O Tribunal de Justiça de São Paulo acatou recurso do Ministério Público (MPE-SP), reformou decisão de primeira instância e aceitou denúncia contra cinco policiais militares no caso do menino Ítalo Ferreira de Jesus Siqueira, de 10 anos, morto a tiros após furtar um carro na Vila Andrade em 2016. Com a reviravolta, os PMs se tornam réus e dois deles podem ir a júri popular por homicídio doloso. Os outros três respondem à fraude processual.
Em 2018, os policiais haviam sido absolvidos sumariamente juíza pela Debora Faitarone, do 1º Tribunal do Júri de São Paulo. Na ocasião, a magistrada afirmou que a acusação tinha elementos de "fantasia" por parte do promotor e seria "divorciada da realidade". Para ela, os PMs haviam agido por "legítima defesa própria".
O MPE-SP, no entanto, alegou que, nesta fase processual, não caberia à magistrada fazer juízo de valor sobre as provas produzidas. Ainda segundo a promotoria, ela não poderia rejeitar a denúncia por "legítima defesa", já que esse tipo de avaliação caberia ao Conselho de Sentença, juiz natural de casos de homicídio.
No recurso, a acusação também lembrou que, pela legislação brasileira, o benefício da dúvida só pode ser aplicado na hora da condenação. Nas etapas anteriores, entretanto, o processo só é finalizado se a inocência ficar comprovada. A apelação foi julgada e aceita pelos desembargadores Osni Pereira, Newton Neves e Otávio de Almeida Toledo. A decisão colegiada foi publicada no dia 7 de julho.
"O caso em apreço não configura quaisquer das hipóteses que autorizam a rejeição liminar da denúncia, já que a peça acusatória não é inepta", escreveu Pereira, o relator, no acórdão. "O suporte mínimo que justifica a oferta da denúncia foi conferido pelo extenso inquérito policial (...), de onde se extraem indícios de que as condutas imputadas aos acusados, em tese, configuram os crimes descritos."
No acórdão, o desembargador citou, ainda, que a investigação conta com depoimentos de testemunhas, degravações de câmeras de segurança, declaração dos acusados, reconstituição do crime e "diversos laudos de exame pericial".
"Os indícios de que o menino Ítalo foi executado sempre foram muito claros", diz o advogado Ariel de Castro Alves, do Conselho Estadual de Direitos Humanos (Condepe), que acompanha o caso desde o início. "Os laudos do Instituto de Criminalística e o próprio inquérito policial concluíram que só ocorreram disparos de fora para dentro do veículo. Apenas os PMs realizaram disparos. A testemunha, outra criança na época, disse que Ítalo estava desarmado e que não realizou nenhum disparo contra os policiais."
Caso aconteceu há quatro anos
Na noite de 2 de junho de 2016, Ítalo e um colega de 11 anos furtaram um carro de dentro de um prédio na Rua Nelson Gama de Oliveira. Nas ruas das proximidades, segundo a denúncia, Ítalo dirigia de maneira vacilante por não saber manejar o veículo e também pela sua estatura reduzida. A situação chamou atenção da polícia que efetuava patrulhamento na região e que passou a seguir o carro.
O carro furtado acabou colidindo com um ônibus e depois com um caminhão. Diz o promotor que um dos PMs teria levado um esbarrão desse caminhão. No chão, ele atirou contra o veículo furtado após supostamente ver um "clarão" de dentro dele, indicando que Ítalo e o colega teriam efetuado um disparo.
O suposto clarão também foi o que motivou o disparo efetuado pelo segundo PM contra os ocupantes do veículo, atingindo Ítalo na cabeça e matando-o na hora. O promotor diz, no entanto, que não há provas que indiquem a realização de disparos por parte das vítimas. Laudo atestou que as marcas encontradas no carro apontam para disparos feitos de fora para dentro, não tendo sido constatado nenhum disparo efetuado no sentido contrário.
Com os ocupantes do carro, a polícia diz ter encontrado um revólver calibre 38 com três cartuchos íntegros e três deflagrados. Na época, a criança que sobreviveu chegou a relatar que a arma teria sido plantada pelos agentes, o que não é citado na denúncia. A versão foi sustentada também pela mãe da vítima.
O Ministério Público acredita que os PMs, com ajuda de colegas, tenham alterado a cena do crime e eles mesmos tenham efetuados disparos no revólver posteriormente para sustentar a tese de confronto entre as partes.