc: "Enfrentar? Aqui ninguém vai enfrentar ninguém, apenas vamos passar boa parte do dia na rua".
O Terra tentou uma entrevista com os moderadores, mas recebeu a seguinte resposta: "não é o primeiro nem será o ultimo e querer um entrevista... Ninguém até agora entendeu que BB não é um grupo é uma FORMA de protestar. Não existe um grupo e esta página aqui é gerenciada por uma galera. Eu não conheço nem um outro moderador. Nós apenas postamos alguns conteúdos do ideal anarquista".
O contato com o Black Bloc de São Paulo também foi infrutífero. Após duas semanas de conversas com um dos membros, em assembleia, o grupo decidiu que não falaria com a imprensa e que, talvez depois do dia 7 de Setembro, o contato seria possível.
Porém, na manifestação contra a revista Veja que houve no dia 23 de agosto, quando cerca de 200 membros do grupo protestaram em frente à sede da editora Abril, alguns integrantes resolveram falar com a imprensa. A decisão de poucos membros do Black Bloc resultou em xingamentos por parte da maioria do grupo, que era contra entrevistas. "Eu não respondo pelo Black Bloc, respondo pela minha individualidade. Cada um responde por si", disse um dos membros, sempre com o rosto coberto e vestindo roupas pretas.
Tentando justificar o motivo de deixarem rastros de destruição por onde passam, outro membro dizia que o grupo é revolucionário. "Destruímos por causa do capitalismo, que gera miséria e desavença. Destruímos o banco não só porque representa o capitalismo. É uma forma de demonstrar o poder do povo. É uma tática de defesa e a única coisa que pode chamar a atenção do povo. Isso prova que não temos medo. É uma ideologia anarquista. Ninguém tem que recuar, ninguém tem que ficar com medo e a gente traz essa segurança no protesto", alegou, ainda recebendo xingamentos.
No Rio de Janeiro, o relacionamento dos Black Blocs com a imprensa não é diferente. Arredios, eles usam da prerrogativa não só do rosto coberto, mas do grito que se ouve intensamente nas manifestações da capital fluminense: "mídia fascista e capacho imperialista". Equipes de TV, principalmente da Rede Globo, cansaram de ser expulsas dos atos.
Para se aproximar deles, é preciso, sobretudo, muito tato. Fora a Mídia Ninja, coletivo que se tornou porta voz dos Black Blocs, eles não concedem entrevistas. É política própria. Mas se você conhecer algum integrante e estreitar laços, eles abrem exceções. Foi o que aconteceu com a jovem Emma, 25 anos, capa nacional da Veja há três semanas.
Como o Terra já havia conseguido uma aproximação anterior com a jovem, que leva o nome da célebre ativista anarquista e anticapitalista, a lituana Emma Goldman, ela topou conversar com o portal no Ocupa Cabral, grupo que acampa em frente à casa do governador Sérgio Cabral, principal alvo dos protestos, no Leblon, zona sul do Rio.
Mas tudo foi dito dentro de uma barraca, fechada, único lugar que ela deixou o rosto limpo para gravar um depoimento ofensivo contra a revista do grupo Abril. “A gente até acredita no jornalista, no profissional, mas a gente sabe que quando ele levar aquele material para dentro da redação eles vão ser manipulados", disse Emma, na época.
O principal instrumento de organização dos manifestantes mascarados, que concentram seus atos no bairro de Laranjeiras, onde fica a sede do governo do Rio de Janeiro, mas se juntam a outros movimentos dependendo da ocasião, são as redes sociais. Pelo Facebook, organizam hora, local e razão dos atos.
Em função justamente da ferramenta online, que a Polícia Civil iniciou uma profunda investigação, em julho, e na última quarta-feira fez a sua grande investida contra o bloco de preto: prendeu três jovens participantes, além da apreensão de dois adolescentes. Tudo porque eles estariam incitando atos de violência ao pedir que cada seguidor da página (são cerca de 20 mil curtidas) providenciasse dez instrumentos que, na gíria policial, são conhecidos como "jacarés".
Trata-se de um artefato com pregos que, se não explodem, têm alto poder de ferimento ao ser arremessado. Via Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática (DRCI), policiais foram com mandado de busca e apreensão na casa dos chamados "ADMs", que administram as páginas.
Como foram encontrados os tais artefatos, com o chamado para a produção em massa do artigo, foram enquadrados no crime de quadrilha armada, que é inafiançável. Agora prometem um grande ato nesta sexta-feira, em frente ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, no Centro, para protestar contra o primeiro grande baque que sofreram das forças de segurança.
Protestos contra tarifas mobilizam população e desafiam governos de todo o País
Mobilizados contra o aumento das tarifas de transporte público nas grandes cidades brasileiras, grupos de ativistas organizaram protestos para pedir a redução dos preços e maior qualidade dos serviços públicos prestados à população. Estes atos ganharam corpo e expressão nacional, dilatando-se gradualmente em uma onda de protestos e levando dezenas de milhares de pessoas às ruas com uma agenda de reivindicações ampla e com um significado ainda não plenamente compreendido.
A mobilização começou em Porto Alegre, quando, entre março e abril, milhares de manifestantes agruparam-se em frente à Prefeitura para protestar contra o recente aumento do preço das passagens de ônibus; a mobilização surtiu efeito, e o aumento foi temporariamente revogado. Poucos meses depois, o mesmo movimento se gestou em São Paulo, onde sucessivas mobilizações atraíram milhares às ruas; o maior episódio ocorreu no dia 13 de junho, quando um imenso ato público acabou em violentos confrontos com a polícia.
A grandeza do protesto e a violência dos confrontos expandiu a pauta para todo o País. Foi assim que, no dia 17 de junho, o Brasil viveu o que foi visto como uma das maiores jornadas populares dos últimos 20 anos. Motivados contra os aumentos do preço dos transportes, mas também já inflamados por diversas outras bandeiras, tais como a realização da Copa do Mundo de 2014, a nação viveu uma noite de mobilização e confrontos em São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Salvador, Fortaleza, Porto Alegre e Brasília.
A onda de protestos mobiliza o debate do País e levanta um amálgama de questionamentos sobre objetivos, rumos, pautas e significados de um movimento popular singular na história brasileira desde a restauração do regime democrático em 1985. A revogação dos aumentos das passagens já é um dos resultados obtidos em São Paulo e outras cidades, mas o movimento não deve parar por aí. “Essas vozes precisam ser ouvidas”, disse a presidente Dilma Rousseff, ela própria e seu governo alvos de críticas.