A Polícia Civil de Brotas, interior de São Paulo, investiga denúncia de abandono de 1.056 búfalos e outros animais na fazenda Água Sumida, zona rural do município. Em decorrência da fome e sede, ao menos 22 búfalos já morreram, segundo a denúncia. O dono da propriedade, Luiz Augusto Pinheiro de Souza, foi multado em R$ 2,1 milhões pela Polícia Militar Ambiental. Ele chegou a ser preso, acusado de maus-tratos, mas foi libertado após pagar fiança. O fazendeiro e uma ONG de proteção aos animais disputam a guarda dos búfalos.
A PM Ambiental foi à fazenda no dia 6 de novembro, após receber denúncia anônima, e encontrou 335 vacas do gênero Bubalus e 332 bezerros "confinados em um local pequeno e inadequado comparado ao número", segundo nota da corporação. Além disso, os animais estavam "sem alimentação, sem água, local desprovido de vegetação, debilitados, com ferimentos, sem atendimento médico veterinário, abandonados à própria sorte". A nota relatou ainda a presença de carcaças de animais que morreram recentemente e a existência de uma vala onde estavam depositados outros 22 búfalos mortos.
A PM Ambiental informou ter aplicado multa de R$ 2,13 milhões por maus-tratos, com o agravante pelo resultado morte. O artigo 29 da Resolução Sima 005/21, que dispõe sobre condutas infracionais ao meio ambiente, determina multa de R$ 3 mil por animal vítima de maus-tratos. O valor dobra se ocorre a morte do animal. A autuação serviu de base para a abertura de inquérito pela Polícia Civil para a apuração de crimes de maus-tratos a animais. No dia 11, o juiz Rodrigo Carlos Alves de Melo determinou a prisão do proprietário e concedeu tutela provisória à ONG Amor e Respeito Animal (Ara) para que os animais sobreviventes recebessem o tratamento necessário.
A ONG mobilizou outras entidades e conseguiu instalar um hospital de campanha na fazenda para examinar e tratar os búfalos, com apoio de equipes técnicas mobilizadas pelo Conselho Regional de Medicina Veterinária (CRMV-SP). Na última quinta-feira, 18, a juíza Marcela Machado Martiniano retirou a tutela provisória dada à ONG Ara e devolveu os animais ao proprietário da fazenda. Determinou ainda a remoção da barraca hospitalar e que apenas dez pessoas, incluindo veterinários e ativistas, adentrassem a propriedade. A juíza acatou o argumento da defesa do fazendeiro de que o excesso de pessoas e o aparato assustavam o rebanho de búfalos.
A decisão levou um grupo de ativistas a realizar um protesto, sábado, 20, na região central de Brotas. Com cartazes, os manifestantes pediam a manutenção da tutela dos animais com a ONG e do hospital de campanha na fazenda, já que a estrutura estava sendo usada para aplicar medicamentos e avaliar as condições de saúde dos animais. As organizações de defesa da causa animal abriram também uma campanha na internet para custear a alimentação e tratamento dos búfalos.
No domingo, 21, à tarde, o delegado Douglas Brandão do Amaral foi à fazenda e, após constatar que os animais continuavam sem água e alimento em quantidade suficiente, deu voz de prisão aos dois funcionários que estavam no local. O delegado lavrou auto de depósito declarando o presidente da ONG Ara, Nelson Alex Parente, como depositário de todos os animais - nova contagem apontou a existência de 1.056 búfalos e 72 equinos na propriedade. A ONG pediu também a transferência dos búfalos para fora da fazenda, mas a justiça ainda não deu o aval.
Defesa nega maus-tratos
O advogado do dono da fazenda, Celso Barbará da Silva, disse que o rebanho de bubalinos sempre foi tratado a pasto, mas as pastagens sofreram as consequências da maior seca em 90 anos que atingiu a região, além de duas geadas sucessivas. "Com isso, o gado emagreceu, mas não passou fome, pois foi alimentado com ração e outros insumos. Juntamos aos autos (do processo) 48 notas fiscais de alimentos comprados nos últimos meses. No sábado, foram compradas 22 toneladas, mas os funcionários foram impedidos de alimentar os animais pelo pessoal que está lá", afirmou.
Segundo ele, as mortes representam menos de 3% do total de animais e também aconteceram em outras fazendas da região devido à seca. "Nunca houve maus-tratos de animais na fazenda e a liminar que obtivemos dá direito a dez pessoas para acompanhar o trabalho lá, mas não para movimentar o gado como estão fazendo. Tocaram o gado para filmar, com um vereador querendo se aparecer, e os búfalos invadiram áreas arrendadas, plantadas com soja. Quem vai pagar o prejuízo?"
O defensor disse que esperava a soltura dos empregados presos durante a audiência de custódia, já que a prisão teria sido injustificada. "O delegado foi para o lado oposto ao local em que havia comida e água. Tem um bebedouro de 20 mil litros lá", disse. Ele entrou com habeas corpus preventivo para evitar nova prisão do dono da propriedade.
Pedido de guarda definitiva dos animais
A advogada Antília Reis, que defende as Ongs, disse que os animais voltaram a ficar sem comida e sem assistência veterinária no fim de semana e novos óbitos aconteceram. "Os animais estão depositados com a ONG Ara e vamos pedir que a guarda seja definitiva. Somos nós que estamos comprando a comida para os animais, nós que estamos cuidando."
O veterinário Maurice Gomes Vidal, que atua na defesa da causa animal, disse que os animais realmente passavam fome. "Em uma escala de 1 a 5, em que o valor maior significa que os animais estão bem tratados, as búfalas estavam com um escore corporal de 1,5, bastante baixo. Estavam com problemas renais por falta de água e de vitaminas. A seca não é desculpa: se não tem capim na fazenda, o dono tem de comprar outro alimento", disse.
Nas redes sociais, o caso teve grande repercussão. Personalidades e ativistas como Luana Piovani, Xuxa Meneghell e Luísa Mell fizeram postagens em defesa das búfalas de Brotas, que também ganharam site próprio na internet. O secretário de Agricultura de Brotas, Luiz Fernando Braz da Silva, informou que a prefeitura acompanha o caso dos búfalos desde o início e vem colaborando para que os animais sejam protegidos. "A área é privada e os animais estão sob a tutela da justiça. Estamos no aguardo de novas decisões judiciais e vamos apoiar no que for possível e legal", disse.
O Conselho Regional de Medicina Veterinária de São Paulo informou ter acionado as comissões técnicas de bem estar animal e medicina veterinária para dar suporte às ações das ongs em defesa dos animais da fazenda. Também divulgou nota pedindo doações de alimentos específicos, como silagem, feno, cana e capim, além de farelo de milho, para a alimentação dos búfalos que, devido ao grande número de animais, têm elevado consumo diário de alimentos e insumos.