Furtos à luz do dia em plena praia, roubos a casas de veraneio e assaltos à mão armada têm feito parte da rotina de moradores e turistas assustados com a onda de violência em Ubatuba, um dos destinos mais procurados do verão, no litoral norte do Estado de São Paulo. A situação já fez o Ministério Público requerer na Justiça no último mês um reforço de policiamento para a região.
A cidade, de 92.819 habitantes, reúne 350 mil na alta temporada, entre turistas e donos de casas de veraneio. A polícia registrou 995 furtos e 202 roubos nos dez primeiros meses do ano. Dados da Secretaria da Segurança Pública do Estado (SSP) indicam que a criminalidade é sazonal, aumentando nos meses mais quentes do ano, quando chegam os turistas. De janeiro a março, a média mensal foi de 117 furtos, caindo para 82 nos cinco meses seguintes, de baixa temporada.
Com a chegada do calor, o número voltou a subir em setembro e outubro - média mensal de 133 furtos. A SSP disse que, nesses períodos, o policiamento também aumenta. Nesta quarta-feira, 22, a cidade deve receber o reforço de 175 policiais militares e de um helicóptero da PM.
Além da Praia Grande, a mais visada por ficar próxima do centro, os criminosos estão agindo também em praias mais distantes, como a Praia da Maranduba. Em 3 de novembro, uma câmera de segurança flagrou o momento em que nove homens armados invadiram um mercado próximo da faixa de areia e renderam os funcionários para praticar o assalto.
Os criminosos se hospedaram em um hotel, na Praia da Lagoinha, onde foram cercados pela polícia. Um dos suspeitos foi preso, após ser baleado na perna. Os outros conseguiram fugir. Maranduba, na costa sul de Ubatuba, é bastante movimentada, com quiosques e restaurantes, atraindo famílias com crianças pequenas.
Na semana passada, um grupo de moradores se reuniu com o comando local da PM para debater a onda de furtos. "Foi colocado que o efetivo é o mesmo de dez anos atrás e não tem como dar conta. Na alta temporada, do final do ano até o carnaval, vem efetivo maior para atender a população, mas só resolve de forma temporária", diz o líder comunitário Amauri Costa, morador da região.
Ele disse que, na praia, há um posto policial, mas sem efetivo. "Não fica ninguém no posto e, quando acontece um assalto, nem sempre a pessoa se desloca até a cidade para registrar o boletim de ocorrência. A pessoa não vai pegar o ônibus e ficar duas ou três horas para registrar um furto, um roubo. Passa a impressão de que a criminalidade é baixa, quando não é", disse Costa.
Na Praia Grande, que nesta época costuma lotar, os furtos e assaltos são frequentes. No último dia 11, um turista foi assaltado por dois ladrões armados, conforme relatou Edvânia Silva o Facebook. "Arrancaram a corrente do pescoço e levaram o celular do rapaz também. São 2 caras que se passam por tatuadores de rena e depois praticam o assalto", alertou.
Outra moradora relatou o clima de medo na Praia do Itaguá. "Os indivíduos estão aterrorizando. Invadem casas e prédios para subtrair botijão de gás e qualquer coisa que possa ser transformada em dinheiro", publicou em uma rede social.
Em 8 de março, a polícia prendeu um suspeito de uma sequência de roubos na Maranduba. A primeira vítima foi um homem que atravessava uma ponte quando foi rendido e despojado do celular, fones de ouvido e carteira com R$ 3 mil. Em seguida, o criminoso armado rendeu uma família de turistas, incluindo crianças, que arrumava as malas no carro para deixar a cidade. Eles entregaram celulares, jóias, bolsas, relógios e R$ 1,5 mil em dinheiro. Após a prisão do suspeito, outras duas vítimas apareceram na delegacia para relatar roubos.
Na mesma praia, na madrugada de 8 de junho, um suspeito foi baleado e morto ao trocar tiros com a Polícia Militar, após assaltar um posto de combustível. O homem rendeu os frentistas e o caixa levando celulares e dinheiro. Na fuga, fez dois disparos e um deles atingiu um frentista de raspão. Houve perseguição, troca de tiros e o suspeito foi cercado e atingido na rodovia Rio-Santos.
Moradores formam vigilância comunitária
Os moradores formaram grupos de vigilância comunitária e usam o WhatsApp para alertar sobre a presença de criminosos. A reportagem teve acesso às mensagens. "Pessoal, um alerta aí para todos. Acabou de acontecer um assalto aqui no (quiosque) Valerine perto da barraca do Sócrates. Chegaram dois indivíduos, um armado, encostaram a arma no casal. O rapaz estava com corrente e pulseira de ouro. Roubaram a ameaçaram dar um tiro. Então, é vir para a praia sem nada."
Em seguida, outro relato: "Então, pessoal, acabaram de roubar minha casa aqui na Rua Cabo Luís Gomes de Quevedo (bairro Maranduba), os inquilinos acabaram de me ligar."
Conforme os moradores, muitos criminosos são de fora e aproveitam o grande fluxo de turistas para praticar assaltos. "Se entrar na área aí um Fiat Argo branco, eles estão nesse carro, uns cinco ou seis caras, moleques tatuados. Fica esperto, eles estão passando em todas as praias", avisa um integrante do grupo. O novo relato é de um comerciante. "Assaltaram três mesas no nosso quiosque, gente"
Representante do grupo de vigilância solidária, o morador Sergio Rakoza disse que, de uns tempos para cá, Ubatuba tem atraído, junto com os turistas, muitos criminosos que veem a oportunidade de roubar os visitantes. "Muitos turistas vêm à nossa cidade com dinheiro e objetos valiosos, sendo abordados com armas, diretamente na praia, ou em momento de descontração no interior das residências", disse.
Ele conta que o objetivo dos grupos de vizinhos é ajudar a PM a atuar com mais assertividade, prestando informações que facilitam a atuação preventiva. "Quanto ao reforço de efetivo, pela experiência de anos anteriores, ajuda a reduzir a incidência de crimes, mas não é suficiente, pois o foco principal do policiamento está nas praias. Dentro dos bairros, os bandidos aproveitam a ida dos turistas à praia para invadir e furtar suas casas, onde as pessoas pensam que seus pertences ficam mais protegidos."
Conforme o secretário de Segurança Pública e Defesa Social de Ubatuba, major Edilson Ramos de Oliveira, nos últimos dez anos o número de PMs em atuação na cidade caiu 27,7%, passando de 119 efetivos em 2011 para 86 policiais em 2021. O número de viaturas, segundo ele, também reduziu de 25 para 14. Já o aumento populacional nos últimos dez anos, segundo dados do Ministério Público, foi de 17,8%.
De acordo com a prefeitura, mesmo com o reforço policial que desembarca na cidade na próxima semana, o policiamento é insuficiente diante da quantidade de turistas. Embora não haja número oficial, estima-se que a população quase quadruplique, já que a coleta de lixo sobe de 70 toneladas por dia para 270 toneladas/dia nos meses da temporada de verão.
Um grupo de empresários e comerciantes procurou a Associação Comercial e Industrial de Ubatuba (ACIU) no início deste mês para expor a preocupação do setor com a onda de furtos. Conforme os relatos, 16 comerciantes da Rua Guarani disseram ter sofrido furtos em seus estabelecimentos.
Os comerciantes sugeriram a criação de barreiras para coibir a entrada de possíveis criminosos na cidade. Comerciantes instalaram câmeras e alarmes, mas nem assim conseguiram evitar os furtos. Em alguns casos, os equipamentos foram danificados.
MP ingressou com ação na Justiça por mais policiamento
A falta de efetivo policial levou o Ministério Público de São Paulo a entrar com ação civil pública, em 16 de novembro, para obrigar o Estado a reforçar o policiamento em Ubatuba. Na petição, os promotores Carolina Lima Anson e Fernando Fietz Brito argumentam que a cidade recebeu grande contingente de novos moradores na pandemia, em virtude da adoção do sistema remoto de trabalho e ensino.
Os promotores afirmam ainda que, em 2020, Ubatuba ficou em 3º lugar no ranking de cidades com maior índice de exposição à criminalidade violenta, evidenciando a relação entre redução de efetivo policial e aumento da violência.
O Estado contestou a ação, mas o juiz da 3ª Vara de Ubatuba, Diogo Volpe Gonçalves Soares acatou os argumentos do MP. "Tendo em vista que a redução de efetivo da PM na comarca de Ubatuba está impactando diretamente na preservação da ordem pública, o que é refletido nos indicadores criminais, gerando sensação de impunidade e estimulando a criminalidade, cabe ao Poder Judiciário impor ao Poder Executivo Estadual, em observância aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, o cumprimento da disposição constitucional que garanta a prestação de serviço público efetivo de segurança pública", escreveu. O Estado foi intimado no último dia 12 e ainda tem prazo para entrar com recurso.
A prefeitura de Ubatuba informou que treinou e equipou a Guarda Civil Municipal para reforçar a segurança. São 52 guardas - 11 femininas - com sete viaturas e seis motocicletas, além de sistemas que permitem a consulta de placas de veículos e dados pessoais em abordagens.
Secretaria diz atuar com rondas na região
A Secretaria da Segurança disse que as rondas da PMe o atendimento aos chamados de emergência em Ubatuba são realizados de forma ininterrupta, diariamente, e a distribuição do efeito se dá por critérios técnicos, levando-se em conta dados estatísticos e os serviços de inteligência policial. "Também em Ubatuba seguem ativos programas como o Conselho Comunitário de Segurança, o Conseg, e o Programa Vizinhança Solidária, por meio dos quais a Polícia Militar dialoga com a população e direciona suas ações a fim de dirimir as necessidades apresentadas", disse.
"Em relação aos indicadores de furtos registrados na cidade, é importante observar a atipicidade do ano de 2020, em decorrência das medidas sanitárias e restritivas adotadas durante a pandemia de covid-19. Na comparação de 2019 com 2021, o número de ocorrências, de janeiro a novembro, caiu 14,2% - de 1.295 para 1.110", pontuou.
Se considerada a série histórica, segundo a Secretaria, o índice de furto para 100 mil habitantes na cidade mantém tendência de queda desde 2017. Os indicadores nos últimos quatro anos ficaram em 843,2 (2017), 785,7 (2018), 749,1 (2019) e 621,7 (2020). "Além disso, em 2021, o trabalho da Polícia Militar resultou, somente na cidade de Ubatuba, em 308 prisões efetuadas, na apreensão de 24 armas de fogo e ainda 167 quilos de entorpecentes", completou.