RECIFE - Sarí Corte Real, ex-patroa da mãe do menino Miguel Otávio Santana da Silva, morto no último dia 2 de maio, chegou à delegacia de Santo Amaro, no centro do Recife, por volta das 6 horas da manhã desta segunda-feira, 29, duas horas antes do início do expediente. Ela estava acompanhada do marido e prefeito de Tamandaré, no litoral sul de Pernambuco, Sérgio Hacker (PSB), de dois advogados e um motorista. A empregada doméstica e mãe de Miguel, Mirtes Renata Santana de Souza, chegou à delegacia pouco depois, por volta das 8 horas, acompanhada de alguns familiares. Ela também entrou na delegacia, mas não prestou depoimento. A população protestou durante toda a manhã, pedindo "justiça por Miguel".
O depoimento de Sarí Corte Real durou até as 12h, mas ela só saiu da delegacia depois das 14h30, escoltada pela polícia. A primeira a sair foi Mirtes Renata, mãe de Miguel, por volta das 13h. Ela falou com a imprensa, dizendo estar muito abalada e indignada com conversa extraoficial que teve com Sarí após o depoimento. "Todo o mundo viu que ela apertou o botão [do elevador], mas ela ficou dizendo que não apertou. Se fosse o filho dela, ela não teria feito aquilo. Ela não pediu desculpas, não pediu perdão por nada. Ela só disse que não tinha responsabilidade pela morte do meu filho", contou Mirtes.
"Ela não tem arrependimento nenhum, a cara dela mostra que ela não tem arrependimento pelo o que ela fez com o meu filho. Ela disse que eu estava na casa dela sem fazer nada. Eu estava trabalhando! Se eu estava ali sem fazer nada, por que ela me deixou lá, não deixou eu ir para a minha casa no meio da pandemia? Ela é fria, ela é um monstro, ela não é a mulher que eu conhecia, ela é ingrata. Disse que eu não tinha obrigação nenhuma com os filhos dela, mas eu cuidava dos filhos dela porque ela não dava atenção. Eu não reconheço Sarí, não é a mulher pra quem eu dediquei quatro anos da minha vida e minha mãe, seis. Ela é um monstro", disse Mirtes expressando indignação.
A mãe de Miguel ainda comentou sobre o contato dela, na delegacia, com o prefeito de Tamandaré, Sério Hacker (PSB), e o com pai dele, de mesmo nome. "Ele [o prefeito] disse que, qualquer coisa que a gente precisar da ajuda dele, ele está totalmente à disposição. Eu não tenho nenhum problema com ele. O pai dele também está aí e eu disse a ele: eu não tenho nada contra o senhor, seu Sérgio, nem o seu filho, nem a sua ex-mulher. O meu único problema é com Sarí. Ela errou com o meu filho, ela tirou a vida dele, então ela é quem tem que pagar. Eu não tenho nada contra a família, quem errou comigo foi ela".
Questionada pelo Estadão sobre abertura da delegacia horas antes do início do expediente, especialmente para o depoimento de Sarí Corte Real, a assessoria de comunicação da Polícia Civil de Pernambuco (PCPE) emitiu uma nota informando que os advogados de Sarí solicitaram a realização do depoimento mais cedo. "Considerando os argumentos relativos à possibilidade de aglomeração de pessoas e o risco de agressão à depoente por parte de populares, o delegado deferiu o requerimento. Saliente-se que esse deferimento não enseja nenhum prejuízo aos trabalhos de investigação levados a efeito pela Polícia Civil", disse o texto.
Mirtes Renata também falou sobre o assunto, declarando não acreditar que o delegado esteja favorecendo nenhum dos lados ao ter começado a ouvir Sarí Corte Real antes do início do expediente. "Sobre essa questão de a delegacia ter aberto mais cedo, na [última] quinta-feira ele [o delegado] me atendeu às 13h, que também não é horário de atendimento normal. Eles deixaram de almoçar para me atender, para ouvir a minha oitiva. Da mesma forma que eles abriram um pouco mais cedo para agilizar a questão da oitiva dela e o fim do inquérito. Ele só fez isso para agilizar, não houve preferência nenhuma da parte de ninguém, independente dela ser primeira-dama ou o que for. O delegado disse que vai concluir o inquérito e realizar uma coletiva de imprensa para esclarecer o caso", continuou Mirtes.
Ao ser questionada sobre o fato de Sarí ter sido indiciada por homicídio culposo, quando não há a intenção de matar, a mãe de Miguel disse que espera que o quadro mude ao fim do inquérito. "Isso vai se reverter. Ela vai pagar pelo o que fez com o meu filho".
Depoimento
O depoimento da primeira-dama de Tamandaré era o mais aguardado do caso, já que no dia da morte do menino ela não se pronunciou, mas foi indiciada por homicídio culposo, quando não há a intenção de matar. Na ocasião, Sarí Corte Real pagou fiança de R$ 20 mil para responder em liberdade. De acordo com o advogado dela, Pedro Avelino, Sarí não teria se pronunciado inicialmente porque estava muito abalada e sem a presença dos advogados. O segundo depoimento, realizado nesta segunda-feira, 29, só foi agendado após o delegado responsável pelo caso, Ramon Teixeira, ter acesso ao laudo da perícia feita pela polícia científica de Pernambuco no condomínio do Edifício Pier Maurício de Nassau, no centro do Recife.
Além de Sarí Corte Real, já prestaram depoimento o ex-síndico do prédio, um morador, o gerente de operações do condomínio (primeiro a prestar socorro a Miguel), a manicure que atendia Sarí, além de Mirtes Renata, que falou com a polícia duas vezes.
Protestos em frente à delegacia
Ao longo de toda a manhã, uma multidão foi se formando na frente da delegacia de Santo Amaro, no centro do Recife, aguardando a saída de Sarí Corte Real. As pessoas usaram gritos de ordem como "justiça por Miguel". De acordo com a tia do menino, irmã de Mirtes, Erilurdes de Souza, a família sabia que o depoimento seria prestado nesta semana e estavam organizando um protesto, mas não sabiam em que dia Sarí iria comparecer à delegacia. "A gente veio para Mirtes poder olhar para ela cara a cara. Nós imaginávamos que ela iria prestar depoimento ontem ou hoje. Estávamos com um protesto marcado para pressionar o delegado a tirar o culposo e indiciar ela como doloso. A gente quer justiça, que ela saia daqui naquele carro [da polícia] para o presídio. E queremos que o caso seja julgado por júri popular", sublinhou Erilurdes.
A avó de Miguel, Marta Santana, também esteve presente e chegou a entrar na delegacia a pedido de Mirtes. "Eu vim aqui para olhar para a cara dela. Isso não se faz com criança nenhuma. Nunca abandonei os filhos dela. Nada vai trazer Miguel de volta, mas pode aliviar. Por isso, queremos justiça", disse à imprensa.
Com a movimentação cada vez maior na frente da delegacia, entre gritos de ordem por Miguel e xingamentos para a primeira-dama de Tamandaré, a PCPE acionou outras equipes de polícia, que chegaram ao local para isolar a entrada da delegacia e proteger Sarí Corte Real de possíveis agressões. Em um primeiro momento, quando Mirtes Renata saia da delegacia, um policial chegou a ser truculento, com arma de fogo na mão, empurrando jornalistas e manifestantes para tentar dispersar os protestos.
Depois das 14h30, Sarí Corte Real saiu da delegacia escoltada por seguranças particulares e policiais até um carro da polícia. Nem ela e nem os advogados falaram com a imprensa. O carro dela e do prefeito, posicionado toda a manhã próximo à saída da delegacia, foi conduzido pelo motorista, enquanto os manifestantes batiam no carro e gritavam indignados. A tia de Miguel, Erilurdes de Souza, chegou a passar mal e desmaiar após se colocar na frente do carro, pedindo por justiça. Ela foi colocada em uma viatura, acompanhada de outra tia do menino. Os policiais informaram que iriam levá-la para algum hospital do Recife, mas não informaram qual.
Relembre o caso
No último dia 2 de maio, Miguel Otávio Santana da Silva, de 5 anos, morreu depois de cair de uma altura de 35 metros, do nono andar de um prédio no centro do Recife. O menino era filho de Mirtes Renata Santana de Souza, que trabalhava como empregada doméstica na casa de Sarí Corte Real, primeira-dama do município de Tamandaré.
Sem ter com quem deixar o menino, a empregada o levou para a casa da patroa, tendo deixado-o sob a responsabilidade de Sarí ao descer para passear com a cachorra da família. O menino quis encontrar a mãe, mas Sarí teria deixado-o sozinho no elevador e apertado em um andar superior, enquanto Mirtes estaria no térreo. Sarí foi indiciada por homicídio culposo, quando não há a intenção de matar, mas pagou fiança de R$20 mil para responder em liberdade.
De acordo com o delegado responsável pelo caso, Ramon Teixeira, a polícia civil deve concluir o caso dentro do prazo mínimo de 30 dias, após ter colhido alguns depoimentos e receber o laudo pericial da polícia científica do Estado.