O prefeito Ricardo Nunes (MDB) sancionou nesta terça-feira, 23, a lei "Não se cale", que busca combater o assédio sexual em bares, boates e restaurantes da capital paulista através do treinamento de funcionários para reconhecerem situações de perigo nos estabelecimentos. A legislação é descrita como "educativa e não punitiva" e foi inspirada em uma norma similar de Barcelona, utilizada durante o episódio em que Daniel Alves foi acusado de ter estuprado uma mulher no banheiro de uma casa noturna - o jogador está preso desde janeiro.
A lei recebeu o apoio de entidades representativas dos donos e dos funcionários de bares, restaurantes e hotéis da capital paulista. "A gente quer, de fato, que os estabelecimentos de lazer sejam livres de assédio e de abuso. A Prefeitura e as associações vão fazer essas discussões para que isso seja uma realidade", afirmou a vereadora Cris Monteiro (Novo), criadora do projeto.
Na prática, a lei 18/23 autoriza o Poder Executivo a implementar um conjunto de ações para que espaços públicos e privados de lazer saibam como agir para detectar e prevenir situações de agressão sexual, além de saber como acolher a vítima nos casos necessários.
Para isso, a Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania, através da Coordenadoria de Políticas para as Mulheres, promete realizar uma série de treinamentos para capacitar os funcionários dos estabelecimentos. Uma vez treinados, os locais recebem um "selo de combate à violência e importunação sexual", oferecido pela Prefeitura. A "reciclagem" da chancela, segundo o prefeito, será feita anualmente.
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Presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), Joaquim Saraiva disse que a entidade está "disposta a usar essa campanha". "É através dela que vamos evoluir. Vamos ajudar todo o Brasil, porque sabemos que o que acontece aqui vai pra outros estados", disse, afirmando que os estabelecimentos serão "aconselhados" a colocar cartazes informativos nas portas e paredes. Elisabete Cordeiro, vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Hotéis, Restaurantes, Bares e semelhantes de São Paulo (Sinthoresp), também apoia a iniciativa.
'Não dã para confundir paquera com assédio'
Apesar de a "Não se cale" ter inspiração em uma lei espanhola, outros países como Reino Unido e Estados Unidos já têm legislações similares, que buscam responsabilizar ou preparar estabelecimentos para casos de abuso sexual. Apenas em São Paulo, o Ministério Público mapeou projetos parecidos em 20 municípios.
"Muitas vezes se confunde que a mulher nesse ambiente está automaticamente disponível, como se fosse consumível tal qual uma bebida. Os ideais que permeiam esses locais e pensamentos têm muito a ver com a cultura de estupro", aponta a promotra Fabíola Sucasas, coordenadora do Núcleo de Gênero do MPSP. "Qualquer projeto que entenda uma perspectiva de gênero e compreenda esse mecanismo, é bem-vindo. Principalmente porque traz a corresponsabilidade da sociedade civil para isso."
Ainda este ano, Fabíola e representantes do governo municipal, do Ministério Público e da Câmara de Vereadores participaram de um seminário com professores de direito da Universidade de Castilla - La Mancha. O objetivo era entender melhor todos os dispositivos legais da Espanha que foram utilizados no caso do jogador Daniel Alves.
"Obviamente, existem algumas dificuldades, como compreender qual será a dimensão da lei, da responsabilidade dos estabelecimentos etc.", diz a promotora sobre a legislação municipal sancionada nesta terça e sua semelhança com as outras duas estaduais. "Estamos apoiando essas iniciativas e tentando construir uma eventual uniformidade para que não haja confusão de conceitos. Temos a necessidade de entender como se dá a relação entre estabelecimento e a clientela e como ele deve se portar na obrigação de oferecer um ambiente seguro", explica.
Fabíola acredita que a aprovação dessas leis indica uma melhora no cenário de defesa dos direitos das mulheres e traça um paralelo com o Caso Mari Ferrer, em que uma influenciadora digital foi abusada sexualmente em uma boate de Santa Catarina. "Não só foi um caso invisibilizado, como ela foi estigmatizada no sistema de Justiça, com a reafirmação de uma violência institucional que foi capaz até de modificação da legislação."
Para a promotora, o caráter educativo da "Não se cale" é uma forma de acolher as vítimas e prevenir que casos de violência aumentem no futuro: "Não dá pra confundir paquera com assédio e banalizar qualquer forma de violência", diz. "Não podemos pensar que devemos ensinar mulheres a não vestirem roupas curtas ou beberam porque serão assediadas. Precisamos ensinar os homens a não praticar nenhuma forma de violência contra as mulheres que não quiserem ter qualquer tipo de contato íntimo com eles."
O cadastro dos estabelecimentos que quiserem aderir ao programa "Não se cale" e treinar seus funcionários poderá ser feito através do Portal 156 da Prefeitura ().