Um grupo de mães de alunos da Escola de Dança do Theatro Municipal de São Paulo afirma que crianças estão sofrendo discriminação e pressão psicológica excessiva na instituição. Elas querem o afastamento da diretora artística, e dizem que ela é politicamente blindada. O caso foi parar no Ministério Público Estadual.
Em 2017, a bailarina Priscilla Yokoi assumiu a parte artística da Escola de Dança. De lá para cá, o perfil da instituição teria mudado, dando mais ênfase ao ballet clássico e às apresentações, o que incluiu um aumento na carga horária. As mães atribuem a essa mudança situações estressantes pelas quais suas filhas estariam passando.
O Terra entrou em contato com o poder público municipal para saber o que têm a dizer os órgãos da prefeitura e a diretora artística da escola. Em nota, a Secretaria Municipal de Cultura informou que fará uma reunião com a presença da sua secretária adjunta, Regina Pacheco, a diretoria do Theatro e pais das crianças para ouvir demandas e apresentar sua proposta pedagógica (confira a nota completa abaixo).
Vinculada à Secretaria Municipal de Cultura e à Fundação Theatro Municipal, a instituição atende até mil alunos, contando os cursos livres. Nos cursos regulares, seriam cerca de 350. Tradicional, oferece ensino de dança na cidade desde 1940.
Documento protocolado por essas mães na Prefeitura relata preocupação com possíveis danos psicológicos. Alunos estariam sob tratamentos diferentes de acordo com seus tipos físicos e sido colocadas em situação de inferioridade em relação a outros estudantes. São meninas, em sua grande maioria.
No documento, é citado um artigo do “Manual do Aluno”, implantado pela atual direção da escola. Até a conclusão deste texto, havia no site da instituição um espaço para divulgação do manual, mas o texto não estava lá.
A reportagem teve acesso a uma versão do documento, que coloca o seguinte como dever do discente:
“Atender a determinações da Direção da Escola de Dança do Theatro, no que tange a caracterização física e estética para melhor desempenho e aprendizagem técnica”.
No documento, as mães argumentam que a escola é de formação, e não uma companhia de dança profissional. Também dizem que o ambiente de pressão e competição não seria ideal para iniciar crianças nas artes.
Duas mães, sob condição de anonimato, reafirmaram ao Terra tudo o que está escrito. Elas não quiseram ter seus nomes revelados, alegando receio de represálias contra si mesmas ou suas crianças.
Michele Nuevo, outra mãe, aceitou dar entrevista. Ela conta que tem duas filhas na Escola de Dança do Theatro Municipal, uma com 15 e a outra com 10 anos. Ela é neuropsicopedagoga e tem formação em dança.
Explicou que alguns alunos foram selecionados na gestão anterior, com outros parâmetros. “Percebemos que os adolescentes, principalmente do intermediário profissionalizante, estavam sendo tratados como descartáveis. Tem que cobrar de quem está entrando a partir de agora.”
Michele Nuevo também afirma que os novos horários sobrecarregaram os estudantes. “Romantizar esse sofrimento é compactuar com abuso, muitas vezes. As crianças precisam de tempo para comer, para dormir, estudar”. Ela cita o tempo gasto nos deslocamentos em uma cidade como São Paulo.
Há um clima de cizânia na comunidade da Escola de Dança do Theatro Municipal. Assim como há mães descontentes, uma outra parte apoia a atual direção da escola. O resultado é, de acordo com o Ministério Público, um “alto nível de animosidade”.
MP entra em cena
As afirmações chegaram ao Ministério Público Estadual, que a princípio viu pouca concretude na história.
“Inicialmente, as insurgências apresentadas pela representante – falta de transparência, discriminação, segregação, violência psicológica – mostram-se por demais genéricas”, escreveu a promotora Luciana Bergamo na portaria de instauração de um procedimento preparatório (investigação anterior a um inquérito sobre o caso). O procedimento, que corre sob sigilo, só foi aberto após a apresentação de novos indícios.
“Alunos passaram a sentir-se inferiorizados, até porque passaram a ouvir que não teriam sido aprovados ou selecionados porque não teriam ou biótipo ou o peso adequados para o ballet clássico”, entendeu a promotora após leitura dos documentos recebidos.
Entre as justificativas para a investigação, Bergamo cita trecho do Estatuto da Criança e do Adolescente: “nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais”.
Confira a nota completa da Secretaria Municipal de Cultura:
A Secretaria Municipal de Cultura convidou os pais dos alunos das escolas de Dança do Theatro Municipal para apresentar a nova diretoria da Fundação Theatro Municipal (FTM), que assumiu no último dia 27. A atual diretoria, acompanhada da secretária adjunta, Regina Pacheco, fará uma reunião pela manhã e à tarde para apresentar a linha de trabalho a ser implantada na área de formação da instituição e ouvirá as demandas e sugestões de pais e alunos com o propósito de definir a proposta pedagógica.
O "Manual do Aluno" não está no site a pedido da Assessoria Jurídica da FTM por existir inconsistências com o decreto de criação da Fundação. A diretora artística da Escola de Dança, Priscilla Yokoi, não foi afastada em função do que rege seu contrato com a FTM.
Com todas as informações apuradas, a nova diretoria da FTM e a Secretaria Municipal de Cultura pretendem sanar todas as questões, tomar as medidas legais e administrativas cabíveis e encaminhar uma resposta ao Ministério Público. Além disso, busca instalar uma gestão transparente, rigorosa e colaborativa.