Um relatório feito pela Defensoria Pública de São Paulo aponta para negligências enfrentadas por detentas gestantes na ala materno-infantil da Penitenciária Feminina da Capital, localizada na zona norte da cidade, após inspeção realizada na unidade em 2023.
As alegações das presidiárias ao órgão abrangem desde situações de carência alimentar até a ausência de cuidados médicos apropriados. A Secretaria de Administração Penitenciária afirmou ao Terra que preza pelo atendimento humanizado das reclusas da unidade e irá apurar todas as denúncias apresentadas.
Segundo a Defensoria, uma das presas relatou que deu à luz a sua filha dentro da cela e a bebê caiu dentro do aparelho sanitário. Ela estava há dois dias com muitas dores e contrações, mas em atendimento médico foi informada que estava com pedra no rim.
No dia seguinte, ela foi ao banheiro e deu à luz no vaso sanitário, recebendo o auxílio de outras presas. A enfermeira da unidade disse a ela que seria difícil que o bebê sobrevivesse. Além disso, na ocasião, a maca do presídio estava quebrada e tiveram que arrumar para colocá-la.
O bebê dessa detenta ficou internado e recebeu alta três meses depois. Durante esse tempo, a mãe era conduzida ao hospital três vezes por semana para ver o filho, porém, quando não havia motorista e funcionário para conduzi-la ela não conseguia ir.
Ainda de acordo com o relatório obtido pelo Terra, a ala materno-infantil, que é destinada a mulheres em regime semiaberto que estão gestantes, lactantes ou mães com filhos de até seis meses, apresenta outras condições de precariedade.
A falta de vedação adequada, lâmpadas que não funcionam e relatos de presença excessiva de pernilongos, afetando inclusive os bebês, são mencionados pelas detentas no documento. As condições de alimentação na ala também são críticas, com relatos de alimentos de má qualidade, carnes estragadas e refeições inadequadas.
Segundo o relatório, dentre as refeições na ala materno-infantil da Penitenciária Feminina da Capital há o café da manhã, servido às 7h, que consiste em uma porção mínima de café, um copo de leite e um ou dois pães. O almoço, às 11h30, é seguido por um lanche às 13h30, que, por vezes, se resume a bolachas de água e sal e corresponde às sobras do dia anterior, como omelete praticamente crua ou carne de porco. A última refeição é fornecida às 16h30, resultando em um período de jejum forçado de 14h30.
As presas gestantes e mães ainda relatam que a disponibilidade de água aquecida para banho é restrita a horários específicos do dia: das 7h às 8h para as detentas, das 10h às 11h para os bebês e das 16h às 17h. Além disso, a ala enfrenta um racionamento diário de água das 23h às 5h.
Os relatos das presas apontam para episódios de vômito e diarreia devido à qualidade inadequada da alimentação na unidade. Em meio ao racionamento de água, a situação se agrava, resultando em odores fortes, levando as detentas a armazenar água em garrafas PET para substituir a descarga durante a noite.
As condições de higiene na ala materno-infantil são descritas como insuficientes, com denúncias de problemas no fornecimento de materiais de limpeza e higiene abaixo do necessário. A saúde das detentas é outra preocupação, com relatos de atendimento médico inadequado, demora para encaminhamento a consultas externas e falta de cuidados adequados durante o parto.
"As presas da ala materno-infantil relaram que, diante de qualquer dor, recebem apenas dipirona ou paracetamol. Houve inclusive o relato de uma presa gestante que estava com cólicas renais e apenas recebeu esses remédios por três dias, até não aguentar mais de dor, quando foi encaminhado ao hospital e se constatou que estava com infecção no rim. Houve também relato de uma presa que ficou cinco dias em trabalho de parto na unidade. Quando ela foi encaminhada ao hospital, já estava com sete dedos de dilatação", afirmou a Defensoria.
A violência institucional também é abordada pelas presidiárias no relatório, com presas relatando ameaças de retornarem ao regime fechado após o parto e restrições ao direito de escolherem acompanhantes durante o nascimento de seus filhos. A comunicação inadequada com as famílias durante procedimentos médicos de risco é outra denúncia apresentada.
Outros problemas no presídio
Além disso, a recente inspeção realizada pela Defensoria Pública de São Paulo na Penitenciária Feminina da Capital (PFC) expôs uma série de problemas alarmantes relacionados às condições de encarceramento das detentas. Composta por quatro pavilhões e uma ala materno-infantil externa, a unidade, segundo o relatório, não possui um modelo arquitetônico específico.
A principal constatação aponta para o uso indevido da penitenciária, inicialmente destinada ao cumprimento de pena em regime fechado, sendo utilizada como unidade para regime semiaberto sem adequações estruturais, caracterizando, nas palavras da Defensoria, um "semiaberto fake". A ausência de laudo de vistoria da Defesa Civil e a realização de reformas para obtenção de AVCB são mencionadas no documento.
Na data da inspeção, a unidade prisional abrigava 719 presas, superando sua capacidade de 626 pessoas. Destas, 526 mulheres estavam em saída temporária. A falta de espaço nas celas foi evidenciada, com algumas ocupadas por três ou quatro presas, enquanto a capacidade era para apenas duas. A situação das camas, algumas sendo "camas de pedra" e colchões em estado precário, foi destacada.
Além das condições de superlotação, o relatório aponta problemas generalizados, como a precariedade na ventilação, falta de iluminação nas celas e relatos de "frio insuportável", ocasionado por frestas não fechadas. Problemas hidráulicos, como torneiras danificadas e condições insalubres favorecendo a proliferação de insetos, foram igualmente destacados.
O que diz a SAP
Em nota, a Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) afirma que preza pelo atendimento humanizado das reclusas da unidade e irá apurar todas as denúncias apresentadas pela Defensoria. A penitenciária passa por reformas e as celas mostradas no relatório estavam interditadas e já passaram por manutenção.
Segundo a SAP, aão servidas quatro refeições de acordo com cardápio padrão. A reforma da cozinha tem entrega prevista para março e, até lá, as detentas recebem alimentação de outra unidade. Ao chegar na penitenciária, as mulheres recebem um kit com uniforme, itens de higiene e limpeza e colchão com roupa de cama. Todas têm direito a atendimento jurídico por meio de advogadas contratadas pela Fundação “Prof. Dr Manoel Pedro Pimentel” – Funap.
Sobre o atendimento materno-infantil, a Secretaria alega que no pavilhão são distribuídos repelentes infantis para todas as mães com bebês e autorizada a entrega presencial ou pelos Correios, sem necessidade de prescrição médica. O espaço tem cortinas contra o frio e o sol e as janelas nas celas são parcialmente abertas para garantir ventilação.
"As gestantes têm direito a atendimento médico, conforme diretriz do Sistema Único de Saúde (SUS). Com relação a reeducanda que teve o bebê na unidade, ela foi socorrida pela equipe de médicas e enfermeiras. A mulher descobriu a gravidez de seis meses quando deu entrada na unidade", afirmou a SAP.