Um estudo divulgado nesta quarta-feira, 9, pela Rede de Observatórios da Segurança comprova que a letalidade policial é muito maior entre os negros. Dados levantados em cinco Estados - São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Ceará e Pernambuco - apontam que a população negra é a que mais morre pela polícia, seja em números absolutos ou proporcionalmente. Chamou a atenção dos pesquisadores a diferença gritante em alguns casos, o que para eles deixa claro que há racismo institucionalizado.
O número que mais impressionou foi o da Bahia, onde 97% dos 650 mortos pela polícia no ano passado eram negros. Em Pernambuco, esse dado também foi alarmante, chegando a 93%. "Hoje não dá mais para dizer que tem viés racial. A gente tem que dizer o nome exato que isso tem. Tem que dizer que existe racismo por parte do Estado", afirma Silvia Ramos, coordenadora da Rede de Observatórios da Segurança e do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania.
A pesquisadora ressalta que os números dizem respeito apenas a mortes ocorridas em intervenções da polícia. "Esse tipo de problema de violência é muito específico. Não estamos falando de crimes contra patrimônio, de homicídios ocorridos em brigas de facções. Estamos falando de um agente da lei que produziu uma morte, sem considerar se depois foi julgado como legítima defesa ou não", pontua Silvia. "Estamos olhando a cor dessas mortes, patrocinadas pelo Estado, seja contra um criminoso ou uma vítima inocente."
No Rio de Janeiro, apesar de 51% da população ser negra, os mortos por policiais nesse grupo de pessoas chegou a 86% em 2019 - em números gerais, o total de mortes em intervenções da polícia foi o maior em três décadas. Em São Paulo, por sua vez, 64% dos mortos pela polícia no ano passado eram negros.
Outro dado que alarmou os pesquisadores foi encontrado no Ceará: segundo a pesquisa, em 77% dos casos as vítimas não tiveram sequer sua cor notificada. Entre as que tiveram, 87% eram negras.
"Quando um agente público não preenche um dado, como sexo da vítima, idade ou grau de escolaridade, por exemplo, você até entende que isso pode demandar algum tipo de trabalho, de levantamento. Mas não informar a cor da vítima? É uma combinação de indiferença, de desleixo e, muito mais grave, de racismo por parte de agentes do Estado", afirma Silvia.
Todos os dados que embasaram a pesquisa foram obtidos através da Lei de Acesso à Informação, e comparados com o censo do IBGE. Sobre isso, a Rede de Observatórios da Segurança lamenta a dificuldade em conseguir os números oficiais.
"É quase que uma batalha que temos que travar com cada secretaria de Segurança. Apesar de a gente ter Lei da Transparência, as Leis de Acesso à Informação, está mais dificil agora do que há dois ou três anos. É muito mais fácil conseguir dados de outros crimes do que os da violência policial. Parece que há uma orientação para não divulgarem", comenta Silvia Ramos.
O governo do Rio disse à reportagem que a política de segurança é baseada em inteligência e tecnologia das polícias. "A atuação das polícias tem sempre, como princípio, a preservação das vidas. Os números do Instituto de Segurança Pública (ISP) comprovam isso: de janeiro a outubro de 2020 houve uma queda de 30,8% nas mortes por intervenção de agentes do estado em relação ao mesmo período de 2019", informou o governo, que acrescentou que todas as mortes praticadas ou não por agentes do Estadão são apuradas com rigor.
A Secretaria da Segurança de São Paulo disse não conhecer a metodologia da pesquisa e esclareceu que o compromisso das forças de segurança do Estado é "com a vida, razão pela qual medidas para a redução de mortes são permanentemente estudadas e implementadas pela pasta". "A quantidade de pessoas mortas em confronto com policiais militares em serviço vem caindo de maneira consistente no Estado de São Paulo", acrescentou a pasta, que detalhou que outubro foi o quinto mês de queda consecutiva do indicador. As mortes cometidas por policiais são "rigorosamente investigadas", apontou a secretaria.
O Estadão também entrou em contato com as secretarias de Segurança dos Estados de Ceará, Bahia e Pernambuco, e pediu um posicionamento sobre os dados de cada um deles, mas ainda não obteve retorno.