O candidato a vereador pelo PSOL Renato Almeida Freitas Jr., de 32 anos, prestou depoimento no Ministério Público do Paraná (MPPR) nesta sexta-feira (26), um dia após ser preso por guardas municipais em Curitiba. O advogado, que é negro, foi abordado enquanto ouvia rap na região do Largo da Ordem, no centro da cidade, por volta das 14h30 de ontem, sob acusação de perturbação da ordem e desacato à autoridade. Ele foi levado ao 3º Distrito Policial (DP), no bairro Mercês, onde permaneceu até o início da noite e alega ter sido vítima de agressão e injúria racial.
Freitas contou que estacionou o carro, um Hyundai, com o som ligado sem ser no último volume, e que sentou com dois amigos no meio fio. Após a chegada dos guardas, teria recebido voz de prisão, sido algemado com as mãos para trás e levado um golpe na nuca. Também relatou ter visto seus colegas apanharem de maneira mais explícita. Encaminhado ao DP de viatura, disse que, na chegada, ainda recebeu pisões e chutes.
"Um deles pisou no meu rosto. Olhei e falei bem assim: ‘vou até o final com isso’. Ele então falou: ‘se pisasse na m..., eu ia me incomodar mais do que pisando em você’. Foi um recado claro. Não respondi mais nada, fiquei sem forças e viram que tinham me derrotado".
Conforme o boletim de ocorrência, a corporação foi acionada por um funcionário da Casa da Leitura da Rua do Rosário, que argumentou que Freitas ouvia música alta. Ainda de acordo com o relato, os guardas foram desacatados pelo advogado, quando solicitaram que ele reduzisse o volume do som. Nesta sexta-feira, a Secretaria Municipal de Defesa Social instaurou um inquérito administrativo para apurar o que aconteceu. A prefeitura também informou à reportagem do Terra que o Sindicato da Guarda e a Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) serão convidados a acompanhar o trabalho do grupo. Todos os envolvidos devem ser ouvidos.
Graduado em Direito pela UFPR, onde cursa mestrado atualmente, o candidato publicou um vídeo nas redes sociais, detalhando o que aconteceu. Segundo ele, é preciso denunciar os abusos não só da guarda municipal, mas também das forças de segurança como um todo, que “veem os negros como marginais padrões, como um retrato falado genérico, como alguém que deve ser combatido, algum tipo de inimigo”. O psolista reiterou que situações como essa se repetem todos os dias.
Ao relembrar de outros casos que vivenciou de agressão, o advogado falou que são “de um tempo em que a gente tomava tapa no rosto, chute, soco na costela, na barriga, sangrava, chamava de senhor e andava. No outro dia a gente levava isso engasgado e ficava mudo porque não tinha força. E agora acho que são outros tempos. Quero narrar essa experiência não para mim, para você que está vendo do outro lado. É para todos nós, negros de periferia, pobres que são vulneráveis a essas ações abusivas da polícia. A mensagem que quero passar é que não precisa ser assim”.
Em nota, o PSOL repudiou o que chamou de atos de criminalização da juventude negra e periférica, que ocupa as ruas com sua arte. “Acreditamos também que é vital a participação popular na Gestão da Guarda Municipal, com o objetivo de reagir firmemente contra a violência racista e institucional desta instituição. Precisamos construir uma polícia comunitária, que trabalhe em estreita parceria com os Conselhos Comunitários de Segurança (Consegs) dos bairros”, diz trecho.
MP requisita abertura de inquérito policial para apurar o caso
O Ministério Público do Paraná (MPPR) vai requisitar, nos próximos dias, a instauração de um inquérito policial para apurar o caso envolvendo o advogado negro Renato Almeida Freitas Jr., de 32 anos, que foi preso pela Guarda Municipal de Curitiba sob acusação de perturbação da ordem e desacato à autoridade. De acordo com a coordenadora do Núcleo de Promoção da Igualdade Étnico-Racial (Nupier), a promotora de Justiça Mariana Seifert Bazzo, ele e mais duas testemunhas prestaram longo depoimento nesta sexta-feira (26), na sede do órgão. Devem ser apurados crimes raciais, de abuso de autoridade e de lesão corporal.
"A Corregedoria da Polícia vai determinar quem será o delegado responsável pelo procedimento”, afirmou. Segundo Bazzo, além dos depoimentos, foram levantadas provas. “O MP também vai sugerir diligências para esse delegado diretamente e outras medidas que podem ser tomadas. Agora a continuação cabe mesmo à esfera policial, mas vamos monitorar o tempo todo, para que, ao final, se chegue a uma denúncia em face dos culpados”, completou.
A promotora contou que abordagens de cunho racista por parte de forças de segurança são comuns no Paraná. “Pessoas são culpabilizadas e, por várias vezes, ao sofrerem esse tipo de agressão, não encontram espaço para fazerem as denúncias. É por isso que o Ministério Público vem defendendo, junto à Secretaria de Segurança, que exista uma delegacia especial. Nós recebemos muitos relatos de pessoas negras e outros advogados que foram violentamente abordados por policiais”, disse.