Um muro construído pela Prefeitura de São Paulo em uma das ruas da região da Cracolândia, no centro da cidade, potencializou as críticas com relação à forma como a gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) trata os problemas da dependência química e do crescimento da violência na região.
A obra foi realizada na rua General Couto de Magalhães, nos arredores da Estação da Luz, em maio de 2024. Segundo consta no Portal da Transparência, a prefeitura pagou quase R$ 96 mil pelo serviço. A empresa foi contratada por meio de um edital de licitação que ocorreu em abril do ano passado.
Ao Estadão, a gestão municipal afirma que o concreto substituiu os tapumes de metal instalados anteriormente para fechamento da área pública. "A troca dele foi realizada para proteger as pessoas em situação de vulnerabilidade, além de moradores e pedestres, e não para 'confinamento'", diz (veja mais abaixo).
Entidades criticam construção de muro
De lá pra cá, entidades que atuam no local alegam que a obra teve como objetivo isolar os usuários e dificultar os trabalhos de assistência. O padre Julio Lancellotti, coordenador da Pastoral do Povo de Rua de São Paulo, descreve a construção como o "muro da vergonha". "Em vez criar portas para sair, portas para entrar, pontes para mudar, criam-se muros para segregar. Isso não é solução", disse, nas redes sociais.
A ONG Craco Resiste também criticou a medida. "O espaço que foi delimitado para que as pessoas fiquem concentradas não conta com nenhum banheiro ou ponto de água potável próximo. Durante as revistas coletivas são tomados diversos objetos pessoais dessa população, sem nenhum critério objetivo claro, enquanto os guardas proferem xingamentos contra as pessoas", afirma, em nota.
"Caso as pessoas não fiquem no espaço delimitado pelo muro e pelas grades, guardas usam spray de pimenta sem aviso prévio. Viaturas circulam a região em busca de pessoas ou grupos que estejam em outros lugares para coagi-los a irem para o espaço cercado. Caso alguém se indigne com esse tratamento, é preso e acusado de forma irregular de desacato", acrescenta a ONG.
Segundo o psiquiatra Flavio Falcone, que trabalha com pessoas em situação de rua desde 2007 e atua na Cracolândia há mais de uma década, o efeito da construção do muro foi espalhar ainda mais os usuários. "Sou morador do centro, moro na (Avenida) Duque de Caxias, e o que estou vendo, principalmente de dezembro para cá, é que o fluxo está completamente espalhado pela região", disse.
Falcone afirma que a nova configuração tem dificultado inclusive o tratamento dos usuários. "Não consigo entender a relação do muro com dar mais segurança às equipes e melhorar o atendimento. As equipes dos consultórios de rua não entram no fluxo", disse. "Não é uma ação de saúde, é mais uma ação higienista, de estigmatizar e desumanizar essas pessoas, o que não é de agora", acrescentou.
Em nota, o Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) afirmou que a Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital vai apurar o caso.
A Prefeitura, também por meio de nota, disse ainda que os tapumes eram quebrados com frequência, oferecendo risco de ferimentos para as pessoas. Por isso, foram trocados por alvenaria.
"O trecho ao lado da Rua Couto de Magalhães foi mantido para proteção das mesmas em decorrência do fluxo de veículos na via e circulação nas calçadas." A gestão municipal também afirma que, além da substituição dos tapumes que havia no local anteriormente pelo muro, fez melhorias no piso da área ocupada para as pessoas em situação de vulnerabilidade.