Cidades adotam ações por segurança de mulheres no transporte

Descer fora do ponto de ônibus e vagões exclusivos no metrô estão entre as iniciativas; medidas causam polêmica

8 ago 2014 - 10h01
<p>Vagão exclusivo para mulheres foi adotado em diversas cidades do País, como Brasília</p>
Vagão exclusivo para mulheres foi adotado em diversas cidades do País, como Brasília
Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom / Agência Brasil

Com a discussão sobre os direitos das mulheres em alta, um assunto que entrou na pauta social recentemente é a segurança feminina no transporte público brasileiro. Cada vez mais, casos de assédio e violência sexual dentro de coletivos são denunciados e ações para garantir a integridade física e material das passageiras são pensadas por autoridades, criam polêmicas e levantam o debate sobre o respeito às mulheres no Brasil. Investimentos em vagões exclusivos para o público feminino e benefícios no desembarque de ônibus são algumas das iniciativas tomadas para tentar combater esses atos.

Desde 27 de março deste ano, passageiras de ônibus em todo o Distrito Federal podem pedir aos motoristas para desembarcarem fora do ponto após as 22h. A medida visa proteger a mulher e possibilitar o desembarque mais próximo de sua casa em horários considerados perigosos. Com o encurtamento do trajeto, o governo acredita que possa minimizar as ocorrências contra as passageiras. A secretária da Mulher do Distrito Federal, Valesca Leão, explica que a pauta surgiu no mandato da ex-secretária Olgamir Amancia, sua antecessora. “Era um pedido das mulheres do DF. Entendemos que era importante garantir isso para elas”, afirma. Segundo Valesca, a ação foi criada para que a mulher se sinta mais segura. “É importante destacar que os agentes do transporte público receberam capacitação dessa questão, sabem da lei e têm contribuído muito”, completa.

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Outros locais que instauraram o desembarque diferenciado para mulheres foram os municípios de Cascavel e Umuarama, no Paraná. Em todas as cidades com o benefício, é preciso que o pedido seja feito dentro do trajeto, e o motorista é obrigado a respeitar. A empregada doméstica Franciele Moura, de Cascavel, aprova a iniciativa. “Acho a ideia boa, dependendo do lugar que a pessoa mora é perigoso se o ponto fica muito longe da residência”, afirma. A estudante Jessica Michelon também apoia o benefício, mas crê que ele precisa ser mais divulgado na cidade paranaense. Em Brasília, a campanha de divulgação foi feita junto com o Dia Internacional da Mulher.

Polêmicas

Bem aceita pelas mulheres, a iniciativa é criticada por alguns homens, que acreditam que também deveriam ter o direito de descer fora do ponto após as 22h para garantir sua segurança. Em abril, um meme foi lançado na internet por um morador de Cascavel que questionava a medida. A publicação na rede social Facebook critica o desembarque diferenciado e pede o benefício para os homens.

Página do Facebook critica decreto que permite que apenas as mulheres em Cascavel (PR) desçam fora do ponto após as 22h
Foto: Facebook / Reprodução

A secretária da Mulher do Distrito Federal acredita que, em Brasília, a resolução foi bem recebida. “Infelizmente, nossa sociedade é muito machista. Alguns questionam, mas a maioria apoia. É uma ação que entende que proteger as mulheres é resguardar a sociedade”, explica. A estudante Stephanie Mota, pertencente ao grupo Coletivo Feminismo Sem Demagogia, diz que a medida ajuda, mas causa um problema na sociedade. “Em recente viagem para Recife, pude vivenciar o motorista de ônibus me deixando na esquina do hostel em que eu estava, o horário era próximo da meia noite. Ao mesmo tempo que senti um alívio descendo na esquina do meu destino final, fiquei pensando a gravidade da situação das mulheres a ponto de não termos segurança para andarmos dois ou três quarteirões sozinhas a noite. Um ônibus que nos deixa mais próximas do destino final certamente não vai resolver o problema maior: o machismo que mata e violenta milhares de mulheres todos os dias”, afirma.

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Em Curitiba, também é possível descer do ônibus fora do ponto após as 22h. Mas ao contrário das outras cidades que exercem a medida, na capital paranaense o benefício é estendido para os homens. “Nós temos usuários idosos, estudantes, adolescentes e menores de idade usando transporte coletivo nesse horário. No nosso entendimento, qualquer usuário que solicitar deve ter esse direito”, afirma Roberto Gregorio da Silva Junior, presidente da Urbanização de Curitiba S/A, empresa municipal responsável pelo planejamento, gerenciamento e operação do transporte coletivo, comercial e uso comercial de espaços públicos. A regulamentação da URBS em Curitiba existe há 10 anos e a parada especial também deve ser feita dentro do trajeto.

Vagão rosa

Outra medida que causou polêmica ao tentar aumentar a proteção às mulheres foi a criação de vagões exclusivos para o público feminino no metrô. Pensando na integridade física das mulheres e nas constantes reclamações sobre abusos sofridos dentro do transporte, cidades como Brasília e Rio de Janeiro instauraram esse diferencial. No início de julho, a Assembleia Legislativa de São Paulo aprovou uma lei que obriga o Metrô e a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos a criarem um vagão de uso exclusivo para mulheres em cada composição. De acordo com a lei, crianças do sexo masculino poderão usar o espaço se estiverem acompanhadas de mulheres. Grupos feministas protestaram contra o projeto por considerarem a ideia machista e que culpa as vítimas. A decisão do governador Geraldo Alckmin deve sair até o dia 13 de agosto. 

Manifestante tira a roupa durante protesto contra vagão rosa em SP
Foto: Leonardo Benassatto / Futura Press

A relações internacionais Carolina Barros, de São Paulo, é contra a ideia do chamado “vagão rosa” e acredita que a medida irá segregar. “É como nos confinar em um espaço pequeno, pois não se pode mais andar em paz e confiar nos homens, sendo que quero ser livre. Daqui a pouco vão dizer que a mulher que foi assediada no metrô mereceu, já que não estava no vagão rosa”, diz. A feminista Stephanie Mota concorda. “Se o problema está nos homens que não nos respeitam e nos violentam, por que nós, enquanto vítimas, temos que ficar em um espaço um tanto quanto segregatório? Medidas como essas são um absurdo, pois é clara a culpabilização da vítima. A solução proposta pelos governantes é enjaular as mulheres em um vagão, enquanto os agressores continuam usufruindo de todo o espaço coletivo”, afirma. A estudante diz que já sofreu abuso dentro do transporte público em São Paulo e não foi ajudada pelos demais passageiros. A executiva Gabriella Gomes concorda que a ideia é falha, mas usará o benefício, caso ele passe a existir. “Eu acho ridículo ter que precisar disso, mas visto que não tem transporte público suficiente, os trens estão sempre lotados, o que cria uma situação propícia para os homens que não respeitam as mulheres. Acaba sendo necessário”.

Fiscalização

Em Brasília, é feita uma fiscalização rotineira para verificar se as medidas são cumpridas, de acordo com a Subsecretaria de Fiscalização, Auditoria e Controle. A repartição recomenda às mulheres que se sentirem lesadas pelas empresas que registrem reclamações no número 162 do governo do Distrito Federal, com informações sobre o horário, a linha e o local do fato ocorrido. Os motoristas são orientados e treinados para respeitarem os pedidos das mulheres de desembarque fora do ponto. O motorista que se recusar a parar no local solicitado pelas mulheres após as 22h pode ser punido pela empresa. Em caso de descumprimento da exclusividade do vagão do metrô, pode ser solicitado o apoio da Polícia Militar. Em Curitiba, é possível denunciar falhas para o sistema 156.

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Educação, conscientização e cobranças

A feminista Stephanie Mota não concorda que as medidas devam ser consideradas como “benefícios” para as mulheres. No caso do vagão exclusivo no metrô, a estudante acredita que medidas educativas e positivas são o melhor caminho. “Não podemos esquecer também questões básicas que deveriam ser garantidas pelo Estado: iluminação decente nas vias públicas; podas regulares de canteiros, terrenos baldios e praças públicas; maior quantidade de linhas de ônibus, trem e metrô e melhor treinamento para funcionários”, diz. O presidente da URBS, de Curitiba, afirma que iniciativas estão sendo tomadas para garantir a segurança de usuários de transporte público na capital paranaense e que um estudo é encabeçado pela Secretaria Municipal da Mulher sobre o público feminino no transporte coletivo.

No Distrito Federal, foi feita uma campanha para esclarecer usuários de transporte público sobre o assédio sexual em ônibus. “Fizemos uma campanha afirmando que assédio sexual em ônibus é crime. Foi uma ação super bem aceita. Depois da divulgação, tivemos casos que o motorista de ônibus levou o coletivo até a delegacia com um agressor”, conta Valesca. Dentre as ações, foi feita uma cartilha para orientar a população e um curso de capacitação para motoristas e cobradores identificarem os casos de abuso e saberem como agir.

“Infelizmente temos uma sociedade que recebe pouca ou nenhuma educação sobre a violência contra a mulher. Eu usufruiria (do benefício de descer fora do ponto após as 22h), mas o fato de eu usar, que fique claro, apenas confirma que existe uma sociedade machista, que me empurra para obrigatoriamente ceder a este tipo de subterfúgio. Não é o que eu quero para mim e para as outras mulheres, quero que um dia possamos andar pelas ruas sem medo”, finaliza Stephanie.

Fonte: Terra
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