Clima extremo foi o causador de uma catástrofe no Rio Grande do Sul, com a energia e boa vontade da população e ajuda do Estado se dá início ao resgate e restauração, mas também uma compreensão das lições aprendidas, para que não aconteça novamente.
Toda catástrofe tem um ciclo similar, que assistimos se desenrolar lentamente, com clareza e força suficientes para ficar na memória de todos nós para sempre.
Assim que o desastre nos atingiu, reagimos, como sociedade, com uma energia quase tão grande quanto as águas dos rios que nos alcançaram. Cada par de mãos disponível se moveu em direção ao resgate e salvamento dos muitos milhares de afetados, num processo que se auto-organizava e regulava a cada hora de nosso ciclo de trabalho sem fim.
Grupos individuais tentavam, aprendiam, se comunicavam e faziam melhor em seguida. Foram criados portos, zonas de recepção e contenção, abrigos, áreas de alimentação e suporte de voluntários, cozinhas improvisadas para criar marmitas, centrais de distribuição grandes e pequenas, aplicativos para facilitar quase tudo, enfermarias de campanha e redes logísticas que atravessavam, sabe Deus como, estradas que não existiam mais.
Eu vi tantas coisas inesperadas, eficientes, funcionais, tantas ideias brilhantes, tanta boa vontade e energia, que me vem lágrimas aos olhos cada vez que começo a pensar nelas. Mas vou escrever sobre isso num artigo apropriado, em breve.
Ao resgate se seguiu uma preocupação, ainda presente, com o conforto e abrigo dos centenas de milhares de refugiados climáticos. Mas principalmente com os 80 mil gaúchos ainda em abrigos. Sabemos que muitos deles voltarão a suas casas em breve, mas outros não terão para onde voltar.
Conforme as águas baixam, lições vão ficando mais claras. A primeira que quero discutir são os papéis executados pelos cidadãos e Estado. Ambos essenciais, mas com velocidades e modelos distintos, que se apresentaram naturalmente.
Como eu escrevi em outros textos, a sociedade civil reagiu aos eventos climáticos com energia, generosidade, criatividade e união. Se apenas um ano atrás a população estava partida ao meio por uma linha ideológica artificial, essa divisão foi borrada, desapareceu quase que completamente, no enfrentamento da tragédia.
Nas centenas de barcos civis e jet skis que tomaram o Guaíba e seus afluentes da inundação, só se pensava em resgatar quaisquer vidas que estivessem sob risco. Nos abrigos montados em poucos dias, as toneladas de itens que não paravam de chegar serviam a todos, num processo generoso e caótico.
Não que não existisse organização. Alguns abrigos se tornaram rapidamente exemplos de serviço dentro de uma realidade de dificuldade quase impossível. Mas as iniciativas eram sempre pontuais, particulares, alicerçadas na ânsia de ajudar, de ser útil.
Muita energia se gastou resolvendo os mesmos problemas inúmeras vezes. Porque ninguém realmente conseguia enxergar além da realidade dura do dia de hoje ou amanhã.
No que cabia ao governo, ele respondeu rapidamente a nível municipal e estadual, com as forças federais chegando depois, no papel de resolver problemas de infra-estrutura inalcançáveis à população, deslocar recursos emergenciais, organizar a energia civil e trazer resiliência às ações. Porque há um conjunto de limites às forças do voluntariado. De tempo, de recursos, de conhecimento.
Manter um abrigo por uma semana é um gesto de amor. Por duas, de determinação. Por mais tempo que isso é quase impossível sem ajuda efetiva do Estado. E é nesse período que estamos agora.
De passagem de conhecimento, de atividades, de responsabilidades, do setor privado para o setor público. Que também aprendeu na prática. E que também não estava adequadamente preparado.
O papel de ambos os setores teria sido mais simples desde o começo se tivéssemos modelos de ação, papéis e responsabilidades mais claros. Se tivéssemos uma coordenação melhor estabelecida.
Eu sou um especialista em catástrofes com 17 dias de experiência hoje. Tudo o que aprendi foi em campo. Até descobrir que existem órgãos globais, como a UNDRR, que provêem modelos e manuais extensos, detalhados, sobre como prevenir e lidar com eventos adversos, naturais ou não. Em muitas línguas, inclusive português. Pena que descobri isso alguns dias depois do que precisava.
Da mesma maneira, parece lógico hoje que a tecnologia poderia ter sido muito mais útil do que foi. Colhendo dados, organizando, conectando e suprindo informação. É um tema a que necessariamente voltaremos, até porque boa parte das iniciativas criadas nesta crise poderão ficar de legado e experiência para o Brasil.
Não queremos que o que se passou aqui se repita em lugar nenhum. O fato é que novos eventos climáticos extremos são inevitáveis. A catástrofe no Rio Grande do Sul nos ensinou o suficiente para fazermos melhor da próxima vez.
(*) Alex Winetzki é CEO da Woopi e diretor de P&D do Grupo Stefanini, de soluções digitais.