Um casal que administrava um berçário hotel foi indiciado por tortura e maus-tratos contra oito crianças em Sorriso, em Mato Grosso. De acordo com a Polícia Civil, a mulher é suspeita de ter esfregado a calcinha e fralda sujas de fezes no rosto das crianças. O caso foi encaminhado ao Poder Judiciário na segunda-feira, 24, e ambos estão presos preventivamente.
O local atendia bebês e crianças de até 5 anos de idade, no centro da cidade, e cobrava valores de até R$948 por criança. A investigação apurou que na unidade ocorriam maus-tratos, tortura atráves de castigo e omissão dos crimes cometidos pelo casal.
Entre as agressões, há relatos de tapas nas nádegas e na boca, mordidas, puxões, golpes com raquetes, empurrões e beliscões contra as vítimas. A alegação, conforme apontam as autoridades, era de que os atos serviam para disciplinar as crianças.
De acordo com a delegada Jéssica Assis, do Núcleo de Atendimento à Mulher, Criança e Idoso, na investigação foi apontado que o casal torturava as crianças de maneira explícita há anos, sem que nenhuma ação fosse tomada.
“Estavam convictos nas manipulações que faziam com os pais das vítimas e seguros de que não seriam descobertos porque a maior parte das crianças sequer conseguia falar, já que eram bebês”, pontua a delegada. Durante o inquérito, nove ex-funcionárias foram ouvidas e reforçaram os relatos dos pais.
Ainda segundo a polícia, dois episódios relatados chamaram a atenção da equipe de investigação. O primeiro foi o fato da proprietária passar fezes no rosto das crianças, para puni-las. Já o segundo foi praticado contra uma criança autista. A mulher teria obrigado a vítima a comer areia, enfiando um punhado na boca dela.
Além disso, há relatos de sufocamentos, mordidas, tapas e puxões de orelha. Um bebê, de 1 ano, teria sido amarrado pela dona do berçário e deixado debaixo do sol por horas, até chorar e adormecer sentado. Outra criança, de 2 anos, foi imobilizada para que parasse de chorar.
Punição
Conforme informou a Polícia Civil, vários funcionários foram ouvidos e relataram diversas situações. Uma testemunha relatou à investigação que a dona do berçário jogou água com uma mangueira no rosto de um bebê. O uso de mangueira contra as crianças era recorrente.
Uma testemunha que trabalhou como ajudante nos cuidados com as crianças contou que bebês de 6 a 9 meses eram deixados sozinhos no berço, com mamadeiras na boca, e as cuidadoras eram proibidas de pegá-los no colo para alimentá-los. As crianças eram chamadas de ‘porcos’, ‘nojentos’, ‘sebosos’ e ‘mortos de fome’.
A dona também tirava comida da panela e não esfriava para dar de comer às crianças, e os bebês passavam o dia todo sem troca de fralda. Já o dono da creche seria o responsável por puxar as crianças pelas orelhas e as colocar de castigo, sentadas em um canto.
Seis crianças que passaram por situações de tortura na creche e berçário foram ouvidas em procedimento de escuta especializada, conforme prevê protocolo estabelecido na Lei 13.431/2017.
Pais ouvidos
A polícia também ouviu 17 pais e responsáveis legais por crianças que foram atendidas na creche. Os relatos apresentados junto aos de testemunhas e as escutas especializadas efetuadas permitiram à Polícia Civil reunir elementos que comprovaram os crimes de torturas e maus-tratos contra oito crianças.
A Polícia Civil aponta ainda no inquérito que o casal procurou mães que denunciaram as agressões na tentativa de manipular, dissuadir e intimidar. Diversas testemunhas relataram ameaças pelo marido da dona da creche. “As investigações devem continuar, inclusive, porque diversas mães entraram em contato com a delegacia manifestando interesse em serem ouvidas”, explicou a delegada.
Uma das mães de uma criança relatou que o filho ficou com trauma após frequentar a instituição. Ele chega a gritar quando passa na frente do local. Em certa ocasião, quando a criança ainda frequentava o berçário, ele chorou copiosamente ao chegar ao local.
A mãe ainda afirmou que o filho já voltou com a boca cortada da creche e houve mudanças de comportamento dele, como retração, dificuldade na fala e colocar as mãos no rosto quando alguém se aproximava, fechando os olhos, como se estivesse prestes a ser agredido.
Ela também afirmou que foi procurada pela dona da creche quando disse que iria retirar a criança do lugar e foi questionada se sabia de denúncias sobre maus-tratos no estabelecimento.
Além disso, testemunhas e uma das vítimas relataram a existência de um “cantinho do pensamento”, que ficava em um corredor escuro, que dava acesso ao quarto da proprietária, onde ela trancava as crianças que se comportavam mal e as deixava sozinhas, por até duas horas.
Ameaça a funcionários
Uma testemunha disse à polícia que havia severas restrições ao uso do aparelho celular no local e que nunca contou os fatos a ninguém porque achava que não acreditariam nela sem filmagens ou fotos.
Outra ex-funcionária foi intimidada pela investigada que disse que, se a denunciasse, saberia que foi ela. Ela pediu demissão por não aguentar presenciar o sofrimento das crianças.