Paulistas tentam driblar falta d’água: "trabalho de artista"

Crise exige mudanças em casas, bares e restaurantes, e utilização de água de reúso é cada vez mais comum; uso consciente também reflete em economia na conta

19 jan 2015 - 11h51
(atualizado às 15h01)
Maria Edna dos Santos estoca água para lavar os copos do bar Papo, Pinga e Petisco, na Praça Roosevelt (centro), onde a água é cortada cada vez mais cedo
Maria Edna dos Santos estoca água para lavar os copos do bar Papo, Pinga e Petisco, na Praça Roosevelt (centro), onde a água é cortada cada vez mais cedo
Foto: Débora Melo / Terra

“A coisa está feia. Infelizmente, estamos em um mato sem cachorro”, desabafa Maria Edna dos Santos, funcionária de um bar no centro de São Paulo, onde falta água há mais de seis meses. Responsável por lavar os copos do bar Papo, Pinga e Petisco, na Praça Roosevelt (centro), Maria Edna conta que precisa estocar água para dar conta da demanda. Todos os dias, a água é cortada antes das 18h, e é a caixa d’água do imóvel que abastece as torneiras até por volta da meia-noite. Depois disso, a única opção disponível é a água que foi armazenada.

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“Eu tenho que deixar isso brilhando. É um trabalho de artista”, diz ela, mostrando uma taça limpa. A água, incialmente estocada em cinco latões, vai depois para duas bacias: uma com sabão, para lavar, outra para enxaguar. “Acho que o homem brincou demais com a natureza. E os governantes acham que podem tudo”, diz Maria Edna.

Na semana passada, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) admitiu pela primeira vez que há racionamento de água no Estado. No dia seguinte, porém, disse que foi mal interpretado e chamou o problema de “restrição hídrica”. No caso da Praça Roosevelt, a “restrição” é cada vez maior. “No começo a água acabava às 20h30, 21h. Agora, 17h30 não tem mais água”, diz Edney Ardanuy Vassalo, proprietário do Papo, Pinga e Petisco. A região da Consolação, onde fica o bar, é abastecida pelo Sistema Cantareira, que hoje opera com menos de 6% de sua capacidade e está à beira do colapso.

Conta mais barata

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Moradores do bairro Pompeia, na zona oeste, também já começam a sentir os efeitos da crise hídrica. “Com esse calor que está fazendo, quis tomar um banho rápido de mangueira, mas não saía nada. Foi frustrante”, conta a roteirista Ana Roxo, 37 anos. Ela diz que modificou diversos hábitos com o objetivo de economizar água, e que isso acabou se refletindo também na sua conta, que caiu pela metade. “Fizemos várias mudanças aqui em casa: tomamos banho dentro de uma bacia e usamos a água para dar descarga. Também vamos fazer uma cisterna para captar água da chuva. Eu tinha várias plantas, que acabaram morrendo.”

Na casa da roteirista Ana Roxo, na Pompeia (zona oeste), a água armazenada em bacias durante o banho é usada para dar descarga e lavar o chão
Foto: Terra

A conta de água de Ana, que chegava perto dos R$ 60, agora não passa de R$ 30. Segundo ela, a mudança na forma de lavar roupas é a maior responsável por essa economia. “O que a gente faz, no geral, é deixar a roupa clara de molho e depois usar essa mesma água com a roupa colorida. Na maioria das vezes eu lavo a roupa na mão, uso a máquina só para enxaguar e centrifugar.” O chão da casa, onde moram quatro pessoas, um cachorro e dois gatos, também só é lavado com água já usada nas roupas ou armazenada no chuveiro.

A economia também chegou no bolso de Vera Lúcia Lorenzi Damaso, proprietária do restaurante Zeffiro, na rua Frei Caneca, na Bela Vista (centro), que há cerca de três meses implantou uma série de mudanças no dia a dia. A água usada para lavar as verduras é reutilizada para pré-lavar talheres ou, então, para molhar as plantas; as toalhas de pano foram substituídas por toalhas de papel, e essas toalhas de papel são usadas para retirar os restos de comida dos pratos antes de colocá-los na lava-louças.

“Dá mais trabalho, sem dúvida, mas não tem mais jeito. Daqui para frente vai ser assim, acabou. Os funcionários incorporaram bem as novas ideias, e eu também dei um incentivo”, diz Vera. As mudanças impulsionadas pela crise hídrica fizeram com que a conta de água do Zeffiro passasse de quase R$ 4 mil para menos de R$ 3 mil por mês. Depois, com a conquista do bônus por economia anunciada pela Sabesp (Companhia de saneamento Básico do Estado de São Paulo), o valor da conta chegou a R$ 1.600.

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No restaurante Zeffiro, os pratos só vão para a lava-louças depois que os restos de comida são retirados com as toalhas de papel usadas nas mesas
Foto: Débora Melo / Terra

Outra adaptação foi a compra de mais quatro caixas d’água, o que fez com que o restaurante atingisse quase 10 mil litros em caixa. Com essa capacidade de abastecimento, o local nunca passou por problema de falta de água, o que tem sido cada vez mais frequente na região. “Eu estou fazendo isso (economizando) para contribuir mesmo, a falta de água vai persistir. Eu fico pensando nos meus filhos. No futuro deles não vai mais ter água”, prevê Vera, que tem três filhos adultos.

O palhaço Carlos Biaggioli, 50 anos, mora em um sítio em Parelheiros, no extremo da zona sul da capital, e tem a casa abastecida por água de poço artesiano. Como não depende da Sabesp, não tem sofrido falta de água, mas mesmo assim mudou diversos hábitos para economizar. 

“Por mais que isso doa, vamos deixar de lado a quem cabe a responsabilidade por essa crise hídrica pela qual a gente está passando, porque chegamos a um ponto em que temos que repensar a forma como utilizamos a água. O paulistano terá que repensar.”

O bar Pinheirinho, em Pinheiros (zona oeste), se viu obrigado a comprar galões de água para não deixar o cliente sem a possibilidade de lavar as mãos após usar o banheiro. De acordo com a proprietária Maria Albertina do Rosário, o abastecimento é cortado todos os dias por volta das 20h, desde o início de janeiro.

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Galão de água mineral é usado como "torneira" no bar Pinheirinho, em Pinheiros (zona oeste), onde a água é cortada diariamente após as 20h
Foto: Débora Melo / Terra

Grande São Paulo

A crise que hoje vai chegando a bairros centrais da capital paulista já atinge há meses a periferia, bem como cidades da Grande São Paulo. O contador Ronaldo Pellizzon, 56 anos, conta que falta água “dia sim, dia não” na Vila Galvão, em Guarulhos. E o problema não é recente: data do início de 2014, segundo ele.

“A gente fica sem água o dia inteiro. A água volta às 6h, às vezes 7h da manhã. Até lá, só água da caixa”, diz. Com a “restrição”, a família de Pelizzon se viu obrigada a mudar alguns hábitos. “Reduzimos muito o consumo do chuveiro, por exemplo. Banho agora tem que ser muito rápido. Também passei a comprar água para beber. Compro sempre um galão de cinco litros para ter uma reserva.”

Fonte: Terra
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