A operação envolvendo as duas polícias e a prefeitura de São Paulo terminou com 28 pessoas presas na região conhecida como Cracolândia, além de outras 10 em outras cidades do estado, que seriam os cabeças da organização de tráfico que atua no local. Um deles, o chefe da operação de drogas, é do PCC, segundo a polícia civil. Foram expedidos pela Justiça 69 mandados de prisão. Na mesma data, o prefeito João Doria anunciou um grande projeto de reurbanização na área e de atendimento aos dependentes químicos que ocupavam as ruas da região.
O projeto se chama Redenção. É mais uma tentativa, logo após o fim oficial do "De Braços Abertos", programa da gestão de Haddad, que travalhava pela lógica de redução de danos. Lembrando que o "Recomeço", do governo do Estado que trabalha com a lógica da internação, sempre existiu e continuará existindo no local. Como prefeito e governador são do mesmo partido, o PSDB, eles dizem que essa relação entre as duas esferas vai funcionar melhor.
Eu estava lá no último domingo, dia 21, quando houve a operação e fiz o vídeo que você pode conferir abaixo. Fiz uma reportagem para a Ponte Jornalismo e uma das minhas entrevistadas foi direto ao ponto, a questão principal desse grave problema da Cracolândia, que deve ser tratado com o maior carinho, atenção do mundo e de forma multidisciplinar. Até porque as razões das pessoas que entram para o crack são multifatoriais. O nome dela é Verônica vega, ela trabalha e mora na rua Barão de Piracicaba, bem ao lado do chamado "fluxo", onde dependentes perambulam dia e noite comprando e usando drogas. Comprando é uma forma de dizer, porque dentro do fluxo o que mais tem é "escambo". Notas de dinheiro são poucas. O que mais rola é trocar celulares, óculos de marca, tênis e até outras coisas de menor valor pelo crack. Verônica me disse: "Para onde vão essas pessoas? Será que eles [o poder público] não percebem que são doentes?". É isso que Verônica, eu e todo mundo quer saber: e agora?
Já há, nos dias subsequentes, algumas denúncias de abuso por parte da GCM, que realiza a contenção na região com o apoio da PM, no momento de revistas de dependentes que permanecem no local. Mas quero atentar para duas situações importantes de serem analisadas nesse primeiro momento: os imensos abusos cometidos pela administração municipal. Ontem, a demolição de um dos imóveis usados para abrigar ddependentes no programa social da prefeitura anterior, foi demolido. Só que tinha gente dentro. Três pessoas ficaram feridas. Não houve um planejamento adequado para o destino dessas pessoas dependentes do crack em estado de degradação física e já sem dignidade. Agentes de saúde que trabalham no local já me disseram, mais de uma vez, que a região é incubadora de doenças. De tuberculose, passando por doenças fúngicas e DSTs.
O outro ponto é o risco implicado em quem, na ânsia de defender a redução de danos - que eu também acredito ser o caminho mais possível para uma solução - se esquece que o "De Braços Abertos" pode até ter surgido com uma boa intenção, mas perdeu musculatura com o passar do tempo, sofreu alguns reveses da opinião pública e perdeu investimento. Da metade de 2015 para cá, o que se viu foi um desmonte silencioso do programa, que agonizou ao final da gestão Haddad e sofreria o golpe final com Doria. No mesmo período, o fluxo se intensificou e ganhou a organização do PCC. O que antes era um comércio de pedras totalmente aleatório, passou a ser uma biqueira organizada, com mesas e a introdução de novas drogas, como a maconha, o loló e a cocaína.
Portanto, todos têm responsabilidade sobre o que se transformou a cracolândia: a população que, numa onda individualista, gostaria que aquelas pessoas simplesmente evaporassem dali, o poder público que, com políticas mal ajambradas e falta de investimento, jogou aquelas pessoas já marginalizadas para um poço mais fundo ainda e a infiltração e estabelecimento do crime organizado no local, com quem não é possível negociar.