O presidente do Metrô de São Paulo, Luiz Antonio Carvalho Pacheco, que assumiu o cargo há pouco mais de dois meses, admitiu nesta quarta-feira a existência de cartel (acordo ilegal, firmado entre empresas para evitar a concorrência e elevar preços de produtos e serviços), e falou que não teve interesse em ler as denúncias sobre a empresa. "Nunca tive acesso a essa documentação. E não tive curiosidade", disse Pacheco, acrescentando que a documentação envolvendo o Metrô tem 1,6 mil páginas.
Pacheco fez a declaração a deputados das comissões de Infraestrutura e de Transportes e Comunicações da Assembleia Legislativa de São Paulo, que o ouviram sobre as denúncias de formação de cartel, superfaturamento e pagamento de propina a agentes públicos que envolvem o Metrô. De acordo com o presidente, o cartel que foi formado durante as licitações de obras no Metrô é internacional.
"Toda a área metroviária é uma área muito fechada. São poucas empresas", disse. Segundo ele, a indústria ferroviária no País só foi formada há pouco tempo e, até então, quaisquer informações que chegavam sobre infraestrutura ferroviária era fornecida pelas mesmas empresas que formavam o cartel.
"Se elas, por ventura, estivessem organizadas na forma de um cartel internacional, as informações que nos chegam são as informações que elas têm. Não existia outro parâmetro para que o Metrô ou a CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) pudesse ter informações." Segundo Pacheco, o parâmetro só começou a mudar quando as empresas coreanas, chinesas e espanholas começaram a entrar no mercado brasileiro - o que, de acordo com ele, fizeram com que os preços caíssem.
Além de assumir a existência de cartel, Pacheco também admitiu que as empresas vencedoras de contratos do Metrô tenham subcontratado as que saíram derrotadas das licitações. "No contrato específico da Linha 2-Verde, as empresas que perderam os contratos foram subcontratadas. Isso é público", disse.
Ele criticou os aditamentos (acréscimos ou alterações) que são feitos aos contratos, como os que ocorreram em vários dos que foram firmados pela companhia. "Infelizmente, isso ocorre em contratos de forma geral. Mas isso é uma praga. Não sei o que levou a esses aditamentos."
De acordo com Pacheco, a providência tomada pela companhia foi aprovar, por meio da diretoria, que em todas as licitações a partir de agora seja proibido subcontratar empresas que tenham participado do processo licitatório. O governo paulista, de acordo com ele, também entrou com uma ação judicial contra a Siemens pedindo o ressarcimento dos valores que foram desviados com as licitações. Pacheco também disse que os contratos são atualmente objeto de investigação dos órgãos competentes, tais como Ministério Público, Polícia Federal, Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e a corregedoria e a procuradoria do governo estadual.
Segundo Pacheco, a companhia mantém hoje quatro contratos em andamento com a Siemens que estão sob investigação. Um deles, que se refere a uma licitação de sistema de sinalização de trens e controle de alimentação elétrica para a Linha 2-Verde do Metrô, está sendo investigado pelo Cade. O contrato, segundo ele, foi homologado em abril de 2005. "É um contrato no valor de R$ 143,6 milhões. Ele foi executado e hoje tem uma pendência de entrega de alguns equipamentos sobressalentes e existe uma retenção de um saldo a pagar no valor R$ 1,2 milhão", disse. No mesmo contrato, explicou, houve aditivos para aumentar o prazo e também para acréscimo no valor do contrato da ordem de R$ 18 milhões.
Os demais três contratos do Metrô com a Siemens, segundo o presidente, se referem à modernização de 25 trens, estabelecido em R$ 466 milhões, que ainda está em fase de execução; à instalação de dez subestações (duas delas entregues) e do pátio de manobra da Linha 1-Azul, de R$ 76 milhões, também em fase de execução; e, por último, de fornecimento e implantação de um sistema de alimentação elétrica auxiliar nas estações Vila Prudente e Oratório, estipulado em R$ 88 milhões, assinado em agosto de 2012.
Tumulto
A audiência com o presidente do Metrô foi bastante tumultuada. Teve início às 14h30 e terminou por volta das 19h10. O debate foi praticamente todo concentrado entre os deputados do PT (oposição) e do PSDB (situação), que chegaram a discutir aos gritos. O pedido de que fossem feitas cópias de documentos que foram apresentados pelo presidente do Metrô gerou mais tempo de discussão entre os deputados do que o tempo que foi destinado para que ele explicasse sobre as irregularidades.
Os deputados de oposição ao governo paulista tentam implantar uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) para investigar as denúncias de irregularidades no Metrô. Até o momento, a oposição conseguiu obter 27 das 32 assinaturas necessárias para a abertura da CPI. A maioria dos deputados da Alesp é aliado ao governo paulista.
O deputado estadual João Caramez, do PSDB, avalia que não é o momento para que uma CPI seja aberta na Casa. "Nós, da situação, achamos que não é o momento porque (o caso) está sendo investigado e não temos elementos suficientes para poder fazer arguições", disse.
De acordo com Caramez, os deputados da base do governo paulista não são contra a investigação. "Somos a favor (das investigações). Se houve qualquer conluio, de algum agente público, com certeza, será punido", falou. Para ele, a Alesp está cumprindo o seu papel por meio das comissões permanentes que têm convocado ou convidado pessoas para falarem sobre o caso, embora estas não tenham o mesmo poder da CPI.
O presidente da Comissão de Infraestrutura da Alesp, o deputado Alencar Santana Braga (PT), defende a criação de uma CPI na Casa. "O poder de investigação é por meio de uma CPI. A comissão (permanente) pode fazer determinada apuração e acompanhamento, mas não tem o poder de investigação das autoridades policiais como a CPI tem", disse.
Para o deputado petista, a CPI deveria ser instaurada já. "Se este não é o momento, qual é o momento? Se está mais do que latente as denúncias e se o próprio presidente do Metrô assume que o cartel existiu, qual o momento melhor? Quem fala o contrário, de fato não quer investigar", disse Santana.