Contrariando declarações recentes do presidente Jair Bolsonaro, um documento assinado pelo ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, encaminhado à Câmara dos Deputados, informa que, de um total de 8 mil trechos licitados, 4.204 pontos devem começar a ser monitorados por radares do governo ainda em 2019. Os contratos citados fazem parte de um edital de 2016, publicado na gestão do ex-presidente Michel Temer, que dividia as rodovias em 24 lotes, 18 licitados até o início deste ano.
As empresas contratadas deveriam fazer a instalação dos radares, a um custo total de R$ 1 bilhão. Mas no início do governo o presidente contestou a instalação. "Após revelação do @MInfraestrutura de pedidos prontos de mais de 8.000 novos radares eletrônicos nas rodovias federais do País, determinei de imediato o cancelamento de suas instalações. Sabemos que a grande maioria destes tem o único intuito de retorno financeiro ao Estado", publicou o presidente em sua conta no Twitter no dia 31 de março. "Demos um golpe na indústria da multa e ainda economizamos."
Após revelação do @MInfraestrutura de pedidos prontos de mais de 8.000 novos radares eletrônicos na rodovias federais do país, determinei de imediato o cancelamento de suas instalações. Sabemos que a grande maioria destes têm o único intuito de retomo financeiro ao estado.
— Jair M. Bolsonaro (@jairbolsonaro) 31 de março de 2019
Preocupado com o teor das declarações do presidente, o deputado Ivan Valente (PSOL-SP) cobrou explicações ao ministro da Infraestrutura, que enviou resposta no dia 11 de junho.
No documento, Freitas diz que, "considerando o contingenciamento orçamentário, ficou demonstrada a possibilidade de monitorar, no exercício de 2019, 4.204 pontos. Nesse cenário, haverá priorização dos pontos de maior criticidade", diz. No caso, também se explica que não há nenhum veto à instalação dos demais aparelhos.
No texto de dez páginas enviado à Câmara, o ministro defende a importância dos radares para a redução de acidentes e mortes nas vias federais. Mas ressalta que nem sempre o aparelho é a melhor alternativa para reduzir acidentes. Segundo o documento, uma alternativa possível, conforme critérios técnicos, é eliminar ou substituir radares por manutenção da via, adequação do traçado da pista, melhoria da sinalização horizontal e vertical, implementação de passarelas e iluminação.
O ministro diverge do presidente ao dizer que uma possível redução do total de radares, caso ocorra, será por causa do contingenciamento orçamentário da União e critérios técnicos. Bolsonaro alega a existência de uma "indústria das multas".
"É importante ressaltar que a definição da localização de radares em rodovias federais é uma questão puramente técnica e tem base na avaliação de segmentos críticos, ou seja, definidos em função dos registros de acidentes e da probabilidade de novas ocorrências", afirma o documento do ministro.
Freitas acrescenta, ainda, que o Dnit tem celebrado contratos decorrentes do edital firmado em 2016, mas a execução integral pode esbarrar na situação fiscal do País. "Por isso se faz necessária uma avaliação dos pontos críticos, onde os acidentes são causados por excesso de velocidade."
Justiça
Procurado, o Planalto encaminhou a demanda ao Ministério da Infraestrutura, que o repassou ao Dnit. O departamento informou que está para ser homologado um acordo entre Ministério da Infraestrutura, Ministério Público Federal e o próprio departamento que permitirá a instalação de radares (em menor número) nos pontos mais sensíveis, prioritariamente em áreas urbanas.
Segundo o órgão, o novo número de radares (sem citar a quantidade) "está coerente com a disponibilidade orçamentária do Dnit para tal finalidade". "Caso o acordo seja efetivamente homologado, o Dnit entende que o assunto está concluído em relação ao planejamento para 2019, restando apenas sua execução, conforme os termos previstos na negociação", diz o órgão de trânsito.
Segundo o Dnit, tal acordo envolve decisão judicial de 10 de abril, da 5.ª Vara Federal Cível de Brasília, que determina que o governo se abstenha de retirar radares das rodovias e impõe a renovação, em caráter emergencial, de contratos com concessionárias que fornecem os medidores de velocidade. A magistrada atendeu a uma ação popular movida contra a União após as declarações de Bolsonaro no Twitter.
O número de aparelhos a ser instalado, porém, é menor do que o previsto no documento enviado à Câmara. O acordo envolveria cerca de mil aparelhos e dois mil trechos, em um prazo de dois meses.
Entre 2012 e 2018, o total de acidentes em rodovias federais caiu de 184 mil para 69 mil. Já as mortes recuaram de 6.987 para 4.496 no mesmo período.
Motoristas ficam entre aprovação e crítica a excessos
Em um mês, o motoboy Victor Eduardo Bueno, de 22 anos, acumulou R$ 600 em multas por excesso de velocidade aplicadas por radar. O estudante de Medicina lsner Gonzaga, de 26 anos, também cometeu infrações do mesmo tipo - quatro - em um mês. O uso dos equipamentos, porém, divide os motoristas: Bueno vê abusos do governo e Gonzaga reconhece a importância da fiscalização.
O motoboy vive em Sorocaba (SP), mas costuma pegar estrada por causa do emprego. "De casa ao trabalho, são quatro quilômetros e três radares fixos, além de sempre ter um móvel. É um exagero e não resolve", critica. Ele apoia a queixa de Bolsonaro sobre os radares. "Não se importam se estou correndo ou não. Só querem pegar meu dinheiro", diz ele, que já quebrou a perna e ficou internado em um acidente de trânsito.
Já Gonzaga, também de Sorocaba (SP), costuma dirigir cerca de 380 quilômetros na estrada para visitar a família. "Sei que as rodovias têm muitos radares e ando dentro do limite. Se passei e fui multado, é culpa exclusiva minha", diz. "Já percebi que não compensa correr, o ganho de tempo é pequeno demais comparado com o risco."
Redução de risco
De acordo com o consultor de engenharia de tráfego e transportes Horácio Augusto Figueira, os radares ajudam a reduzir acidentes de trânsito. "Está provado que, onde houve a retirada de radar, aumentou o número de acidentes graves", alerta.
Figueira não vê como comparar a situação do Brasil com o de países da Europa, onde a velocidade é livre em certas autopistas. "Não é só a questão das estradas, que lá são melhores. Enquanto não evoluirmos como motoristas, não entendermos os riscos, será preciso ter o policial, o radar, o drone, até o satélite para monitorar a velocidade", afirma. /COLABOROU JOSÉ MARIA TOMAZELA