No MP, cicloativistas chamam ação anticiclovia de “tosca”

Grupo "invadiu" entrevista coletiva na sede do Ministério Público de São Paulo e cobrou promotora contra ação civil pública que pede suspensão das obras cicloviárias na capital

19 mar 2015 - 15h39
(atualizado às 17h09)

Uma saraivada de perguntas surpreendeu a promotora de Habitação e Urbanismo de São Paulo, Camila Magalhães da Silveira, em uma entrevista coletiva na manhã desta quinta-feira na sede do Ministério Público paulista. Camila é autora da ação civil pública que, na última terça-feira, pediu à Justiça a suspensão das obras de ciclovias e ciclofaixas na capital paulista, bem como a recomposição asfáltica de onde é construída, há mais de dois meses, a ciclovia da Avenida Paulista. A surpresa veio pelos entrevistadores: um grupo de cicloativistas que rebateu pontos da ação e a classificou como “simplista” e “tosca”.

<p>Meta da Prefeitura de SP é fazer 400 km de ciclovias na atual gestão</p>
Meta da Prefeitura de SP é fazer 400 km de ciclovias na atual gestão
Foto: Eco Desenvolvimento

Para a promotora, o principal argumento para requerer a paralisação das obras em até 24 horas – ou a recomposição do asfalto na Paulista, em até 30 dias – é a falta de estudos técnicos que apontem não apenas a necessidade e a eficiência das obras cicloviárias, como a falta de audiências públicas para discutir o assunto.

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Ela não quis citar bairros de onde partiram, ao MP, as críticas de moradores e comerciantes contrários às ciclovias. “Não vou falar isso para a senhora. São pessoas de todas as regiões”, resumiu. Após insistência dos cicloativistas e dos repórteres, afirmou que “pode ser que 80” pessoas teriam reclamado. “Chegou muita reclamação, mas é prerrogativa do MP abrir procedimento se uma única queixa chegasse. Não preciso de 100 ou 1 mil representações para investigar”, alegou a promotora, segundo a qual “o MP não quer que não sejam implantadas ciclovias, mas que se faça a melhor opção”.

Segundo a promotora Camila Mansour Magalhães da Silveira, da Habitação e Urbanismo, Prefeitura não apresentou estudos técnicos que comprovassem viabilidade das ciclovias
Foto: Janaina Garcia / Terra

Presente à entrevista coletiva, a pesquisadora Carla Moraes, 31 anos, com capacete de ciclista ao colo, reclamou do pedido de fim das obras na Paulista, ao afirmar que vê outros ciclistas, além dela própria, usarem a avenida, e não as paralelas, para lazer e trabalho. Moradora da Saúde, na zona sul, ela trabalha na rua da Consolação e há quatro meses optou pela bicicleta para se deslocar diariamente. “Vejo cada vez mais jovens aderindo, e surpreende uma ação como essa porque essa política pública já entrou na pauta política da cidade”, afirmou Carla.

Para o diretor da ONG Ciclocidade, Daniel Guth, a ação do MP é "tosca, simplista e preconceituosa"
Foto: Janaina Garcia / Terra

Diretor da ONG Ciclocidade, Daniel Guth, também no auditório da entrevista, reclamou da iniciativa da promotora e questionou se a preocupação da ação teria, de fato, sido a segurança dos ciclistas. “A ação é toda questionável, porque ela coloca em xeque não só a metodologia usada para as obras cicloviárias, como a política pública implementada”, definiu. Para Guth, a afirmação de que a população não foi ouvida não tem respaldo nas discussões que antecederam as obras.

Carla Moraes, ciclista em SP há quatro meses, se queixou com a promotora sobre o pedido de se refazer o asfalto na Paulista
Foto: Janaina Garcia / Terra

“Foram vários espaços de participação, não apenas com a Prefeitura, pelo Conselho de Trânsito e Transportes, mas, no caso da Paulista, também junto à Associação Paulista Viva e em duas audiências públicas na Câmara, por exemplo. O próprio prefeito colocou como meta de gestão os 400 km de ciclovias”, defendeu Guth, para quem as falhas “existem, mas são pontuais”. “O que é inconcebível é uma ação simplista, tosca e preconceituosa como essa”, criticou.

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Durante a entrevista, Guth reclamou de a promotora citar, na ação, que, da forma como a implementação do sistema cicloviário tem sido implementado, “sem prévio estudo técnico detalhado e sem participação popular”, trará “consideráveis prejuízos ao modal que ainda é o mais importante para a economia de São Paulo”. “Estudo da própria Fundação Getúlio Vargas (FGV) mostra que só pelos engarrafamentos, São Paulo perde ao ano cerca de R$ 40 bilhões”, lembrou.

Também cicloativista, o pesquisador da FGV Renê Fernandes, de 30 anos, afirmou que a própria estrutura das ciclovias, hoje, já garante mais segurança ao ciclista que a mera inexistência delas. “E há uma pressão da sociedade na formulação de agendas relativas ao tema – a própria criação do Conselho Municipal de Transportes e Trânsito é resultado disso”, afirmou.

Há uma pressão da sociedade na formulação de agendas relativas ao tema das ciclovias", defende o pesquisador Renê Fernandes
Foto: Janaina Garcia / Terra

Na avaliação da promotora, porém, a falta de critérios existe e precisa ser sanada antes de as obras, uma vez suspensas, serem retomadas. “O Grajaú, por exemplo (no extremo sul da capital), é onde há a maior demanda por ciclovias, e não foi investido um centavo lá”, citou. “Aqui ninguém é contra a ciclovia, mas precisamos que a Prefeitura indique tecnicamente se isso trará benefícios como um todo à sociedade”, definiu.

A representante do MP disse usar “transporte público” para se deslocar ao trabalho – ela mora nos Jardim Paulista, região dos Jardins, onde há uma ciclorrota implantada ano passado. Na ação civil pública, porém, a representante do MP lamenta o fato de que “São Paulo, ao contrário do que ocorre em Nova Iorque e em Amsterdã, não possui um transporte público de excelência e, por ora, não há alternativa de transporte público coletivo. A bicicleta não é um meio de transporte de massa, de modo que sua eficiência é questionável, pois sua capacidade é ínfima”.

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Nos Jardins, a opinião dos moradores e trabalhadores do bairro diverge sobre a ação do MP e o futuro das ciclovias.

“Se as ciclovias e ciclofaixas fossem mais organizadas, seria melhor; hoje, do jeito que estão, mais atrapalham que ajudam. Mas retirá-las não acho que seja a solução”, opinou o estudante Gustavo Godinho dos Santos, de 17 anos. “Sou contra retirar, mas precisa mexer ainda em muita coisa”, reforçou o também estudante Felipe Souza Ramos, de 18 anos.

“Para mim, as ciclovias ajudaram muito – não uso tanto atualmente mais por questões de falta de segurança, pois fui assaltada, mas meu marido só vai para o trabalho pedalando. É uma questão de as pessoas se acostumarem, não tem jeito”, avaliou a atriz Bruna Tomio, de 28 anos. “O projeto é bom, mas, do jeito que está hoje, tem vias em que é absolutamente perigoso ou impossível você pedalar – seja em uma ladeira íngreme, por exemplo, ou em uma rua de faixas muito estreitas. Retirar o projeto é que não é mesmo solução”, considerou o comerciante Bernardo de Souza, 40 anos.

A Justiça ainda não se pronunciou sobre a ação da promotoria, cujos pedidos são liminares e implicam em multa diária de R$ 100 mil em caso de descumprimento.

Fonte: Terra
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