A reação social causada pelos "rolezinhos" e os protestos anti-Copa despertam questionamentos quanto a se a população voltará a se mobilizar em massa neste ano - na mesma escala de junho do ano passado.
No sábado, grupos realizaram manifestações em várias cidades brasileiras para protestar contra os gastos do Mundial, em números inferiores aos do ano passado. Em São Paulo, 2,5 mil pessoas participaram de atos intitulados "Não Vai Ter Copa".
Após um protesto pacífico, houve confronto entre a polícia e os manifestantes, e 128 pessoas foram detidas. Um carro foi incendiado e uma viatura da polícia foi virada pelos manifestantes.
Para o cientista político Carlos Melo, do Instituto de Pesquisa e Ensino de São Paulo (Insper), a classe média está mais desmobilizada agora do que no ano passado, mas para ele "em um ano eleitoral muita coisa pode virar combustível".
Além disso, diz o analista, "interessa para os dois lados (situação e oposição) estimular" a polarização social.
BBC Brasil - Podemos ter a mesma conjuntura de fatores para que os protestos retomem o impulso que tiveram no ano passado?
Carlos Melo - No ano passado, vimos que as manifestações foram perdendo o ímpeto até julho - um mês de férias, assim como janeiro. Isso desarticula qualquer mobilização. Durante as aulas, os jovens estão nas ruas.
Se você quer movimentar a classe média - que é quem faz as críticas à Copa -, não adianta: a classe média está desmobilizada em janeiro. Além disso, de julho passado para cá houve o fenômeno dos black blocs, que assustou muita gente que havia apoiado a ida de seus filhos às manifestações iniciais. Isso também provocou um esvaziamento.
Claro que não há como prever, mas (no momento) não há o potencial de ocorrer (a mobilização) que pode se concretizar mais para frente.
BBC Brasil - Mas podemos esperar mais mobilizações?
Carlos Melo -
Vai depender de como o processo for conduzido. A Copa é um elemento que agrega certa tensão - se dizia que ela traria um grande ganho de mobilidade urbana para as cidades-sede, que não ocorrerá, e isso traz muita frustração.
E estamos em um ano de eleição, em que há manipulação dos dois lados. A setores de oposição interessa aguçar as críticas ao governo, e a setores (governistas) interessa aguçar críticas opostas.
Uma parte do país só vê o copo meio cheio (com relação à situação socioeconômica) e está satisfeita com isso; outra parte vê o copo meio vazio e está insatisfeita. Temos hoje uma sociedade polarizada, e esses dois grupos não conseguem dialogar.
Essa tensão tende a continuar, e interessa para os dois lados estimular isso.
BBC Brasil - Como os "rolezinhos" se inserem nesse contexto?
Carlos Melo -
A primeira onda de "rolezinhos" não teve protesto algum. Era mais uma balada de jovens da periferia, e em toda reunião de massas pode-se perder o controle - ao mesmo tempo, não é da natureza dos shoppings (
receber um contingente tão grande de pessoas de uma vez).
À medida que os shoppings reagiram acionando a polícia e obtendo liminares na Justiça, essa atividade social passou a ser apropriada politicamente. Nesse sentido, há semelhanças com o que aconteceu no ano passado.
Manifestações sociais sem conteúdo político-partidário acabam ganhando dimensão política que inicialmente não tinham, por conta de erros em seu tratamento.
Se pode ampliar? Sim, é possível: em um ano eleitoral como este, muita coisa pode virar combustível.
BBC Brasil - Muito se falou da dispersão do foco dos manifestantes após ter-se conseguido reverter o aumento no preço das passagens do transporte público. Agora, protestos estão sendo convocados contra a Copa. Será que a Copa pode representar esse novo foco?
Carlos Melo -
É o que a gente vai ver. Acho que tem muita gente simplesmente interessada em assistir à Copa, em se o Brasil vai jogar bem ou não.
Mas se 10% da população brasileira estiver indignada, isso já são 20 milhões de pessoas. Já é suficiente para um baita barulho - e é possível fazer um grande barulho mesmo com uma parte minoritária da sociedade.
Isso, aliás, leva a outra discussão, que é essa confusão sobre o que é democracia - que além de votar e exercer a liberdade de expressão, é também observar direitos e deveres. Não é apenas parar a cidade (com um protesto) porque isso é democrático. Ou seja, dá para ser bastante autoritário agindo em nome da democracia.
BBC Brasil - Desse ângulo, aprendemos pouco com os protestos do ano passado?
Carlos Melo -
Um lado positivo é que eles revelaram um mal-estar social, (mostrando) que aquele clima ufanista que reinava era absolutamente sem sentido.
Os protestos mostraram que precisamos aprimorar nossa sociedade.