Dono de um dos quatro hotéis que fazem parte da “Operação Braços Abertos”, que pretende acabar com a Cracolândia no centro de São Paulo, Cícero Barbosa da Silva, 51 anos, está otimista com a nova ação da prefeitura com os dependentes químicos da região e prevê lucro maior quando a situação estiver resolvida. Segundo ele, a Secretaria de Saúde o procurou para propor uma parceria e ceder os 39 quartos de seu estabelecimento para que os usuários de crack pudessem ter um lugar para morar.
Nesta quarta-feira, a prefeitura iniciou oficialmente a retirada dos barracos construídos pelos dependentes na rua Helvetia e alameda Dino Bueno. O hotel que Cícero aluga há pouco mais de um ano e meio fica exatamente no cruzamento dessas ruas. Ele acredita que o novo programa idealizado pela administração municipal ajudará os usuários da droga e trará mais lucros para o hotel.
“Estou acreditando 100% nessa parceria com a prefeitura. Se eu não acreditasse eu não deixaria que o pessoal morasse aí. No geral, eu acredito que vai dar certo, mas se der 70% certo está ótimo”, disse Cícero.
O dono do hotel preferiu não falar qual o valor que a prefeitura pagará para alugar os 39 quartos, mas disse que normalmente cobra cerca de R$ 700 por mês de seus hóspedes, totalizando R$ 27,3 mil. Porém, Cícero disse que houve uma negociação com a administração municipal em cima desse valor.
“Através do secretário da Saúde fechamos negócio com a prefeitura. O hotel está fechado para esse programa, mas no momento ainda não pude colocar os 39 quartos à disposição porque tem pessoas que estão morando lá que são mensalistas. Não quero falar em valores porque isso é uma parceria. Eu estrou aqui nessa esquina há 33 anos e vejo o sofrimento desse pessoal. Pensei como se fossem da minha família, pois não gostaria que isso acontecesse com ninguém. Estou cedendo para prefeitura esse espaço. Não é grátis, mas é o essencial. Houve uma negociação, mas o preço está dentro do limite do prédio”, explicou Cícero.
De acordo com o dono do hotel, que também possui uma transportadora ao lado do local onde os dependentes ficarão hospedados, o lucro antes de a Cracolândia surgir com força no cenário paulistano era muito maior que o atual.
“Eu fazia uma média de R$ 60 mil por mês e passei a fazer R$ 9 mil, 10 mil nos últimos quatro anos. Os clientes me ligam e querem contratar o serviço. Quando pedem o endereço da minha firma eles desistem por ser no meio da Cracolândia. É credibilidade zero. Mas agora todo mundo vai ver o que está sendo feito e isso deve melhorar”, disse.
Cìcero afirmou não temer o que pode ser feito pelos dependentes químicos em seu hotel. Ele disse não acreditar que os hóspedes usarão crack dentro dos quartos.
“Não tenho medo do que possa acontecer. Não vou administrar sozinho. O pessoal da saúde vai ajudar, tudo isso faz parte da recuperação. Eles vão ter lugar para dormir, tomar banho e comer, vão ter um projeto de trabalho. Isso vai dar certo. Mas vamos esperar os primeiros 30 dias. No geral eu não acho que eles vão usar crack aí dentro porque não pode. É uma lei. Isso tem que ser cumprido. Horários também têm que ser cumpridos. Eles vão poder entrar até 22h, depois disso não poderão mais”, disse.
Operação Braços Abertos
A nova ação na região da Cracolândia, idealizada pela prefeitura de São Paulo e chamada de Operação Braços Abertos, teve início oficial nesta quarta-feira. O objetivo inicial da administração municipal é retirar os barracos montados pelos usuários de crack nas calçadas das ruas Helvétia e Dino Bueno. Porém, essa retirada - que já teve início de maneira isolada na segunda-feira - é feita voluntariamente pelos dependentes químicos, que serão encaminhados para quartos de hotéis no centro da capital paulista.
A ação da prefeitura reúne as secretarias de Saúde, Segurança Urbana, Assistência Social, Trabalho e Desenvolvimento Urbano, e o modelo será baseado numa experiência exitosa feita com alcoólatras na Holanda, que prevê trabalho, moradia e tratamento de saúde para os dependentes. A ideia que, em uma semana, os barracos já não estejam mais nas calçadas.
Os quartos serão divididos entre famílias, casais e solteiros. As secretarias cadastraram 300 dependentes químicos no novo programa, que também dará emprego de zeladoria na cidade, cursos de capacitação, seguro de vida, alimentação e R$ 15 por dia, que serão pagos semanalmente aos que aderirem ao programa. O custo por pessoa para a prefeitura será de um salário mínimo e meio, ou seja, R$ 1.017.
Segundo a prefeitura, a adesão foi bem aceita pelos dependentes químicos e 99% dos usuários irão participar do programa inicialmente. Além da organização não governamental (ONG) União Social Brasil Gigante, 180 funcionários das secretarias de Assistência Social e Saúde acompanharão os viciados 24 horas por dia. A Guarda Civil Metropolitana (GCM) passou por um treinamento especial e estará de prontidão no local para evitar que os dependentes voltem a construir barracos nas calçadas.
Na área da saúde, em 2013, a prefeitura ampliou de quatro para 16 as equipes de programa Consultório na Rua, que trabalham no acolhimento e encaminhamento para tratamento. Dessas 16 equipes, oito delas está na subprefeitura da Sé, sendo que duas delas estão especificamente na Cracolândia. Somente em janeiro de 2014, 253 pessoas foram encaminhadas ao tratamento.
A Assistência Social foi responsável pelo cadastramento dos dependentes e acomodação das pessoas. Na segunda etapa da operação, com a retirada dessas pessoas da rua, a prefeitura prevê uma diminuição da oferta de drogas na região. Para as pessoas que frequentam a região, mas não moram na Cracolândia, ainda restam 100 vagas no novo programa.
Na questão do trabalho, os usuários serão remunerados e ficarão quatros horas por dia trabalhando na limpeza urbana de parques e praças da região central da capital paulista, além de outras duas horas em cursos de capacitação.