Letalidade policial atinge o maior patamar já registrado

No ano passado, casos envolvendo agentes oficiais representaram 13,3% do total de mortes violentas no Brasil

18 out 2020 - 22h19
(atualizado às 22h34)

As mortes cometidas durante ações policiais chegaram a 6.357 casos em 2019 e atingiram o maior patamar desde 2013, quando o indicador passou a ser monitorado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Em alta, mesmo nos anos em que os homicídios comuns registraram queda, a letalidade policial já representa 13,3% do total de mortes violentas no País. Em 2018, esse índice era de 10,7%.

Batalhão de Operações Especiais (Bope), o Batalhão de Choque e agentes da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da Polícia Militar fazem operação no Complexo do Alemão
Batalhão de Operações Especiais (Bope), o Batalhão de Choque e agentes da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da Polícia Militar fazem operação no Complexo do Alemão
Foto: JOSE LUCENA/FUTURA PRESS/FUTURA PRESS / Estadão Conteúdo

As mortes cometidas durante ações policiais chegaram a 6.357 casos em 2019 e atingiram o maior patamar desde 2013, quando o indicador passou a ser monitorado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Em alta, mesmo nos anos em que os homicídios comuns registraram queda, a letalidade policial já representa 13,3% do total de mortes violentas no País. Em 2018, esse índice era de 10,7%.

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Em 15 Estados, a polícia matou mais suspeitos no ano passado, com destaque negativo para Rio e São Paulo, que notificaram respectivamente 1.810 e 867 ocorrências, de acordo com o relatório. Juntos, eles foram responsáveis por 42% do número absoluto desse tipo de violência registrada no Brasil. Com casos concentrados na região da capital e crescimento de 152,5%, entretanto, o Amapá ultrapassou o Rio no critério por taxa de letalidade das polícias e atingiu a marca de 14,3 casos por 100 mil habitantes. Segundo o Fórum, o índice do Estado fluminense é de 10,5. Em seguida, nas piores posições do ranking nacional aparecem Goiás (7,6), Sergipe (7,2) e o Pará (7,1).

Os dados do primeiro semestre de 2020, que também foram compilados no Anuário, confirmam a tendência de aumento da violência policial no País. Neste ano, já houve registro de 3.181 vítimas de intervenções entre janeiro e junho - um incremento de 6% comparado com o mesmo período anterior. Mais uma vez, Rio e São Paulo lideram em números totais, com 775 e 514 ocorrências registradas, cada um.

"Polícias de vários Estados foram batendo recorde, mesmo com a queda abrupta de todos os crimes contra o patrimônio, cidades em quarentena e comércios fechados. É um cenário muito preocupante e difícil de compreender, em especial quando a gente pensa que o uso da força letal deveria ser a última alternativa", afirma a diretora executiva do Fórum, Samira Bueno.

No Rio, casos como o da menina Agatha Félix, de 8 anos, ou do garoto João Pedro Mattos, de 14, vítima de um tiro de fuzil nas costas dentro da própria casa, no Complexo do Salgueiro, motivaram ações judiciais contra operações da polícia. Em junho, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu ações em comunidades durante a pandemia - decisão confirmada em plenário depois. Para defender as operações, a gestão do então governador Wilson Witzel (PSC), hoje afastado do cargo, chegou a se valer de documento do setor inteligência que aponta a existência de 1.413 favelas sob o domínio do crime organizado. Esses territórios seriam alvo de disputa tanto de facções de narcotraficantes como também das milícias. No relatório, o Fórum indica que 61% das ocorrências com morte no Estado aconteceram durante o dia, com maior frequência pela manhã. "Período em que os moradores se deslocam para o trabalho e a escola, o que os deixa extremamente vulneráveis a operações com trocas de tiro", diz o texto. Também aponta que as mortes caíram após a proibição do STF.

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Por sua vez, a polícia de São Paulo bateu recorde de letalidade durante o primeiro semestre e registrou uma série de denúncias de abusos. Ante as críticas de violência, o governador João Doria (PSDB) determinou um programa de retreinamento para a PM, começando pela cúpula da corporação. Outra medida foi o anúncio de instalação de câmeras corporais para monitorar as ações.

Em contrapartida, pesquisadores também identificaram que o uso da força letal das polícias é "fenômeno raro" em alguns Estados, a exemplo de Distrito Federal (com taxa de 0,3 por 100 mil), Minas (0,5) e Paraíba (0,6), além de Pernambuco e Espírito Santo (0,8). No Brasil, a média é de 3 por 100 mil. "Ou seja, embora haja Estados com proporção abusiva do uso da força, isso não é um problema de todas as unidades", diz Samira.

Com base em microdados de 80% das ocorrências de 2019 (nos outros 20%, as informações não foram fornecidas pelos Estados), o Fórum ainda traçou o perfil das vítimas. Homens correspondem a 99,2% dos casos, enquanto a divisão etária aponta que 74,3% dos mortos pela polícia tinham menos de 29 anos.

Na distribuição racial, a prevalência é de pretos e pardos, que representam 79,1%. "Este porcentual é superior à média nacional verificada no total das mortes violentas", aponta o relatório. "A comparação da taxa por 100 mil habitantes indica que a mortalidade entre pessoas negras em decorrência de intervenções policiais é 183,2% superior à taxa verificada entre brancos. Enquanto entre brancos a taxa fica em 1,5 por 100 mil habitantes brancos, entre negros é de 4,2 por 100 mil negros."

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Respostas estaduais

Procurada, a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo informou em nota oficial que "não comenta pesquisas cuja metodologia desconhece". Mas destacou que "ao longo dos últimos 21 anos, a taxa de homicídios dolosos caiu 80,6%" e "o número de pessoas mortas em confronto com policiais militares em serviço vem caindo de maneira consistente no Estado de São Paulo desde o mês de junho, quando foi registrada redução de 20,3% no indicador, em comparação com o ano de 2019. Considerando-se os meses de junho, julho e agosto, a redução chega a 22,7%, com 176 mortes registradas em 2019, ante 136 neste ano".

 

De acordo com o Instituto de Segurança Pública (ISP) do Rio , os crimes violentos letais intencionais têm apresentado queda no Estado. "Na comparação com o ano passado, o indicador apresentou queda de 12% em relação ao acumulado do ano e de 18% em relação a agosto de 2019, o menor número para o acumulado do ano e para o mês desde o início da série histórica, em 1999." O governo também alega queda no índice de letalidade por intervenção de agentes do Estado. "Na comparação com o ano passado, o indicador apresentou queda de 30% em relação ao acumulado do ano e de 71% em relação a agosto."

Neste ano, morte de policiais também está em alta

No primeiro semestre de 2020, as mortes violentas de policiais militares e civis da ativa têm contrariado a tendência de anos anteriores e registrado aumento, segundo o relatório do Fórum. Foram 110 ocorrências entre janeiro e junho, ante 92 no mesmo intervalo de 2019. Metade dos casos aconteceu no Rio (27) e em São Paulo (28).

O País havia registrado queda acentuada do indicador no ano passado, de 44,3%, com um total de 172 ocorrências, a maior parte no Rio (89). Proporcionalmente, o Estado também aparece empatado com o Pará na pior posição nacional, ambos apresentando taxa de 0,9 morte de policial por 100 mil habitantes.

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Do total de agentes mortos em 2019, 62 estavam de serviço e 110 de folga. Como nos assassinatos em geral, a maioria das vítimas é homem (99%) e negra (65%).

Destoa do perfil comum, entretanto, a faixa etária dos agentes. Entre os mortos, 55,3% tinham de 30 a 49 anos: "Tratando-se provavelmente de policiais mais experientes, e não novatos, como seria de se supor", destaca o relatório.

Em relação aos suicídios, houve ao menos 91 casos entre policiais da ativa em 2019, o que representa ligeiro recuo em relação aos 93 registros de 2018. O indicador é considerado importante para entender a vitimização dos agentes, uma vez que, por si só, representa um universo superior ao de mortos em serviço.

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