Onda de protestos toma País, mas reação é manchada por morte

21 jun 2013 - 01h02
(atualizado às 01h32)
<p>Homem se feriu após<b> </b>discussão motivada pela presença de bandeiras de partidos no protesto, em São Paulo</p>
Homem se feriu após discussão motivada pela presença de bandeiras de partidos no protesto, em São Paulo
Foto: Fernando Borges / Terra

Em uma noite onde as manifestações marcadas para acontecer em todo o Brasil teriam clima de festa e comemoração após a diminuição da tarifa do transporte público em vários Estados, o País registrou a primeira morte de um manifestante desde o início dos protestos. Em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, um jovem morreu atropelado durante um ato que mobilizou 20 mil pessoas. Marcos Delefrate, 18 anos, foi atingido junto com outras 11 pessoas por uma camionete que avançou na avenida João Fiúsa. Ele chegou a ser socorrido por uma equipe do Samu, mas não resistiu. Algumas das outras vítimas do atropelamento receberam atendimento e estão em estado grave. O condutor do veículo - registrado em nome de uma empresa - fugiu sem prestar socorro. Ainda assim, o tom do início dos protestos de hoje foi pacífico - mais de 1 milhão de pessoas foram às ruas no País inteiro, mobilizadas contra o aumento das passagens e outras causas.

Manifestante morde bandeira do PT durante protesto em São Paulo
Foto: Marcos Bezerra / Futura Press

A situação na cidade do interior paulista contrastou com o cenário da capital, que viu uma manifestação de festa na noite de hoje, após anúncio do prefeito Fernando Haddad (PT) e do governador Geraldo Alckmin (PSDB) da suspensão do aumento da tarifa do transporte público na cidade. O Movimento Passe Livre (MPL), que organizou os protestos, considerou o dia como uma “vitória”. “O MPL deu o exemplo, colocou o povo para participar do processo democrático”, disse o professor Lucas Monteiro, 29 anos, integrante do MPL.

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Assim como nos demais atos em São Paulo, o de hoje não conseguiu evitar confusões entre manifestantes contrários à exibição de bandeiras de partidos políticos e militantes de movimentos sociais e de partidos. Um grupo de homens usando toucas ninja para esconder o rosto atacou militantes com socos e pontapés e provocou correria na avenida Paulista. Pelo menos um manifestante foi visto sangrando na cabeça depois do confronto. Dos símbolos em camisetas e bandeiras no grupo "vermelho", pode-se identificar a Central Única dos Trabalhadores (CUT), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) e o Partido dos Trabalhadores (PT), sendo os militantes petistas o "alvo" principal da contrariedade dos "apolíticos". O MPL se manifestou dizendo que “militantes de extrema direita querem dar ares facistas a esse movimento”.

A marcha pelo centro de São Paulo que reuniu milhares não resultou em vandalismo nem em depredações. Jovens e idosos se juntaram em torno de várias causas. A assistente social Teresa Cristina D’inter, 51 anos, veio acompanhada da mãe, Expedita Carvalho da Costa, 84 anos e da filha, Paula, 16 anos. As três estavam na primeira vez nas manifestações. “Fazia tempo que não se via isso. Hoje está muito bonito, pacífico. São muitos jovens, pessoas de vários tipos”, disse Teresa. “Está lindo. O povo ficou mais de 20 anos parado, sem lutar por nada. Precisa ser assim: sair as ruas, mas pacífico, sem quebrar nada”, afirmou Expedita, destacando que viveu vários períodos históricos do País, como a ascenção e a queda da ditadura militar.

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Mesmo com 300 mil nas ruas, Rio repete violência policial

No Rio de Janeiro, onde o aumento da tarifa do transporte público também foi suspenso pela prefeitura e pelo governo do Estado, as mais de 300 mil pessoas que saíram para comemorar e protestar nas ruas na noite de hoje foram surpreendidas pela violência da Polícia Militar. A Tropa de Choque da PM utilizou bombas de gás lacrimogêneo para dispersar a multidão que se postava em frente à prefeitura. Pelo menos 35 pessoas foram atendidas no hospital Souza Aguiar vítimas da violência de policiais e vândalos. Fotógrafos do Terra precisaram abandonar a cobertura após ficarem feridos em função de balas de borracha e bombas de efeito moral.

Na fuga da avenida Presidente Vargas, um grupo de 50 pessoas acabou ficando encurralado em frente à sede do Batalhão de Choque, na rua Salvador de Sá. Com as mãos para o alto, os manifestantes pediam para que o Choque parasse de agir. Alguns policiais jogaram spray de pimenta de cima de suas motocicletas em quem caminhava pela rua. Um PM do posto se dirigiu aos policiais do Choque e "negociou" que a tropa não agisse para cima do grupo. O Choque recuou, e o PM foi aplaudido pelos manifestantes. "Vocês podem ficar aqui, desde que não haja violência. Sei que vocês são trabalhadores, e eu também sou", afirmou o PM identificado como sargento Alves.

Um carro do Sistema Brasileiro de Televisão (SBT) foi incendiado em frente à estação Presidente Vargas do metrô. O veículo estava estacionado e ninguém se feriu. Manifestantes também depredaram uma cabine da PM localizada na região central do Rio.

Manifestante em meio à fumaça de bombas de efeito moral disparadas por PMs
Foto: Daniel Ramalho / Terra

Dois dias após ‘tomada’ do Congresso, manifestantes quebram Itamaraty

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Após subir no prédio do Congresso Nacional na terça-feira e protagonizar o maior feito dos protestos no País, manifestantes de Brasília se reuniram novamente hoje em frente ao parlamento. Desta vez, no entanto, o confronto com policiais foi inevitável. Um grupo quebrou vidros da fachada do Palácio Itamaraty e tentaram invadir o Congresso. Policiais jogaram várias bombas de gás lacrimogêneo contra a multidão. Manifestantes acenderam fogueiras no gramado, tentaram arrancar mastros das bandeiras dos Estados que ficam em frente ao Congresso e picharam placas com as palavras "ladrões" e "vergonha". A fachada do Ministério da Saúde também foi pintada.

Segundo balanço do Samu divulgado as 22h, 31 pessoas foram atendidas - 11 precisaram ser encaminhadas para hospitais. Três estão em estado grave: uma com trauma na face, uma com possível traumatismo craniano, com uma bala de borracha alojada no crânio e outra com corte na perna, com possível ruptura de artéria.

Em meio aos protestos, do lado de dentro do Congresso, no plenário do Senado, seis parlamentares debatiam o movimento: Magno Malta (PR-ES), Cristovam Buarque (PDT-DF), Rodrigo Rollemberg (PSB-DF), Paulo Paim (PT-RS), Pedro Simon (PMDB-RS) e Pedro Taques (PDT-MT). O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-DF), se reuniu com representantes dos manifestantes que ocupavam o gramado em frente ao Congresso e afirmou que o parlamento continuará aberto para as demandas da população.

Porto Alegre tem violência da polícia, saques e ‘ataque aéreo’

A manifestação que reuniu 12 mil pessoas em Porto Alegre na noite desta quinta-feira ficou marcada por novos confrontos entre policiais e manifestantes, saques e diretórios de partidos depredados. Depois de começar pacífico em frente à prefeitura, o protesto seguiu para a avenida Ipiranga, nas proximidades do prédio de Zero Hora, jornal do grupo RBS, afiliada regional da Globo. Diferente do protesto de segunda-feira, não foram registradas cenas de vandalismo até o primeiro confronto com a polícia. Um grupo mais radical jogou pedras em policiais, que reagiram. A multidão que protestava junto, a grande maioria pacífica, acabou também como alvo das bombas de efeito moral.

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Durante o caos, algumas pessoas realizaram diversos saques na avenida Azenha, importante via comercial da região. Perto dali, uma agência do Banrisul - que já havia sido depredada em um protesto anterior - foi novamente invadida. A violência atingiu também a sede do PMDB localizada na João Pessoa. A sede do PT, loalizada na mesma avenida, foi igualmente atingida. 

Durante o protesto, PMs foram alvo de um “ataque aéreo”. Quando passavam pela Casa do Estudante, na avenida João Pessoa, moradores atiram garrafões de água nos policiais, que não reagiram. A casa do Estudante abriga estudantes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs).

Dilma deixa Planalto em meio a protesto e não se manifesta

A presidente Dilma Rousseff não se pronunciou na noite desta quinta-feira sobre  onda de manifestações em várias cidades do Brasil. Ela deixou o Palácio do Planalto pela porta da frente por volta das 20h30 e, nesta sexta-feira, seu primeiro compromisso oficial será uma audiência com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Não há informação sobre a pauta da reunião.

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Protestos contra tarifas mobilizam população e desafiam governos de todo o País

Mobilizados contra o aumento das tarifas de transporte público nas grandes cidades brasileiras, grupos de ativistas organizaram protestos para pedir a redução dos preços e maior qualidade dos serviços públicos prestados à população. Estes atos ganharam corpo e expressão nacional, dilatando-se gradualmente em uma onda de protestos e levando dezenas de milhares de pessoas às ruas com uma agenda de reivindicações ampla e com um significado ainda não plenamente compreendido.

A mobilização começou em Porto Alegre, quando, entre março e abril, milhares de manifestantes agruparam-se em frente à Prefeitura para protestar contra o recente aumento do preço das passagens de ônibus; a mobilização surtiu efeito, e o aumento foi temporariamente revogado. Poucos meses depois, o mesmo movimento se gestou em São Paulo, onde sucessivas mobilizações atraíram milhares às ruas; o maior episódio ocorreu no dia 13 de junho, quando um imenso ato público acabou em violentos confrontos com a polícia.

O grandeza do protesto e a violência dos confrontos expandiu a pauta para todo o País. Foi assim que, no dia 17 de junho, o Brasil viveu o que foi visto como uma das maiores jornadas populares dos últimos 20 anos. Motivados contra os aumentos do preço dos transportes, mas também já inflamados por diversas outras bandeiras, tais como a realização da Copa do Mundo de 2014, a nação viveu uma noite de mobilização e confrontos em São PauloRio de JaneiroCuritibaSalvadorFortalezaPorto Alegre e Brasília.

A onda de protestos mobiliza o debate do País e levanta um amálgama de questionamentos sobre objetivos, rumos, pautas e significados de um movimento popular singular na história brasileira desde a restauração do regime democrático em 1985. A revogação dos aumentos das passagens já é um dos resultados obtidos em São Paulo e outras cidades, mas o movimento não deve parar por aí. “Essas vozes precisam ser ouvidas”, disse a presidente Dilma Rousseff, ela própria e seu governo alvos de críticas.

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Fonte: Terra
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