Uma situação exposta pela atriz e ex-bailarina do Programa do Faustão Carol Nakamura nas redes sociais trouxe à tona novamente o tema da adoção. A atriz afirmou que um menino de 12 anos, de quem ela cuidava e chamava de filho, resolveu voltar a viver com a família biológica. No relato, Carol diz que a criança estava "safada" e "sem vergonha" e que cresceu sem regras, o que motivou críticas.
Mas, afinal, crianças adotadas podem voltar para a família biológica?
O menino foi levado para a casa de Carol Nakamura e o marido, Guilherme Leonel, em 2019. Isso ocorreu, segundo ela própria conta nas redes sociais, depois que a atriz conheceu o garoto durante trabalho social na região do lixão do Jardim Gramacho, região metropolitana do Rio.
Apesar de chamá-lo de filho, o caso não se trata de uma adoção concluída. Carol não tinha a guarda da criança ou outra documentação relativa ao menino, conforme ela mesma afirma nas redes sociais. "Ele (o garoto) começou a entender que eu só tinha uma guarda provisória, que foi vencida, e só tinha a promessa de uma guarda de fato efetiva, a guarda que eu deveria ter desde o início. Eu pedi e foi prometido várias vezes e nunca foi concluído de fato."
Especialistas em adoção afirmam que o caso parece se tratar de um "apadrinhamento": quando uma família quer proporcionar oportunidades a uma criança que ela não teria em seu lugar de origem. O Estadão tentou contato com Carol Nakamura pelas redes sociais e por e-mail, mas não obteve resposta.
Os processos legais de adoção, no entanto, são muito mais complexos do que isso, justamente para evitar que as crianças sejam expostas a novas situações de violência e desamparo. "Defendemos que as adoções devem ser legais, seguras e para sempre", diz Sandra Sobral, presidente Instituto Geração Amanhã, organização voltada à garantia do direito de convivência familiar de crianças e adolescentes.
A partir da Constituição de 1988, a adoção passou por mudanças no Brasil. Antes disso, era comum que crianças fossem inseridas em famílias adotivas por intermédio de hospitais: a chamada "adoção à brasileira". Ou que fossem tratadas como "filhos de criação", geralmente crianças já conhecidas e com as quais as famílias adotivas estabeleciam algum vínculo afetivo, como filhos de empregados domésticos.
Hoje, a adoção à brasileira é considerada crime no Brasil. Já a conclusão da adoção de "filhos de criação", sem passar pelo procedimento legal mais comum, é complexa e envolve uma série de riscos e inseguranças jurídicas - inclusive a de que a família biológica desista do processo no meio do caminho.
Conforme explica Sandra, o procedimento legal para a adoção no Brasil (e recomendado a todos que querem iniciar o processo) começa com um cadastro dos pretendentes no Sistema Nacional de Adoção (SNA), do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Eles devem passar por cursos de capacitação, em que são explicados todos os processos para adotar uma criança. Também passam por avaliações socioemocionais. Demora de 6 meses a um ano até que o pretendente esteja, de fato, habilitado para adotar.
A vinculação entre o pretendente à adoção e uma criança é outra etapa sensível. Nem toda criança que vive em abrigos está apta para ser adotada: é preciso, antes, que ela esteja desvinculada da família de origem. Ou seja, é necessário verificar que a família de origem não pode ficar com a criança, por motivos graves (abusos, por exemplo). Esse trabalho é feito por especialistas. Viver em situação de pobreza, por si só, não indica que uma criança precisa ser adotada.
"Para a colocação em família substituta, o Judiciário já exauriu as tentativas de reinserção na família natural e de inserção na família extensa", explica Silvana do Monte Moreira, presidente da Comissão de Adoção do Instituto Brasileiro de Direito de Família (Ibdfam).
Casos de devoluções de adoções concluídas pelas vias legais, seguindo todos esses trâmites, são bastante raros, diz Silvana, justamente porque foram tomados cuidados prévios para verificar se as crianças estavam aptas à adoção e os pretendentes, preparados. Essas situações de devolução, podem levar, inclusive, a sanções para os pais adotivos, já que a adoção é um processo irrevogável.
Também ocorrem, com baixa frequência nas adoções legais, as chamadas desistências: quando a criança já está morando com a família que pretende adotar, mas a sentença de adoção ainda não saiu. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, foram 521 desistências no ano passado, número 29% superior ao registrado em 2020. Neste ano, o CNJ contabilizou 123 desistências.
Em qualquer tipo de desistência ou devolução, a criança fica sujeita à instabilidade emocional, mas no caso de adoções informais, o problema pode ser mais grave, já que falta acompanhamento profissional. Um dos casos de desistência acompanhado por Sandra Sobral, do Instituto Geração Amanhã, por exemplo, demandou intervenção de psicólogos durante meses para que as crianças pudessem se recuperar do trauma.
"A criança sofre um monte de coisa. Sai de uma realidade e vai para outra. Tem o choque emocional entre as duas realidades e se culpa muito por ser a responsável por não ter dado certo", aponta Sandra. Para Jadete Calixto, psicóloga especializada no tema da adoção, casos de retorno ao abrigo ou a família de origem também podem causar frustrações.
"É uma grande frustração, porque ele experimentou uma vivência totalmente diferente em uma casa com todos os recursos", diz Jadete, sobre o caso da criança que estava sob os cuidados de Carol Nakamura. O caso relatado pela atriz também provocou reações em meio a grupos de defesa da adoção legal, que consideraram o relato um desserviço para a formação de novos pretendentes.
"Induz que adoção é caridade, que não é necessária prévia inscrição no SNA, mas o mais nefasto é pôr a culpa na criança por não ter sido grata, é revitimizar a criança como a culpada pela situação", pontua a advogada Cecília de Albuquerque Coimbra, vice-presidente do grupo de apoio à adoção Acolher, em Mairiporã, na Grande São Paulo.