As áreas da saúde e da segurança estão entrando em colapso no Rio Grande do Sul, em função da estratégia de corte de despesas promovida pelo governo estadual. Na saúde, o desfalque a prefeituras e instituições ultrapassa R$ 600 milhões. Na segurança, os assaltos e roubos são denunciados pelos próprios policiais. Sem detalhar os números, o governador José Ivo Sartori (PMDB) argumenta que herdou uma situação de penúria do governo anterior (de Tarso Genro-PT) e que o déficit pulará do R$ 1,2 bilhão em 2014 para R$ 5,4 bilhões em 2015.
No comando de um orçamento de quase R$ 60 bilhões, o governo adotou o contingenciamento e, entre as medidas, tentou parcelar os salários de parte dos servidores. A iniciativa foi impedida por 20 ações judiciais de diferentes categorias do funcionalismo e, agora, representantes do Executivo tentam atrelar os cortes e atrasos nos repasses para saúde e prefeituras a essas decisões que garantiram o pagamento dos salários.
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“É totalmente equivocada a tentativa de transferir responsabilidades. Pagar salários em dia e garantir os serviços essenciais são obrigações constitucionais de todo gestor. O gestor teria condições de fazer o atendimento a população, uma vez que possui recursos para a manutenção do que é básico”, rebate o presidente do Conselho de Comunicação do Tribunal de Justiça (TJ-RS), desembargador Túlio Martins. Para o presidente da Abamf, entidade dos cabos e soldados da Polícia Militar gaúcha, Leonel Lucas, o governo insiste em colocar a responsabilidade nos servidores. "A verdade é que a Secretaria de Segurança não tem uma política e a sensação de insegurança é muito grande. Eu mesmo fui assaltado em março, levaram meus documentos e o carro, que não recuperei”, afirmou.
Até agora, o percentual divulgado pelo Executivo de gasto com a folha (de 75,5% da Receita Corrente Líquida) não fechou com o número do Tribunal de Contas do Estado (estimativa de 54%). O governo também não atualizou as projeções de déficit após a manutenção dos cortes, do calote a parte dos fornecedores promovido desde janeiro, e do incremento da receita previsto pelo aumento na tarifa de energia elétrica e na Cide. Conforme dados das distribuidoras de energia, só a arrecadação de ICMS deverá aumentar em R$ 1 bilhão em 2015 em função do aumento da tarifa.
Salários x Repasses
Em resposta à reportagem do Terra, por meio de nota a Casa Civil negou que haja inviabilização dos serviços públicos. Mas reafirmou que não pode quitar todos os compromissos na saúde em junho em função das ações judiciais que determinam o pagamento integral da folha dos servidores em dia. E lembrou que os hospitais receberam R$ 922 milhões em 2015 (sendo pelo menos 50% disso oriundos da União). Em relação à segurança, a Casa Civil informa que o reajuste das categorias terá impacto de R$ 355 milhões nos cofres do Estado em 2015, que há diversas ações para a melhoria dos indicadores, como a utilização de ‘inteligência’. Também destaca a apreensão de cinco toneladas de drogas neste ano.
Já a oposição acusa o governo de desmontar áreas essenciais para criar um colapso e, assim, conseguir apoio para medidas polêmicas, como retirar direitos de servidores, aumentar impostos e vender empresas sob o controle do Estado, entre elas a CEEE (energia elétrica), a Corsan (água e saneamento) e parte do banco do Estado, o Banrisul. O próprio Executivo ventila informações de que a alternativa das privatizações está em estudo, como forma de superar a crise. “Tudo isso é deliberado para criar o caos e conseguir apoio da população para propostas absurdas”, dispara o presidente da Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa, deputado Valdeci Oliveira (PT).
Saúde
Em março, o governo determinou por decreto a redução dos recursos do orçamento de 2015. Dados da Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa apontam que o corte reduziu os recursos previstos para a Atenção Básica de R$ 370 milhões para R$ 282 milhões em 2015. “Entre janeiro e junho deveriam ter sido pagos à Atenção Básica R$ 141 milhões, mas foram pagos R$ 44 milhões. Ou seja, o corte vai ser muito maior do que o determinado”, alerta o presidente da Comissão, deputado Valdeci Oliveira (PT).
Prefeituras, santas casas e hospitais filantrópicos descrevem o quadro como desesperador. As santas casas e filantrópicos respondem por 75% dos atendimentos do Sistema Único de Saúde (SUS) no RS, mas dados parciais de pesquisa encomendada pela federação dessas entidades apontam que instituições de 39 municípios tiveram que restringir o atendimento por falta de repasses. Em Porto Alegre, a Santa Casa de Misericórdia já fechou 41 leitos e prevê fechar um total de 118.
Episódio ocorrido na semana passada se tornou emblemático da crise. Desesperado por não conseguir leito para o filho de 8 anos, que sofre de uma doença rara, um pai se acorrentou em frente ao hospital da cidade de Alvorada, na região Metropolitana de Porto Alegre.
Os municípios apelam à Justiça para fazer com que o governo honre com os compromissos na saúde. O prefeito da capital, José Fortunati (licenciado do PDT), ingressou com mandado de segurança para garantir a integralidade dos repasses e, caso a ação seja indeferida, prevê diminuir os atendimentos públicos eletivos na rede hospitalar. Segundo ele, o governo estadual deixou de repassar R$ 31,3 milhões para a saúde em 2015, sendo R$ 7,8 milhões para atenção básica e R$ 23,5 milhões de média e alta complexidade. Somando aos valores devidos de 2014, o débito é de R$ 60,3 milhões. A prefeitura de Canoas, terceira maior do Estado, também cobrou os repasses na Justiça e obteve deferimento parcial da solicitação. A Federação das Associações dos Municípios (Famurs) cobra uma conta de R$ 235 milhões referentes ao ano de 2015, além de R$ 132,6 milhões de procedimentos feitos em 2014 que o governo também não pagou.
Em reunião na última semana entre representantes da Secretaria Estadual da Saúde e das santas casas e hospitais filantrópicos, não foi garantida a regularização dos repasses. Ficou definido que as instituições buscarão linha de crédito junto ao Banrisul no valor de R$ 450 milhões. “O governo afirma uma coisa, mas os fatos são outros. As alegações agridem e ferem a lógica”, afirma o presidente da Federação das Santas Casas, Francisco Ferrer.
A pedido do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde, o Ministério Público definiu no início do mês a abertura de um inquérito civil para apurar a queda nos repasses de recursos por parte do governo do Estado no âmbito da Capital e região Metropolitana.
Segurança
Entre os crimes que assustam o Estado neste ano estão execuções no trânsito, assaltos a bancos, ônibus e postos de gasolina e guerra promovida pelo tráfico de drogas, além de dois recentes assaltos a estudantes saindo de escolas, um deles com a morte da vítima. A Brigada Militar (PM gaúcha) tomou a iniciativa de realizar palestras em escolas para ensinar crianças e adolescentes a se protegerem. Com um efetivo de 20 mil homens (contabilizados bombeiros), a PM acusa um déficit de outros 17 mil. Na Capital, dados extra-oficiais da corporação indicam que não mais de 500 PMs atuam por turno.
O governo determinou redução de 40% nas horas extras dos policiais e suspendeu o chamamento de 2,6 mil aprovados em concurso para as polícias Militar e Civil. Pesquisa da Famurs feita em 238 cidades gaúchas apontou que em 60% delas há menos de dois policiais militares em atuação por turno. E que uma em cada dez tem até dois policiais de efetivo total.
Além dos cortes já promovidos, o governo agora tenta aprovar na Assembleia Legislativa uma Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) que congela despesas com pessoal em todos os poderes. Se passar, ela vetará os reajustes aprovados da área da segurança, escalonados até 2018. Em resposta, os policiais ameaçam paralisar suas atividades. Na semana passada eles fizeram uma manifestação com 10 mil participantes no Centro de Porto Alegre. Nesta terça, dia da votação da LDO, promoverão novo protesto.
Os policiais alertam ainda que pequenos municípios estão sem policiamento. “Antes, uma mesma viatura atendia a quatro ou cinco cidades. Agora, permanece sempre na cidade de origem e só desloca se houver ocorrência”, informa o presidente da Abamf, Leonel Lucas. Segundo ele, em função do corte no suprimento de gasolina, viaturas que antes rodavam 100 quilômetros por dia agora podem percorrer 40 quilômetros diários.
Chamem o Batman
No início de junho, após ser informado por jornalistas do jornal Correio do Povo e da Rádio Guaíba, via WhatsApp, sobre a ocorrência de assaltos no Parque da Redenção, o comandante do 9º Batalhão de Policia Militar, um dos maiores da Capital, ironizou: “Que chamem o Batman.” Duas semanas depois, durante uma entrevista à Rádio Gaúcha, o chefe de Polícia Civil afirmou que evita sair de casa à noite e parar na rua.
Desde março, ocorreram pelo menos cinco execuções no trânsito na Capital. Em uma delas, um homem foi morto com 20 disparos de submetralhadora dentro de um ônibus. A polícia vincula os crimes ao tráfico de drogas. No feriadão de Páscoa, a Polícia contabilizou 13 assaltos a terminais bancários no Estado. No feriado de 1º de maio foram mais oito. Dados da Abamf apontam que a cada seis dias sete postos de gasolina são assaltados na região Metropolitana de Porto Alegre.
A comunidade escolar também foi atingida pela escalada da violência. Um adolescente de 17 anos foi esfaqueado e morto durante um assalto quando voltava da escola, na noite de quinta-feira (dia 9), na cidade de Bento Gonçalves, na Serra gaúcha. Um dia antes, em Porto Alegre, um aluno foi gravemente ferido a facada em assalto ocorrido em frente a escola na avenida Ipiranga (uma das mais movimentadas da Capital). Funcionários da Carris, a empresa de ônibus que atende as regiões Leste e Sul da Capital, promovem paralisações temporárias de linhas em função do aumento no número de assaltos a ônibus.