Prestes a ingressar no 6º ano da faculdade, o estudante de Medicina Marco Aurélio Cardenas Acosta, de 22 anos, estava empolgado com o que vinha pela frente. Neste sábado, 23, ele apresentaria um trabalho em um congresso de clínica médica em Barueri, na região metropolitana de São Paulo - a mãe, médica intensivista e professora, iria palestrar no mesmo evento.
"Era a primeira vez que eu iria vê-lo se apresentar, a gente só falava disso nas últimas semanas", contou Silvia. Era um passo a mais na sonhada carreira de pediatra do estudante, que caminhava para ser o quinto médico da família. Já para a mãe, uma oportunidade de compartilhar conhecimento com o filho.
Os planos, porém, foram interrompidos. Na madrugada desta quarta-feira, 20, Marco Aurélio morreu após ser baleado em uma abordagem policial em um hotel na Vila Mariana, na zona sul da capital. Ele chegou a ser socorrido, mas não resistiu.
Em nota, a Secretaria da Segurança Pública informou que o "jovem golpeou a viatura policial e tentou fugir". O Estadão apurou que Marco Aurélio Acosta teria acertado o retrovisor do automóvel da PM. Ainda de acordo com a SSP, ao ser abordado, ele investiu contra os policiais e foi baleado. A pasta informou também que o caso é investigado e que os policiais envolvidos foram afastados.
Imagens das câmeras de segurança do hotel onde a ocorrência foi registrada mostram o momento em que o jovem é baleado. Conforme o ouvidor das Polícias do Estado, Cláudio Aparecido da Silva, os agentes não fizeram o uso gradativo da força, como determinam normas da corporação. A Polícia Civil e a Corregedoria da PM apuram o caso.
"Eram dois homens maiores que ele, que estavam armados, contra um menino desarmado", disse a mãe do estudante, a médica Silvia Mônica Cardenas Prado, de 57 anos. A família agora cobra por Justiça e por um contato do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), que ainda não os teria procurado para prestar solidariedade até o começo da tarde desta quinta-feira, 21.
"É o mínimo que esperamos", disse a médica, que estava de plantão em um hospital na zona leste quando o filho foi baleado. Os pais do estudante atenderam a reportagem do Estadão na casa em que moravam com ele e mais dois filhos, localizada na Vila Mariana, a poucas quadras do hotel onde o caçula foi morto. A conversa foi marcada por indignação.
Eles contaram que o clima de empolgação pela chegada do congresso em que Marco Aurélio se apresentaria foi substituído por um sentimento de terror desde que o filho foi morto em uma abordagem policial. Quando falou com a reportagem, a família ainda esperava a liberação do corpo do estudante para fazer o enterro.
Depois, Silvia disse que não quer deixar de se apresentar no Congresso de Clínica Médica no sábado, até como forma de homenagear Marco Aurélio. "Eu poderia simplesmente mandar uma carta ao congresso e dizer 'sinto muito, não vou ter condições de dar a aula', mas no sábado, às 8h, vou estar em Barueri, se Deus quiser", disse.
"Vou dar a aula, fazer o melhor que posso, e, em vez de colocar 'obrigado' no meu último slide, vou colocar uma foto do meu filho, como uma última homenagem, para que, onde quer que ele esteja, não desista dos seus sonhos", disse, bastante emocionada.
'Acima de tudo, era um filho extremamente amoroso'
A mãe lembra do caçula com carinho. "Era um menino que estudava em tempo integral, que tinha por paixão inventar música - sabe essas músicas de jovem? - e que jogava futebol muito bem, tanto é que era da Atlética do Anhembi Morumbi", disse. "Acima de tudo, era um filho extremamente amoroso, que todos os dias me mandava mensagem."
Silvia mostrou à reportagem algumas das mensagens mandadas por ele. Em uma delas, Marco Aurélio, que nasceu prematuro, disse ter se lembrado da mãe ao ver crianças na mesma condição durante um estágio. "Eu te amo. Obrigado por ter acreditado em mim quando eu era um bebê prematuro de 1,5kg. Eu vi alguns bebês muito pequenos que parecem até bonecos", disse ele em uma mensagem.
"Você daria um bom neonatologista", respondeu a mãe, já sabendo das intenções do filho em se especializar em pediatria. Marco Aurélio Cardenas Acosta seria o quinto médico da família. Os pais, de origem peruana, chegaram no Brasil há quase 30 anos. Eles têm outros dois filhos homens mais velhos, ambos já formados em Medicina.
O corpo do jovem será enterrado no fim da tarde desta sexta-feira, 22, no Morumbi, zona sul de São Paulo.