Dois anos após a tragédia da Boate Kiss em Santa Maria (RS), que matou 242 pessoas em 27 de janeiro de 2013, poucos são os avanços na legislação de segurança contra incêndios no país. O principal deles ocorreu no Rio Grande do Sul, com a publicação da chamada Lei Kiss, em 27 de dezembro de 2013 e cuja regulamentação se deu em 11 de setembro de 2014.
Todas as edificações construídas a partir da sanção da lei devem seguir as novas diretrizes de prevenção e combate a incêndios no Estado. Também edificações que passaram ou passarão por reformas e adequações, mudança de uso, ampliação da área construída e alteração da capacidade de lotação devem se adaptar à nova lei quando da renovação do Alvará de Prevenção e Proteção Contra Incêndio (APPCI). Nos demais casos, o prazo de adaptação pode chegar a seis anos.
De acordo com o deputado estadual Adão Villaverde (PT/RS), que presidiu a comissão da qual resultou a primeira versão da Lei Kiss, o texto foi construído com amplo diálogo entre diferentes setores da sociedade civil. Participaram arquitetos, engenheiros, bombeiros, além de especialistas brasileiros e estrangeiros. Considerada uma das mais atualizadas do país, recebeu o aval da Organização das Nações Unidas através do seu Escritório para a Redução de Risco de Acidentes.
No entanto, o parlamentar admite que só a lei não é suficiente para evitar a repetição de eventos como a tragédia da Kiss. “É necessário também que haja uma forte fiscalização e, consequentemente, o cumprimento das normas exigidas na legislação”, pondera.
Legislação contra incêndios ainda precisa de atenção especial em muitos estados
No Brasil, são registradas mais de 300 mil ocorrências de incêndio por ano – sem contar casos não-reportados. Os números fazem parte de estudo realizado pelo projeto Brasil Sem Chamas, vinculado ao Ministério de Ciência e Tecnologia. Apenas no estado de São Paulo, são mais de 70 mil sinistros do tipo anualmente.
Conforme dados divulgados pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), 85% dos municípios brasileiros não possuem corpos de bombeiros. São quase 5 mil cidades sem esse tipo de proteção.
Segundo o superintendente do Comitê Brasileiro de Segurança contra Incêndio (CB 24/ABNT), o engenheiro civil José Carlos Tomina, a ausência de um Código Nacional de Segurança Contra Incêndios é um dos pontos determinantes para o alto número de ocorrências. Sem ele, não há padrão mínimo de proteção ao fogo no país. Enquanto alguns estados possuem legislação que preenchem os requisitos satisfatórios de segurança, muitos outros possuem leis insuficientes.
Para Tomina, seria necessária a integração dos três poderes, com trabalho conjunto e convênios entre prefeituras e com os corpos de bombeiros estaduais “Essa organização possibilitaria um padrão mínimo e unificado de segurança. No entanto, é preciso entender que não foi apenas a falta desse código integrado que causou a tragédia na Boate Kiss”, alerta ele.
Segundo Tomina, o estabelecimento do código deve ser composto por um tripé fundamental no que diz respeito à segurança contra incêndios: regras, bons produtos e fiscalização. O estabelecimento de leis mais rígidas, aliadas a sistemas de segurança confiáveis e o devido cuidado com o cumprimento dessas normas, contribui para que novos eventos como o da Kiss não se repitam.
Em âmbito nacional, comissões especiais foram criadas após a tragédia de Santa Maria na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Também a Senasp abrigou grupos de trabalho para a proposição de regras contra incêndio, além de uma política nacional para os corpos de bombeiros.
Dos trabalhos na Câmara, restou a aprovação de um texto substitutivo ao projeto de Lei 2020/07, de autoria da deputada federal Elcione Barbalho (PMDB/PA). Agora tramitando no Senado, sob o número PLC 33/2014, a proposta foi aprovada em dezembro pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa. Agora, segue para análise da Comissão Temporária Destinada a Debater e Propor Soluções para o Financiamento da Segurança Pública no Brasil.
O texto estabelece normas gerais de segurança para casas de shows e espetáculos. Prevê, ainda, a detenção de seis meses a dois anos de detenção para quem permitir o ingresso de pessoas em número superior à da lotação estimada, assim como para quem descumprir ordens do Corpo de Bombeiros e do Poder Público. Se passar pelo Senado, seguirá para sanção presidencial.