Em 2016, o Ministério Público de São Paulo instaurou um inquérito civil para investigar as constantes enchentes na Rua Gaivota, esquina com a Rua Ibijaú, em Moema, bairro de classe média alta na zona sul de São Paulo. Nesta quarta-feira, 8, sete anos depois, Nayde Pereira Cappellano, de 88 anos, morreu dentro de um carro que ficou submerso por causa da enchente.
No inquérito civil nº 14.0279.0000143/2016-5, a Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo cita uma ocupação irregular de área pública por parte de condomínios particulares e pede à Prefeitura providências administrativas e/ou judiciais.
A construção de edifícios ao longo do córrego Uberabinha, que corta a região, causa a impermeabilização do solo, de acordo com o órgão. O local se trata de área de preservação permanente (APP). "Não foram concluídas as informações acerca das medidas estruturantes para eliminação de enchentes na região", informou o MP sobre as providências.
O prefeito Ricardo Nunes (MDB) abordou a questão nesta quinta-feira, 9. "Temos algumas ações judiciais em obras feitas em áreas que não poderiam ter sido construídas porque prejudicam a drenagem naquela região", disse o prefeito.
Nunes citou também a presença de construções antigas que não possuem as chamadas vielas sanitárias, espaços de 3m no fundo dos imóveis utilizados para esgoto e escoamento de águas pluviais.
O inquérito foi encaminhado ao Centro de Apoio à Execução (CAEx), órgão técnico do próprio MP, em janeiro do ano passado, para elaboração de um parecer técnico para dar subsídios a outras medidas judiciais ou extrajudiciais que devem ser tomadas.
No mesmo inquérito, o órgão pede à Defesa Civil de São Paulo um "plano de contingência e proteção para o local, com foco na atuação preventiva", além de "propostas técnicas para solucionar os problemas de enchentes".
A Defesa Civil chegou a apresentar um Plano de Contingência de alagamentos bruscos ou processos hidrológicos que, segundo o MP, não foi efetivado. Nesta quinta-feira, 9, o órgão voltou a pedir esclarecimentos à Defesa Civil quanto à falta de adoção de medidas preventivas e, consequentemente, de aplicação do Plano de Contingência que havia sido enviado.
Moradores planejam mobilização
Nos últimos anos, os moradores vêm pedindo a definição de solução para as enchentes em Moema, por meio de ofícios ao Ministério Público e à subprefeitura da Vila Mariana. Além das construções que impermeabilizam o solo, eles apontam outros problemas relacionados às novas construções que prejudicam o escoamento das águas pluviais.
Um deles é a construção de um muro entre as ruas Gaivota e Canário. Com isso, a água do rio, que passa exatamente embaixo da viela, não tem escoamento. O problema foi apontado por Mariana Fanelli Cappellano, neta de Nayde Cappellano, nas redes sociais.
"Tem um muro ali entre as Ruas Gaivota e Canário, esquina com a Rua Ibijaú, construído mortalmente por dois prédios, mas sendo um prédio o responsável principal pela utilização da área que servia de escoamento daquela região, em dias de chuvas. Nasci e cresci em Moema", escreveu.
Por conta de todos esses problemas, os moradores decidiram se mobilizar. O Conselho Participativo Municipal da Vila Mariana está usando as redes sociais para convocar a população para um protesto na rua Gaivota, em Moema, no domingo.
Simone Boacnin, presidente da Associação Viva Moema, aponta os problemas mais urgentes da região. "Além das obras de drenagem urgentes pelo bairro, a subprefeitura vem fazendo a limpeza dos bueiros. Outra medida importante seria a proibição das betoneiras lavarem os tambores e derramarem o resto de concreto nas sarjetas. Os moradores/condomínios precisam evitar de colocar os sacos de lixo no chão ou muito antes do recolhimento. O que vemos durante as chuvas são os sacos boiando até se depositarem na boca de lobo e impedir a passagem de água", afirma.
"As prefeituras que se sucederam não fizeram a lição de casa, uma vez que não investiram na infraestrutura do nosso bairro, principalmente depois dessa explosão imobiliária. Atualmente, com o adensamento e cobrança de outorga onerosa, pelo menos uma parte dela deveria ser usada para melhorar o entorno da área adensada. E isso não acontece", completa.
Prefeitura destaca ações
De acordo com a Prefeitura, a chuva de 8 de março foi forte e concentrada, atingindo 67,2 mm na região de Moema. Equipes de zeladoria da Subprefeitura Vila Mariana estiveram nesta quinta-feira nos locais para dar prosseguimento aos serviços de limpeza e zeladoria iniciados na quarta-feira.
O bairro de Moema se encontra em uma área de várzea, ou seja, uma zona com alta incidência de nascentes e córregos, a maioria canalizada. Somado a isso, a região está em uma área baixa em comparação com seus arredores.
A Secretaria de Infraestrutura Urbana e Obras informa que o Córrego Uberabinha está canalizado há pelo menos 50 anos, mas em parceria com a Fundação Centro Tecnológico de Hidráulica da USP, a pasta publicou o Caderno de Drenagem referente a esse córrego.
É um estudo que mostra a atual situação da bacia hidrográfica e quais as ações podem ser tomadas pelo poder público para mitigar os pontos críticos. A secretaria também trabalha na elaboração da licitação para as obras do Reservatório do Córrego Paraguai-Éguas, na Praça Juca Mulato. O edital será lançado em breve. A previsão é que, até o final de março, estejam definidos o local de construção bem como o orçamento, o que possibilitará o desenvolvimento do projeto.
Há um cronograma de limpeza manual de bueiros em locais sensíveis a alagamentos, que recebem o serviço no mínimo uma vez por semana, além da limpeza imediata após alagamentos, a fim de remover detritos arrastados pelas águas, aponta a Prefeitura. Isso compreende a Ibijaú, Rua Gaivota e seus arredores. "A limpeza mecanizada com hidrojato realizou seus serviços nos endereços citados no dia 6 de janeiro de 2023. Na Av. Ibijaú foram vistoriados e desobstruídos bueiros na altura dos números 45, 83, 188, 269 e 405. Na Av. Gaivota os números foram 879, 886, 897, 916, 917, 960, 979 e 988?, informou.