Ainda nem é carnaval mas a quadra da Acadêmicos da Rocinha amanheceu lotada nesta terça-feira. Isso porque a prefeitura começou a entrega de mais de 1.000 títulos de legitimação de posse de imóveis na Rocinha, bairro mais populoso da cidade. “É a certidão de nascimento dos seus imóveis”, disse o prefeito Eduardo Paes, que fez a entrega de títulos a alguns dos moradores mais antigos da comunidade, como Teresinha Nascimento, que desde 1976 mora no local.
O prefeito prometeu que as coisas vão melhorar ainda muito mais com a chegada do metrô e de mais serviços da prefeitura e do governo do Estado. Porque, apesar da chamada pacificação com a chegada da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), pouca coisa mudou na comunidade. “A Rocinha precisa melhorar em tudo. As pessoas moram em casas sem ventilação. É tudo muito abafado”, conta Raimunda de Souza, 75 anos, desde 1960 no local.
Para Waldemar Souza, o título de posse vai apressar a chegada do serviços. “É só a gente ter paciência que as coisas chegam”, afirmou o morador com a pasta que lhe dá direito, dentro de cinco anos a ter a propriedade definitiva do imóvel. Laura Marcelino afirma que o título é algo com que sonhava, já que paga seus impostos. “E não são poucos. Taxa de incêndio, de lixo, de água de IPTU”, conta.
Apesar disso é possível ver que muita coisa ainda precisa ser feita. Uma volta rápida pela comunidade passando pela Via Ápia, Largo do Boiadeiro, é possível ver que a coleta de lixo ainda é deficiente, o emaranhado de fios elétricos ainda não se organizou e há cheiro de esgoto no ar. “Quando cheguei aqui era possível ver peixes nos córregos e podíamos deidxar tudo à vontade que ninguém pegava”, conta Raimunda.
Para o prefeito Eduardo Paes, a gentrificação, ou seja, a valorização de local com as melhorias e a saída quase que forçada das pessoas dos seus locais de origem por conta dos altos preços é algo inevitável. “Se as pessoas quiserem vender seus imóveis amanhã não podemos fazer nada. As cidades estão melhorando e não podemos deixar de fazer isso. Isso não acontece só no Rio. Acontece em Paris, Nova York”, disse, afirmando que o que a prefeitura pode fazer é criar áreas sociais onde se a moradia continue sendo subsidiada.
Clima estranho
Mas nem tudo é festa na Rocinha. Laura Marcelino está na comunidade desde 1959 e disse que o clima anda esquisito na comunidade. "Falo com minhas amigas que tudo anda muito esquisito nos últimos tempos. Nunca mexeram comigo, mas a gente sente”, diz, sobre o clima de guerra que voltou ao local mesmo com a UPP. “Eu moro no paraíso, mas quem mora mais para dentro anda sofrendo”, conta. “Em 1964 quando fomos invadidos pelo tráfico, muita gente passou fome porque não podia nem sair de casa, é que era pior do que está hoje”, conta.
Alguns moradores que preferem não se identificar contaram ao Terra que os tiroteios na comunidade voltaram a ser constantes.As mulheres aceitam falar mais abertamente, mas os homens têm mais medo de dar qualquer tipo de declaração. O imóvel eles já tem, a liberdade total é que ainda não chegou.