Após uma série de casos de violência policial em São Paulo nos últimos dias, a Defensoria Pública do Estado emitiu esta semana uma recomendação à Secretaria da Segurança Pública (SSP) de que adote medidas para assegurar o afastamento dos agentes envolvidos em mortes decorrentes de intervenção policial das funções ostensivas, inclusive os envolvidos em casos de mortes de civis entre 2023 e 2024. A SSP diz que recebeu ofício e prestará informações sobre o tema.
A recomendação da Defensoria reforça a sentença que o Estado Brasileiro recebeu em 14 de março de 2024 da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), quando o País foi condenado pela "execução extrajudicial praticada por policiais militares do Estado de São Paulo" na Operação Castelinho, que matou 12 civis em um pedágio da Rodovia Castelo Branco, próximo a Sorocaba, em 5 de março de 2002.
A corte internacional entendeu que houve "ausência de devida diligência na investigação" do caso e, entre as medidas de reparação fixadas, exigiu que o Estado adotasse as "medidas necessárias para contar com um quadro normativo que permita que todo agente policial envolvido em morte resultante de uma ação policial seja afastado temporariamente de sua função ostensiva até que se determine a conveniência e pertinência de sua reincorporação por parte da corregedoria".
Ao Estadão, a SSP afirmou que "os afastamentos acontecem em casos onde há a necessidade de apuração sobre a conduta de policiais" e que "todas as informações serão prestadas" à Defensoria Pública. "A Polícia Militar não compactua com desvios de conduta de seus agentes, punindo exemplarmente aqueles que infringem a lei e desobedecem aos estritos protocolos estabelecidos pela instituição", disse a pasta.
- Durante o período de afastamento, os agentes são deslocados para trabalhos administrativos da Polícia Militar, deixando de atuar nas abordagens policiais até que sejam julgados. Se inocentados, voltam ao trabalho ostensivo. Se condenados, deixam a Polícia Militar e respondem criminalmente por abuso de autoridade.
A Polícia Militar de São Paulo mudou o protocolo de afastamento de policiais militares por violência policial em julho deste ano, por determinação do secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite. Até então, os comandantes locais tinham poder para fazer o afastamento do policial das atividades operacionais logo que o caso acontecia. O processo de apuração era iniciado logo em seguida.
Agora, os comandantes locais precisam entrar com pedido ao subcomandante geral da Polícia Militar, que deve analisar e decidir pelo afastamento ou não do policial. "Isso causa uma demora, porque enquanto o subcomandante não se manifesta - e ele tem vários compromissos, não só esse, para cumprir - o policial está normalmente atuando nas ruas", diz Leonardo Carvalho, pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
"Você burocratiza um mecanismo que funcionava como freio para eventuais casos de uso abusivo da força. Foi a mesma coisa quando houve a mudança nas câmeras corporais (que antes gravavam initerruptamente e agora funcionam via acionamento do próprio policial)", afirma Carvalho.
Para o pesquisador, o afastamento imediato de policiais envolvidos em casos letais, mesmo quando supostamente houve uso correto da força - quando há legítima defesa -, é essencial tanto para garantir a saúde mental dos policiais envolvidos e da comunidade local logo após o ocorrido, como para "enviar uma mensagem clara ao batalhão de que mortes causadas por policiais são algo grave, que desencadeia uma série de protocolos e investigação".
Só nos últimos 30 dias, 46 policiais foram afastados das atividades operacionais e dois tiveram a prisão decretada no Estado de São Paulo em decorrência de violência policial e dados da SSP apontam que de janeiro a setembro deste ano, a Polícia Militar matou 496 pessoas. É o maior número de mortes por intervenção policial no Estado desde 2020, interrompendo a curva de queda registrada a partir do início do uso das câmeras corporais nas fardas dos agentes.
Os casos em que o indiciamento dos agentes foram mais rápidos são aqueles em que houve gravação de câmera de segurança que comprovou o uso excessivo da força, como na morte do estudante de medicina Marco Aurélio Acosta e quando um homem foi jogado da ponte em uma abordagem policial.
A sequência de denúncias nos últimos dias tem feito o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) admitir falhas e a necessidade de revisão não apenas de protocolos - mas de discurso. Na semana passada, o chefe do Executivo afirmou que errou ao questionar a eficácia das câmeras e defendeu o uso do equipamento. Apesar da mudança de tom, ele defendeu a manutenção do secretário da Segurança, Guilherme Derrite, no cargo.