A modelista Marivalda de Oliveira da Cruz, de 35 anos, sai de casa todos os dias às 6h10, atravessa uma passarela e leva os filhos ao ponto de ônibus antes de seguir para o trabalho. A partir desta segunda-feira, porém, ela mudou sua rotina e vai passar a fazer um caminho mais longo, pela pista de um viaduto.
Durante os dias do horário de verão, iniciado no sábado, ainda está escuro quando ela sai da casa onde mora, no bairro paulistano de Heliópolis, para trabalhar. Marivalda diz que prefere correr o risco de ser atropelada - já que o caminho alternativo não oferece tanta segurança para pedestres - a ser assaltada.
"Vou começar a ir pelo viaduto porque sou mulher e fico ainda mais vulnerável nessa escuridão. Dizem que o horário de verão economiza energia. Isso eu não sei. Mas eu não acho que vale a pena arriscar a vida só para chegar em casa quando está um pouco mais claro", diz.
Na noite de sábado para domingo, quando começou oficialmente o horário de verão, os brasileiros de 10 Estados e do Distrito Federal adiantaram seus relógios em uma hora. O horário de verão, que durará até 17 de fevereiro é adotado pelo governo sob o argumento de economizar energia elétrica aproveitando as horas a mais de claridade na estação. Mas, para trabalhadores que saem cedo de casa e moram nas periferias das grandes cidades, a queixa é de que a medida aumenta a sensação de insegurança.
A BBC News Brasil ouviu trabalhadores da periferia de São Paulo que hoje costumam sair de casa entre 6h e 7h, quando o sol começa a nascer e já há luz natural no horário normal. Todos disseram estar com medo, pois agora terão de caminhar pelas ruas no escuro e sozinhos.
O problema não é exclusividade da capital paulista, segundo especialistas; atinge principalmente os moradores de bairros da periferia das metrópoles brasileiras, que têm estrutura precária e problemas de iluminação pública.
Segundo a professora do Departamento de Segurança Pública da Universidade Federal Fluminense (UFF), Luciane Patricio, esse tipo de situação é comum em cidades onde o trabalhador mora longe da região central e precisa sair de casa no escuro quando o horário de verão entra em vigor.
"Quando o poder público não resolve essa questão, as alternativas para fugir dessa situação são transferidas para o próprio trabalhador. Ele adere a aplicativos de carona, espera um vizinho passar para ir junto ou pega um Uber. Ela precisa se deslocar para chegar ao trabalho e precisa encontrar uma opção", afirmou.
Marivalda Cruz diz que a escuridão na hora em que sai para trabalhar atrapalha bastante. Ela conta que os principais problemas da passarela pela qual ela caminha no restante do ano são a falta de iluminação artificial e a ausência de uma área de escape - caso ocorra um assalto ou tiroteio. Segundo ela, uma base policial próxima não evita assaltos constantes no local.
"Ela não tem nenhuma lâmpada, só a luz do sol mesmo. Depois das 21h, eu também não me arrisco a passar por lá sozinha. Se acontecer alguma coisa, eu não tenho nem para onde correr. Pelo viaduto também não é seguro porque passa carro. A prefeitura até fez um espaço para a gente andar pela lateral, mas ainda assim eu tenho medo. A única solução para mim seria acabar com esse horário", afirmou.
Mais que policiamento
A professora Luciane Patricio diz que essa situação deixa explícito que há alternativas para tornar um ambiente mais seguro, mas que muitas vezes não são levadas em conta.
"A gente escuta que falta mais investimento em policiais, armamento e carros para melhorar a segurança. Essa é uma visão limitada e por isso o investimento acaba sendo só em polícia. Não são levados em consideração que aspectos do meio ambiente, principalmente a iluminação, também impactam na segurança", afirma a professora.
Patricio explica que instalar postes com iluminação de qualidade em vias públicas ajuda a criar a sensação de um ambiente seguro, capaz de inibir crimes.
"É evidente que as pessoas se sentem mais seguras em lugares mais iluminados. Isso tem a ver com políticas públicas. Em vez de apenas contratar mais guardas municipais, é importante que as prefeituras também invistam em iluminação. Mas isso deve ser avaliado pelas prefeituras de acordo com os aspectos de cada ambiente, como locais com mais comércio ou grande circulação de pessoas - que exigem mais policiamento", afirmou a professora.
De acordo com a Secretaria da Segurança Pública do Rio de Janeiro, a maior parte dos roubos a pedestres registrados no Estado ocorrem entre 5h e 7h e das 20h às 22h. O mesmo período em que parte dos trabalhadores chegam ou saem de casa sem luz natural.
Economia de energia
O engenheiro eletricista e presidente da Sociedade Brasileira de Planejamento Energético, Ivo Leandro Dorileo, disse que a vantagem obtida com a prática de adiantar relógios no verão atingiu seu ponto máximo em 2013, quando o ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) registrou uma economia de R$ 400 milhões ou 2,5 gigawatts (GW).
O ONS, órgão que coordena, controla e planeja a operação das instalações de geração e transmissão de energia elétrica no País, não divulgou o resultado da análise feita no verão passado (2017-18), mas baseado em estimativas, o especialista sugeriu um valor: "Em 2017-18 (a economia) deve ter sido em torno de R$ 140 milhões".
A dona de casa Jane Severo de Oliveira conta que no Jardim das Oliveiras, no extremo leste de São Paulo, os assaltos também são feitos de carro nos horários em que, agora, as ruas ficam às escuras.
"Eles encostam com um carro preto, armados, e levam os celular das pessoas no ponto de ônibus. Isso tudo perto de um batalhão de polícia. Nem com a placa do carro os bandidos foram presos. O jeito é sair mais tarde", conta ela.
Moradora do Jardim Bela Vista, na zona norte de São Paulo, a auxiliar administrativa Nanci Martins de Matos, de 51 anos, já tinha pedido ao chefe para entrar mais tarde no trabalho este ano para evitar assaltos. Hoje, ela sai 6h30 de casa para chegar às 9h no trabalho, e não sabe o que vai fazer a partir do início do horário de verão.
Ela anda cerca de 15 minutos até o ponto de ônibus, onde pega a primeira condução até a cidade de Poá, na Grande São Paulo.
"Eu já estou em pânico. Fico desesperada só de pensar no medo que eu sinto. Os relatos de assaltos feitos por pessoas de moto são frequentes onde eu moro. Para ajudar, às vezes os sensores dos postes da minha rua não acendem as luzes e outros ficam sempre apagados", afirma
Matos conta que nunca foi assaltada, mas já viu pessoas sendo roubadas no mesmo ponto de ônibus onde ela espera a condução. Ela relata que as cenas ainda a perturbam e geraram um medo de motos com duas pessoas a bordo.
"Hoje, eu não tenho solução. Estou desesperada. Eu não tenho quem me acompanhe até o ponto. Paro de trabalhar ou saio de casa e me arrisco. Já aconteceu de eu ver caras de moto na rua e me esconder. A gente às vezes até generaliza porque pensa que toda gente de moto vai assaltar. O que eu posso fazer?"