O secretário municipal de Serviços e Obras, Marcos Penido, negou que tenha ocorrido falhas na demolição, ontem (23), de um imóvel que deixou três feridos na região da Cracolândia e atribuiu a culpa pelo "fato inusitado de existir uma entrada clandestina" no local que seria demolido - e que não foi visto por ninguém da prefeitura, inclusive ele, que disse ter vistoriado o local na manhã desta terça-feira.
A declaração foi dada em coletiva convocada emergencialmente na sede da prefeitura para explicar o acidente. "Há de se convir que é um fato inusitado ter um acesso clandestino no fundo de um estacionamento. Isso não é o normal. As pessoas também poderiam ter avisado porque estávamos lá desde hoje de manhã. Fui ao estacionamento e verifiquei que tinha três carros parados", disse. "Um acesso clandestino em um imóvel que tem toda a fachada fechada e a lateral exposta também fechada, realmente ter um acesso por trás, escondido, é inusitado, até pela própria condição do local".
O prefeito João Doria não participou da coletiva. A assessoria de imprensa disse que Doria estava cumprindo uma agenda e não poderia participar da entrevista em que foi explicado o desabamento do prédio na Cracolândia, que deixou três pessoas feridas. Um dos feridos teve que ser encaminhado a um pronto socorro na Barra Funda com suspeita de fratura, posteriormente descartada, segundo o secretário de Saúde, Wilson Polara. Os outras dois tiveram escoriações leves.
Além de Penido e Polara, participaram da entrevista os secretários Anderson Pomini (Justiça) e Filipe Sabará (Assistência e Desenvolvimento Social).
Surpreendido
Mais cedo, por volta das 14h, o prefeito convocou uma coletiva na Rua Dino Bueno, que não estava prevista em sua agenda. Quando chegou ao local, enquanto dava a entrevista, o prefeito foi surpreendido pela notícia do acidente. "Ainda não tenho [informações sobre o acidente]. Pedi para irem verificar se houve algum problema. Mas espero que não", disse ele a jornalistas.
Após falar com a imprensa, sem dar maiores detalhes sobre o acidente, o prefeito entrou no carro e deixou o local, sem falar com os moradores. Mais tarde, na coletiva com os secretários, Pomini disse que o prefeito, em razão de compromissos, precisou deixar o local. "Não houve a intenção do prefeito de se retirar daquele local. Ele tomou o cuidado de verificar se as pessoas realmente sofreram graves escoriações ou não. Eu fiquei no local. O prefeito, em razão de compromissos, após apurado que não houve gravidade, determinou que a equipe de médicos e a subprefeitura mapeassem o ocorrido e fizessem um relatório", disse.
Demolição
Segundo Penido, a prefeitura decidiu demolir todos os imóveis do quarteirão entre o Largo Coração de Jesus e a Rua Dino Bueno para evitar que eles voltem a ser ocupados pelo tráfico. "Os imóveis que estão vazios estão sendo sistematicamente invadidos e reinvadidos. Então, hoje estávamos desde a manhã identificando os imóveis vazios para que pudéssemos estar demolindo e abrindo uma frente de serviço para a implementação do novo projeto que será colocado neste local", disse. Nesse trabalho, explicou, a prefeitura identificou três imóveis que seriam demolidos hoje: no Largo Coração de Jesus, 21; no Largo Coração de Jesus, 35, na esquina com a Rua Dino Bueno, 118; e na Rua Dino Bueno, 138, onde ocorreu o acidente.
Os dois primeiros, segundo ele, são imóveis tombados, onde só poderia ser feita a demolição interna, mantendo-se a fachada. O outro, na Rua Dino Bueno, 138, é um imenso terreno, onde há um estacionamento, uma pensão e um terreno vazio. Segundo o secretário, uma retroescavadeira foi colocada no terreno vazio e iria demolir um muro.
No entanto, quando o trabalho ia ser iniciado e a retroescavadeira tocou no muro, os trabalhadores ouviram gritos de moradores dizendo que haviam pessoas ali, em uma casa ao lado. Mas já era tarde: parte do muro cedeu e caiu sobre essa casa, onde moradores dormiam.
"A máquina que fez o serviço era uma retroescavadeira e ela, com a parte de trás da pá, encostou no muro. No que encostou na parte de cima, essa parte caiu e houve o grito das pessoas que ali estavam e o serviço foi paralisado", disse, negando que a ação tenha ocorrido de forma muito apressada. "Temos que ter uma ação em um local extremamente vulnerável e em que, qualquer falha de ação nossa, o tráfico estará esperando para retomar o local. Temos que evitar o máximo locais vazios".
Providências adicionais
O secretário disse que as pessoas da região foram comunicadas sobre a demolição do prédio, que teria início às 14h. Para as próximas demolições, o secretário disse que serão tomadas "providências adicionais". "Será feita uma varredura no local, verificando ponto a ponto, se preciso, com marreta, para verificar se não há nenhum acesso clandestino para que possamos fazer as demolições, que são fundamentais por dois motivos: os imóveis vazios não podem abrigar o tráfico e nós iremos implantar um novo projeto no local, com habitação popular, de interesse social, um CEU [Centro Educacional Unificado] e uma creche".
O secretário disse que, após a prefeitura ter publicado decretos declarando o local de utilidade pública, as ações na região já poderiam ter sido tomadas, como ocorreu ontem, sem precisar de uma ação judicial para as demolições.
Bombeiros
Em entrevista na Rua Dino Bueno, após o acidente, o major Henguel Ricardo Pereira, do Corpo de Bombeiros, informou que "houve um colapso". "Parte de uma parede cedeu, de uma residência precária, e vieram a atingir pessoas que estavam nesses cômodos".
Segundo Pereira, havia várias pessoas no local no momento da demolição. "São habitações coletivas, com vários quartos e vários cômodos. Um ao lado do outro, em condições precárias", explicou. O local agora será interditado. "O local é bem precário e está em risco. Os moradores terão que sair do local e não tem mais como permanecer aqui", disse.
Moradores
Revoltados, os moradores da Rua Dino Bueno protestaram no local logo após o acidente. Com uma faixa em que escreveram: "Somos família, não lixo", eles criticaram a demolição dos prédios, principalmente sem aviso prévio.
"Não fomos avisados. O que ele [Doria] vai fazer com o pessoal daqui? Ele vai fazer o que com a gente? Era para ele tirar o pessoal da Cracolândia. Usuário, não trabalhador. Somos vítimas do Estado. Chego aqui e meus funcionários estão desesperados. E ele corre para lá. Cadê ele para dar uma solução para a gente?", questionou Valdete Emiliano, 36 anos, que aluga o imóvel, que segundo ela é um hotel, para várias pessoas.
Valdete diz que os moradores estavam dormindo quando a demolição começou. "Tem fogão, geladeira e tudo. Tinha 20 pessoas, com quartos todos alugados", disse. "Quero ver o prefeito me ressarcir. Pago água, luz, IPTU e tudo. Como é que ele vem e derruba meu imóvel?"
Rafhael Escobar, do movimento Craco Resiste, criticou a ação da prefeitura na região. "É basicamente isso. Ele está tentando acabar com a Cracolândia não sabendo que a Cracolândia não é um território. São pessoas. Eles querem limpar esse território para especulação imobiliária", disse.
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