Representantes da sociedade civil organizada e do governo do Rio de Janeiro debateram nesta quarta-feira a criação do Centro de Saúde Integral para Travestis e Transexuais, previsto para o segundo semestre deste ano. O primeiro objetivo do centro será desafogar a fila de espera para cirurgias de transgenitalização, que hoje chegam a 300 pessoas no Estado. O coordenador do Programa Rio Sem Homofobia, Cláudio Nascimento, da Secretaria Social de Direitos Humanos, explicou que, com a nova estrutura, será possível acabar com a fila em dois anos.
“Se calculássemos a aplicação das cirurgias por ano, terminaríamos essa fila talvez em 2050 e as pessoas estariam mortas quando fossem chamadas para fazer a cirurgia. Por isso esse esforço para mudar essa lógica e criar uma estrutura que abarque as demandas mais complexas de saúde”, explicou. “O centro também proverá serviços como hormonoterapia, cirurgias plásticas e outras demandas da saúde em identidade de gênero”.
O Programa Transgenitalizador no Rio é feito somente no Hospital Pedro Ernesto, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Uerj), único centro público no Rio e um dos quatro únicos do País que fazem essas cirurgias. Desde 2003, são feitas em média cinco operações por ano. A ideia é transformar esse serviço em política pública de saúde com critérios definidos pelo Sistema Único de Saúde.
Em sessão extraordinária na tarde de quarta, o Conselho dos Direitos da População LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros) do Estado e movimentos sociais traçaram as principais diretrizes do centro. Ativistas e usuários do sistema fizeram demandas e tiraram dúvidas. Eles propuseram mais protagonismo dos usuários no controle da gestão do centro e na sugestão de ajustes de demandas e insumos. Outras preocupações diziam respeito às formas de garantir o tratamento pós-operatório e a cirurgia de construção de pênis para mulheres trans, que ainda é de caráter experimental no País e não é feito no Rio.
O microempreendedor Bruno Chaves, 28 anos, está na fila de espera para uma mastectomia desde 2013. Os exames que precisou fazer perderam a validade e agora ele faz campanha na internet para tentar angariar cerca de R$8 mil para fazer a cirurgia em um hospital particular. “Na teoria o centro é lindo, se existir vai ser perfeito, mas por enquanto não tenho expectativas”, disse.
O superintendente de Saúde da Uerj, Edmar Santos, explicou que a nova unidade pretende atender as novas demandas impostas pela política nacional sobre o tema. “Esta é uma parceria com outros órgãos, que deve ter financiamento de outros órgãos, pois não temos com fazer com recursos próprios. Se houver investimento, será possível fazer cerca de 40 cirurgias por semestre, considerando duas cirurgias por semana”.
O representante da Uerj lembrou dos papeis fundamentais da instituição, que precisam ser fortalecidos, que são capacitar profissionais e desenvolver conhecimento científico de pesquisa para melhorar as políticas de saúde. Atualmente, existem apenas três profissionais especialistas em cirurgias de transgenitalização no sistema público de saúde do Rio.
A ativista Kathyla Katheryne, 48 anos, esperou seis anos na fila para efetivar a cirurgia de trangenitalização feminina. “Há meninas que esperam até mais para fazer a cirurgia. Mas a portaria do Ministério da Saúde preconiza que essa espera seja de até dois anos”, disse. “O processo transexualizador no Brasil foi criado quase como um tropeço. O acaso gerou a construção de um projeto. O hospital aqui foi credenciado porque o médico fez um curso lá fora, mas não há aperfeiçoamento técnico para o aperfeiçoamento dessas cirurgias. E o Brasil não fabrica dilatadores vaginais”, acrescentou, ela ao explicar que a transexual precisa de dilatadores para manter aberto o canal vaginal feito pela cirurgia.
Os ativistas lamentaram que as políticas públicas e portarias do Poder Público voltadas para esse público tenham sido quase sempre consequência de cumprimento de decisões judiciais de indivíduos e grupos que se sentiram lesados pelo Estado, excluídos de direitos fundamentais.
Os recursos garantidos para o segundo semestre são de R$1,6 milhão, mas os órgãos envolvidos tentam por meio de articulações com os Ministérios da Saúde e do Planejamento e a Secretaria de Saúde do Rio viabilizar o projeto de forma permanente.