O discurso de uma estudante de apenas 16 anos deixou os deputados que acompanhavam a sessão desta quarta-feira (24) na Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) no mínimo constrangidos. Aluna do Colégio Estadual Senador Manoel Alencar Guimarães, em Curitiba, Ana Julia Pires Ribeiro subiu à tribuna para defender a "Primavera Secundarista" e responder a acusações dos próprios parlamentares, feitas no dia anterior, de que o movimento foi o responsável pela morte do jovem Lucas Eduardo Araújo Mota, também de 16 anos, numa escola ocupada anteontem, na capital paranaense.
"A minha pergunta inicial é: de quem é a escola? A quem a escola pertence? Eu acredito que todos aqui já saibam essa resposta. E é com a confiança de que vocês conhecem essa resposta que eu falo para vocês sobre a legitimidade desse movimento, sobre a legalidade (...)", afirmou. O movimento já atinge mais de mil escolas no Brasil, sendo cerca de 800 no Paraná. "Ontem eu estava no velório do Lucas. E eu não me recordo de nenhum desses rostos aqui. Não me recordo de nenhum (...) Vocês estão aqui representando o Estado e eu os convido a olhar nas mãos de vocês. Estão sujas de sangue", disparou.
Conforme a Secretaria de Estado da Segurança Pública e Administração Penitenciária (Sesp), Lucas foi esfaqueado por um colega de 17 anos após ambos terem usado drogas sintéticas com mais um rapaz e se desentendido. O crime aconteceu nas dependências do Colégio Estadual Santa Felicidade. As declarações de Ana Júlia irritaram o presidente da Casa, Ademar Traiano (PSDB), que ameaçou encerrar a plenária. "Vou fazer uma intervenção. Com o devido respeito à sua idade e à sua família. Aqui você não pode agredir o parlamentar", disse o tucano. Ela então se desculpou e continuou falando.
Bastante emocionada, a garota convidou os deputados a participarem das ocupações e a conhecerem as atividades desenvolvidas de perto. "É um insulto a nós, que estamos lá nos dedicando, procurando motivação todos os dias, sermos chamados de doutrinados. É um insulto aos estudantes, aos professores. A nossa dificuldade em conseguir formar um pensamento é muito maior que a de vocês (…) Não estamos de brincadeira. Sabemos pelo que estamos lutando. A nossa bandeira é a educação. A nossa única bandeira. Somos um movimento apartidário", prosseguiu.
Outra secundarista, Nicoly Moreira do Nascimento, de 15 anos, que estuda no mesmo colégio de Lucas, também discursou. "A cada ano, muitos adolescentes morrem dentro de escolas, mas isso não parece ser preocupação para o governo. Entretanto, morre um jovem dentro de uma ocupação pacífica e organizada e, de repente, parece que todo mundo se importa. Querem que voltemos para sala de aula, salas sucateadas, sem recurso e com professores sem incentivo para nos ensinar. Precisamos de uma reforma, mas não dessa forma. Mais horas de aula não vão significar nada se não vierem acompanhadas de qualidade", opinou.
O convite para ambas participarem da sessão partiu do deputado Tadeu Veneri (PT). Ele é um dos sete oposicionistas da Alep, composta por 54 membros. Ontem, Traiano havia concedido espaço para representantes do recém-criado movimento "Desocupa Paraná", contrário à "Primavera Secundarista", falarem, motivo pelo qual o petista pediu "isonomia". Naquela ocasião, o universitário Patrick Egnaszevski, de 18 anos, porta-voz do "Desocupa", criticou a posição das entidades estudantis e sindicais. "Todos aqueles que trabalharam em prol dessa ocupação tiveram algum grau de culpa na morte de um estudante".