Metas da intervenção no Rio vão de militares da reserva na PM a mais eventos cívicos, mostra plano

Plano estratégico de generais foi finalizado mais de cem dias após início da operação e prevê 66 metas; não se propõe índice de redução da criminalidade. Uso da reserva é para reforçar polícia; especialista elogia intenção, mas critica objetivo

7 jun 2018 - 03h02

SÃO PAULO - Mais de cem dias após o início da intervenção federal na área da segurança pública do Rio, o gabinete comandado pelo general interventor Walter Braga Netto finalizou o plano estratégico de atuação. O documento de 80 páginas detalha o diagnóstico da situação de violência no Estado e a previsão das medidas que serão tomadas para revertê-la. Entre elas, Netto defende a permissão legislativa para contratar militares da reserva para atuar nas polícias, além de maior poder de atuação da PM sobre desmanches de veículos, um sistema unificado de chamados de emergência concentrado no 190 e até mais eventos cívicos em quarteis e batalhões para enaltecer o orgulho profissional.

A portaria em que o plano foi aprovado foi assinada pelo general em 29 de maio. O plano de atuação era algo cobrado por especialistas na área desde o decreto do presidente Michel Temer que determinou a operação, em 16 de fevereiro. A análise era de que sem um planejamento a intervenção teria mais dificuldade para atuar e fazer alguma diferença na situação de criminalidade no Rio.

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O documento lista 66 metas divididas em cinco eixos: diminuição dos índices de criminalidade, recuperação da capacidade de operação dos órgãos de segurança pública, articulação entre os entes federativos, fortalecimento do caráter institucional da segurança e do sistema prisional e melhoria da qualidade da gestão prisional. Para pôr em prática o que foi planejado, o gabinete diz precisar de cerca de R$ 1 bilhão, previsão que já havia sido anunciada e com a qual o governo federal se comprometeu. O interventor diz que a quantia é "imprescindível" para que o gabinete "tenha as mínimas condições de execução da missão recebida".

Parte das propostas já começou a ser implementada - como doação de armas, equipamentos e blindados, além de treinamento de pessoal - e outra foi anunciada - como a contratação de mil policiais militares. Outras mudanças são burocráticas, como alterações nos protocolos de inteligência e de apoio institucional. Na diminuição dos índices de criminalidade, por exemplo, não há uma meta clara. Ou seja, não se estabelece nenhum valor de queda a ser buscado pelas polícias. Na parte prisional, o mais prático sugerido, ao lado de medidas que propõem a modernização do sistema, é estruturar um sistema de monitoramento por câmeras nas cadeias.

Militares da reserva

Outros objetivos não eram conhecidos até agora. Na estratégia denominada "fortalecer as estruturas de formação e capacitação de recursos humanos das instituições", o gabinete de intervenção defende propor o Serviço de Interesse Militar Voluntário (SIMV), em que militares da reserva poderiam se candidatar a atuarem na Polícia Militar ou no Corpo de Bombeiros por até 12 meses. Para os interventores, essa seria uma das formas de recompor o efetivo das corporações. Para isso, os militares defendem o teor da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 52/2015, que está tramitando no Congresso Nacional, e manterão contato com a Casa Civil para articular a aprovação da proposta (mais informações aqui). A medida é criticada por especialistas (leia aqui).

Não seria a primeira vez que uma polícia passaria por essa experiência no País. Em 2017, a Força Nacional de Segurança, visando a aumentar o seu efetivo, passou a aceitar militares voluntários da reserva para atuar nas operações designadas. Em Goiás, no entanto, a tentativa acabou barrada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que decidiu pela extinção da medida ao enxergar ilegalidades ligadas à ausência de concurso públicos para a entrada no serviço, ainda que temporário.

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Para recompor o efetivo, a intervenção já está colocando em prática algumas das metas traçadas, como redistribuir policiais antes lotados em Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) para patrulhamento nos batalhões de área, e reintegrar os profissionais de segurança que estavam cedidos a outros órgãos da administração. O gabinete pretende ainda reativar o Regime Adicional de Serviço (RAS), pagamento para que policiais trabalhem em horários de folga, reforçando o efetivo. A política foi prejudicada pelos problemas financeiros do Estado.

Ameaças

São listadas no plano as possíveis ameaças à operação. Além Além da atuação da criminalidade e da "obsolescência" de parte dos equipamentos das polícias, os militares teme a falta de apoio da população, a insuficiência de recursos, levando a atrasos no pagamento dos policiais, além de interferências políticas em decorrência do pleito de outubro e ocorrência de crimes de grande repercussão e comoção pública. Em 14 de março, pouco menos de um mês depois do início da intervenção, a vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes foram assassinados a tiros, crime ainda não solucionado pela polícia.

O gabinete pretende ainda fortalecer as atividade de correição, reforçando o pessoal que atua nas corregedorias das corporações, conferindo mais independência a esses servidores. A corrupção nas polícias é apontada como um problema grave e que afeta a atividade da segurança pública no Estado.

No documento, os interventores ligam a corrupção ao crescimento da violência. "O que se observa nos últimos trinta anos é o crescimento da violência e a degradação da segurança pública no Estado do RJ. Os altos índices de corrupção e aparelhamento da máquina estatal tiveram reflexos diretos nas políticas de segurança públicas adotadas. A gestão ineficaz, fraudulenta e irresponsável dos recursos do Estado implicou na insolvência do mesmo, agravada pela crise econômica nacional, com reflexos em todas as áreas."

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Os militares reconhecem que são recorrentes as operações das Forças Armadas no Estado, e ainda que considerem essas ações como positivas, fazem uma ponderação. "Se por um lado, podemse avaliar como positivas estas participações, nos níveis tático e operacional, por outro, não se observa nenhum legado estratégico. As Forças Armadas foram empregadas para atacar as consequências, pois as causas da violência não foram combatidas e se agravaram. Por outro lado, é notável o aperfeiçoamento das organizações criminosas em todos os aspectos: operacional, logístico, comunicações, etc. O alto custo das operações militares como força de pacificação refletiu negativamente no setor econômico do governo e em alguma parcela da sociedade, onde já há um consenso da inviabilidade deste tipo de operação", escreveram no documento.

Fiscalização e emergências

Na estratégia denominada "Desenvolver protocolos interagências para ações de segurança pública e inteligência", a intervenção pretende reeditar um decreto para regular a fiscalização de ferros velhos no Estado, transferindo a responsabilidade do Detran para as polícias estaduais. Com isso, o general quer atacar diretamente o número de roubos de veículos, crime ligado à existência de ferros velhos sem fiscalização, que desmancham e vende peças de carros roubados. Em São Paulo, uma fiscalização mais intensa sobre desmanches é apontada como um dos principais fatores para a queda nesse tipo de crime desde 2014.

Além disso, o plano prevê outras medidas, como a integração das chamadas de emergência de diversos números (190, 193, 197 e 199) em um sistema unificado no 190. A medida, diz os interventores, aumentaria a efetividade e centralizaria as chamadas de emergência.

As metas também se estendem para uma área denominada "resgate e desenvolvimento de princípios, crenças, valores e tradições". Para isso, o interventor quer elaborar um planejamento anual de eventos cívicos a serem conduzidos pelos comandos e chefias das unidades para "estimular a demonstração de valores éticos e morais, o culto a vultos históricos e o respeito às tradições organizacionais, em especial a hierarquia e a disciplina, enaltecendo a relevância do sentimento de orgulho profissional".

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Análise: Roberto Godoy

Iniciativa é atalho no rumo da renovação

A ideia não é nova, mas é boa. A abertura de um recrutamento por voluntariado entre ex-integrantes das Forças Armadas para reforçar e, mais que isso, para arejar o ambiente tóxico dos quadros operacionais da PM do Rio, é um atalho no rumo da renovação. O crime organizado já faz isso há pelo menos 20 anos - ex-soldados e cabos têm prioridade nos quadros marginais. Os especialistas, de graduação mais elevada, são chamados para prestar às gangues bem pagos serviços de instrução de combate. O modelo estava previsto no plano de longo prazo da Defesa para a modernização da segurança do Rio desde a experiência da ocupação do Complexo do Alemão, em 2010. Estima-se que em seis meses seja possível recrutar 8 mil voluntários. Além do ganho qualitativo, técnico e moral, pode produzir efeito social importante, abrindo possibilidades de trabalho para quem deixa as Forças após cumprir o serviço militar e encara a realidade do desemprego.

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