Órgão do Ministério da Justiça pode ter forjado licitação

Caso que envolve o Departamento Penitenciário Nacional será investigado pelo TCU

17 dez 2019 - 11h12
(atualizado às 12h09)

O Departamento Penitenciário Nacional (Depen), órgão subordinado ao Ministério da Justiça e responsável pelo Sistema Penitenciário Federal, é alvo de denúncia por um suposto direcionamento de licitação realizada para alugar um prédio de luxo, em Brasília. O caso será investigado pelo Tribunal de Contas da União (TCU). O Depen argumenta, no edital, que precisa de um novo prédio para abrigar os novos servidores que serão contratados nos próximos cinco anos.

O ministro da Justiça Sergio Moro participa da cerimônia de lançamento do pacto nacional que estabelece o direito da criança e do adolescente vitima ou testemunha de violência, no salão negro do Ministério da Justiça nesta quinta-feira (13).
O ministro da Justiça Sergio Moro participa da cerimônia de lançamento do pacto nacional que estabelece o direito da criança e do adolescente vitima ou testemunha de violência, no salão negro do Ministério da Justiça nesta quinta-feira (13).
Foto: MYKE SENA/ Foto Arena / Estadão Conteúdo

A denúncia de direcionamento de licitação foi apresentada à corte pela ONG Contas Abertas. Ela foi entregue na última quinta-feira, 12, ao presidente do TCU, José Mucio Monteiro Filho. O relator sorteado para o caso foi o ministro Raimundo Carreiro.

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A organização Contas Abertas sustenta que o Depen lançou um chamamento público contendo especificações que, na prática, somente um único prédio de luxo de Brasília, o Portinari, localizado no Plano Piloto da capital federal, teria condições de cumprir.

O documento lista pelo menos 13 exigências do edital que, segundo a ONG, comprovariam o suposto direcionamento da licitação, tais como: sistema de reaproveitamento de águas pluviais, sistema fotovoltaico, sistemas de reúso de água, elevadores com sistema de antecipação de chamadas, selos de eficiência energética e integração de todos os sistemas de segurança eletrônica.

Segundo a Contas Abertas, o chamamento foi preparado para atender exclusivamente ao Portinari. "A fixação de requisitos sujeitos à pontuação para fins de classificação de propostas que pré-selecionam um único imóvel para a futura contratação destoa dos princípios da isonomia e impessoalidade, de modo que a roupagem dada ao 'edital de chamamento público' mascara o real propósito de selecionar um imóvel já escolhido e pré-definido. O edifício Portinari é o único a conseguir a pontuação máxima possível, donde resulta o claro direcionamento da escolha do imóvel", diz a denúncia.

O Depen gasta, atualmente, cerca de R$ 100 mil por mês de aluguel. A expectativa do setor imobiliário é de que o novo imóvel custará aos cofres pelo menos o dobro do valor (R$ 200 mil por mês). Na denúncia obtida pelo Estado, consta que "o referido imóvel intitula-se o 'mais sustentável do Centro-Oeste' e é o único imóvel disponível em Brasília que consegue atender a totalidade dos requisitos do edital".

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Contradições

A reportagem esteve no edifício Portinari e apurou, com funcionários da administração do prédio, que representantes do Depen e do Ministério da Justiça fizeram visitas recentes "para conhecer" o local. A ONG Contas Abertas entende que este é mais um indício de que a mudança do Depen para o Portinari estaria sendo preparada antes mesmo de o edital ser encerrado.

Corretor de imóveis que representa o Portinari, Juba Neres negou, no entanto, por telefone, que qualquer visita tenha sido feita ao prédio. "No nosso prédio não foi feita visita nenhuma. Não tem nenhuma chance disso ser verídico. Quem faz as visitas é nossa empresa, e não tem nenhuma chance disso ter acontecido", afirmou.

Ainda segundo o corretor, mesmo depois que a proposta foi apresentada ao Depen, ninguém do Ministério da Justiça teria aparecido por lá. "Não houve nenhuma visita antes da publicação e nem mesmo durante o processo. Te garanto", ressaltou.

Procurado, o Ministério da Justiça desmentiu o corretor e confirmou, assim como apurou a reportagem, que funcionários da Pasta estiveram no edifício Portinari. A assessoria de imprensa argumentou, no entanto, que outros imóveis inscritos no edital foram visitados pela equipe técnica do Depen. "O objetivo da visita é analisar, com critérios objetivos, se a proposta atende aos requisitos do Edital N.º 1/2019".

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O ministério não informou se todos os prédios que ofereceram propostas foram visitados, de modo que nenhum fosse privilegiado. Por meio de nota, o ministério informou, ainda, que o chamamento público é "uma mera prospecção de mercado e tem objetivo de conhecer as opções de mercado disponíveis". Ao final da prospecção, completa a nota, não haverá contratação imediata ou automática. "A contratação, se ocorrer, será realizada em processo específico, em que todas as legislações pertinentes serão seguidas."

Sobre um possível direcionamento de licitação, o corretor responsável pelo Portinari diz que o prédio é de propriedade de um conjunto de sócios (dentre eles a Delta Engenharia, citada diversas vezes na Operação Lava Jato). Ele negou saber de qualquer irregularidade no processo e justificou que tomou conhecimento do chamamento público por meio de publicação oficial.

"Da minha parte, eu vi o anúncio no Diário Oficial, preparei a proposta para atender aquele anúncio e protocolei lá na hora e no dia que estava previsto no edital. E daí para frente, estou aguardando para ver se a minha proposta tem alguma chance de ser aprovada dentre as outras que eles receberam. Aí é uma avaliação técnica do órgão, de acordo com os critérios técnicos definidos no edital", diz.

O edital prevê alugar um imóvel com área privativa útil de aproximadamente 5.695 m² na cidade de Brasília. O texto foi lançado no dia 23 de outubro de 2019. O Depen afirma que pretende abrir 175 novos postos de trabalho, passando dos atuais 377 para 552 funcionários (46% de acréscimo).

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Referência no País por denunciar situações de má aplicação do dinheiro público, a Contas Abertas chama a atenção para o fato de o edital apontar para a necessidade de um prédio "ultramoderno, com elevado grau de sustentabilidade, extremamente tecnológico e altamente certificado, para abrigar as atividades administrativas".

A esse respeito, o fundador da Contas Abertas, Gil Castelo Branco, destaca que nem sequer os edifícios onde estão sediados o Ministério da Justiça, a Presidência de República e demais ministérios atendem às exigências requeridas. "Para o órgão que administra presídios em deplorável situação de conservação, as características exigidas no chamamento público são acintosas", afirma.

A ONG reforça que o aumento do quadro de funcionários, usado como justificativa para o novo aluguel ocorrerá, possivelmente, em até cinco anos. Segundo a Contas Abertas, isso tornará contestável o processo, já que a locação do imóvel vai gerar potencial aumento de despesas a partir do 2020. Além disso, acrescenta a denúncia, a previsão do Depen é de que as futuras contratações sejam focadas em agentes penitenciários, servidores que não atuarão nas sedes administrativas do órgão e, por isso, não justificariam a necessidade de um prédio maior.

Na última sexta-feira, 13, o Ministério da Justiça emitiu um comunicado informando que prorrogaria, por mais 30 dias, o prazo para envio de propostas de empresas interessadas em participar do processo. Isso aconteceu no mesmo dia em que a denúncia da Contas Abertas começou a ser analisada no TCU e um dia após o Estado ir ao prédio Portinari atrás de informações para a reportagem. A assessoria de imprensa da pasta, no entanto, negou que a prorrogação do edital tivesse qualquer relação com a apuração da reportagem ou com a investigação no TCU.

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