SOROCABA - Mega-assaltos, como o de Araçatuba na semana passada, representam um dos maiores desafios na segurança pública para a gestão João Doria (PSDB), que tem como bandeira fortalecer estruturas no interior. São ao menos outros oito casos de repercussão nos últimos três anos, com ação de quadrilhas violentas, além de outro crime do tipo na Grande São Paulo.
Os grupos usam armas de guerra, detonam bombas e tomam reféns - em Araçatuba eles foram colocados no capô de carros. O crime amedrontou a cidade, onde explosivos foram espalhados pelas ruas. O governo destaca investimentos no setor, principalmente por meio dos Batalhões de Ações Especiais (Baeps) e das Divisões de Investigação Criminal (Deics). O reforço, porém, não tem impedido os recorrentes assaltos cinematográficos.
Antes de Araçatuba, ganharam repercussão crimes em Mococa, Ourinhos, Botucatu e Araraquara, no ano passado. Em 2019, houve assalto a uma transportadora de valores no Aeroporto de Campinas, além do roubo milionário de ouro no Aeroporto de Guarulhos, e do assalto em Guararema, que teve 11 suspeitos mortos, e do ataque em Limeira. Em julho deste ano, foi atacada uma fábrica de joias em Jarinu. A prática é conhecida como novo cangaço.
Especialistas apontam que as organizações criminosas estão se unindo para ataques que resultem em grande aporte financeiro para seus caixas, comprar drogas e armas e planejar novas ações. São quadrilhas altamente preparadas e que distribuem tarefas, possivelmente ligadas ao Primeiro Comando da Capital (PCC) e outras facções. "É terrorismo urbano", diz a desembargadora do Tribunal de Justiça de São Paulo Ivana David, especialista em crime organizado.
O Estado terá de correr para cumprir a promessa de chegar a 22 batalhões de ações especiais de polícia - os Baeps - na atual gestão. Em 31 meses de mandato, foram instaladas nove unidades. Como já havia cinco quando Doria assumiu, em janeiro de 2019, ainda faltam oito batalhões. Para atingir a meta fixada, terá de criar um batalhão a cada bimestre, já que a atual gestão termina em 16 meses.
Conforme a Secretaria da Segurança Pública (SSP) paulista, a atual gestão trabalha para ampliar o número de Baeps em todo o Estado, mas não deu prazos. "Há estudos em andamento para definir o cronograma", informou, sem mais detalhes. "O combate à criminalidade e o reforço no policiamento são compromissos do governo."
Segundo a pasta, desde 2019, o governo criou 12 Divisões Especializadas de Investigações Criminais (Deics), atendendo todas as regiões do Estado. "O número já supera as dez unidades prometidas no início da administração", acrescentou, em nota.
Enquanto as Deics reúnem todas as atividades de polícia civil especializada, os Baeps são responsáveis por ações táticas de policiamento militar ostensivo e de preservação da ordem pública, incluindo policiamento montado e com cães. Dos 14 Baeps atuais, nove estão no interior, um no litoral, dois na Grande São Paulo e dois na capital. Na prática, a ideia é que as unidades operem de modo mais ostensivo, com patrulhamento de choque. O efetivo, sempre superior a 200 PMs por unidade, recebeu treinamento padrão Rota, tropa de elite da PM.
Os primeiros cinco batalhões, instalados na gestão Geraldo Alckmin (PSDB), atendem Campinas, Santos, São José dos Campos, a área Leste da capital e Barueri. Doria inaugurou os Baeps de São Bernardo, centro da capital, Presidente Prudente e São José do Rio Preto, em abril de 2019, e os de Piracicaba e Ribeirão Preto em dezembro daquele ano. Em 2020, foram inaugurados Baeps de Araçatuba e Bauru, em agosto, e de Sorocaba, em dezembro.
Treinamento e uso de inteligência são cruciais
Especialistas apontam que apenas a criação novas unidades das polícias civil e militar não é suficiente para enfrentar o crime organizado. É necessário planejamento mais amplo, como treinamento e uso de inteligência.
"A mera criação de delegacias e batalhões não vai, necessariamente, se mostrar estratégia efetiva contra o crime organizado", diz o perito criminal Cássio Thyone Rosa, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Segundo ele, é difícil dizer se a distribuição das unidades permitirá cobrir com deslocamento rápido as cidades que não têm essa estrutura - o Estado tem 645 municípios. É necessário, acrescenta, mais tempo para ter parâmetros que permitam dizer se a estratégia dos batalhões será efetiva.
"Sem aumento de policiais e estrutura específica, nada muda no enfrentamento desse tipo de criminalidade. Combater organização criminosa exige inteligência e contra-inteligência, maior investimento em tecnologia, recursos humanos e melhor remuneração dos policiais", afirma Ivana David.
A ação ocorreu na virada do mês, quando os bancos têm mais dinheiro em caixa. No planejamento, bandidos escolhem cidades pequenas ou médias, com menos tropas preparadas para fazer frente a esses crimes, e com boa movimentação financeira, como Araçatuba.
Para Rosa, chama a atenção o uso de drones e explosivos. "Quando esse tipo de ação traz um aparato como esse, logo se entende que não é ação de amadores", afirma.
Diferentemente de outros ataques, quando explosivos eram usados para abrir cofres, nesse bombas foram instaladas na rota de fuga para causar pânico e dificultar a perseguição - depois foram achados o menos cem quilos espalhados nas ruas. "Explosivo, em tese, é controlado pelo Exército e, se alguém teve acesso a tanto, é preciso ver se houve furto em pedreira ou mineradora."
O coronel Álvaro Camilo, secretário de Segurança em exercício, admitiu à Rádio Eldorado na terça a necessidade de integrar mais a força estadual e os bancos para coibir crimes. "A informação estava reservada dentro do banco. Se soubéssemos que o risco era grande, poderíamos ter aumentado o efetivo na cidade", disse ele, que também defendeu o uso de drones pela polícia, como fez a quadrilha. Até ontem, havia sete suspeitos presos e um morto. Dois moradores de Araçatuba também morreram durante o roubo.
Desembargadora aponta elo de ação em Araçatuba e PCC
Especialista em crime organizado, a desembargadora Ivana David vê nos ataques em Araçatuba características de terrorismo. "A célula terrorista pratica atos que geram medo na sociedade. Assim como espalhar bombas pela cidade, amarrar pessoas no teto do veículo e transitar com elas pela rua é passar a ideia de 'me respeitem, pois estou no controle', é impor o terror", disse.
A magistrada acredita que as facções criminosas como o PCC podem estar ligadas aos ataques. "Um roubo dessa envergadura, com hierarquia, divisão de tarefas, material bélico e explosivos, tem a cara do PCC, mas não sozinho. Os grandes crimes hoje estão com trabalhos terceirizados", diz. "Uma (organização criminosa) aluga armas, outra blinda os carros e cuida do transporte, outra entra com cangaceiros que vão roubar o dinheiro."
Há ainda a organização que vai 'lavar' o dinheiro e fazer a distribuição dos valores obtidos. "Organizações como o PCC evoluíram e o Estado ficou para trás. O PCC está empresariado, abandonou as biqueiras e trabalha a granel. Cresceu na audácia, no armamento e na tecnologia", afirma ela, responsável por mandar para a prisão o principal líder da facção, Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola. A Polícia Civil não divulgou se os sete suspeitos presos e o morto tinham envolvimento com alguma organização criminosa.
Estado vê tendência de queda de crimes
Em 2020, o Estado de São Paulo viu os crimes patrimoniais, como roubos e furtos, despencarem. Já homicídios tiveram a primeira alta em sete anos. No primeiro semestre de 2021, os assassinatos voltaram a cair.
O governo informou ainda que os roubos a banco e explosões de caixas eletrônicos estão em queda há mais de uma década no Estado. Nos últimos dez anos, segundo a secretaria, houve redução de 92% e 98%, respectivamente, nesses crimes. Só nos primeiros sete meses deste ano, 46 criminosos envolvidos com esta prática de roubos a banco foram presos no estado, alta de 142% ante o mesmo período de 2020. Os casos ocorridos em Ourinhos, Botucatu e Araraquara resultaram na prisão de 27 criminosos e no indiciamento de outras 12 pessoas, segundo o Estado.
"Indicadores de segurança são importantes, mas não são ferramentas absolutamente exatas para se aferir o grau de eficiência da segurança pública", afirma o delegado Gustavo Mesquita Galvão Bueno, presidente da Associação dos Delegados de Polícia do Estado. Para ele, a segurança exige abordagem multidisciplinar e maior valorização da categoria.