Racionamento, restrição hídrica, diminuição da pressão, rodízio. São muitos os nomes que se pode dar para o desabastecimento em razão da crise hídrica em São Paulo. Mas a realidade, cada vez mais frequente na vida do paulistano, é uma só: está faltando água nas torneiras. “Tem dias que não tem água de manhã, tem dia que não tem à tarde e tem dia que falta o dia todo”, relatou Iélia Barbosa, auxiliar administrativo de um restaurante na Vila Madalena, bairro nobre da zona oeste paulistana. Comerciantes entrevistados pela Agência Brasil contam como têm driblado o problema da falta d'água e o que têm feito para reduzir o consumo.
No restaurante administrado por Iélia, a saída tem sido a caixa d'água. “Ela é suficiente para um dia. Já tivemos que comprar água. Usamos a da caixa para limpeza e a mineral para cozinhar”, declarou. Ela aponta que isso aumenta o custo das refeições, mas, por enquanto, o acréscimo não está sendo repassado para a clientela. De acordo com a Companhia Estadual de Saneamento Básico (Sabesp), a torneiras vazias não têm relação com racionamento, trata-se de uma diminuição de pressão da rede de distribuição. Os horários em que falta água, portanto, não são conhecidos. “Era melhor que tivesse uma agenda com os dias que vai ter e não vai ter”, propôs a auxiliar.
O geólogo Pedro Luiz Côrtes, professor da área ambiental da Universidade de São Paulo (USP) e do Mestrado em Gestão Ambiental da Universidade Nove de Julho, avalia que é fundamental manter a população informada. “A informação chega a conta-gotas. Isso é péssimo porque aumenta a insegurança sobre o que vai acontecer. Esta é uma crise que poderia ter sido minimizada se a população tivesse sido avisada com antecedência”, apontou. Ele defende que o governo estadual apresente à sociedade um plano com os cenários com os quais está trabalhando para a crise, o planejamento para cada um deles, como deve se dar a recuperação dos mananciais e as alternativas para o abastecimento.
Desde dezembro do ano passado, o desabastecimento é frequente no salão da cabeleireira Angelita Miranda, na Vila Madalena. “A gente não pode fazer química, porque precisa de mais água. A gente deixa de atender algumas clientes”, relatou ela que trabalha no local há 30 anos. Os tratamentos que requerem mais água já são feitos quando ela verifica que tem água suficiente. “Já tive que fazer permanente, que é um trabalho difícil, com pouca água. Sem previsão do que daria de resultado. A gente não pode deixar transparecer para o cliente”, relembrou. Para reduzir o consumo, ela passou a acumular as toalhas do salão para colocar juntas na máquina.
Também na zona oeste, no bairro Alto de Pinheiros, o lava-jato de Rodrigo Tavares enfrenta dificuldades com redução de 40% da clientela. “As pessoas deixaram de levar e aumentaram o prazo das lavagens. A frequência era em torno de 15 dias e agora aumentou para mais de 40”, informou. No estabelecimento, uma placa indica que não se usa água da Sabesp na lavagem dos carros. “Se não desse essa informação, o movimento ia cair mais ainda. Estamos na crise há seis meses”, completou. Cerca de 70% da água do lava-jato é de reúso, tratada por um sistema montado no próprio local. A água nova é retirada de um poço artesiano. Tavares precisou demitir três funcionários e aumentou em 14% o valor da lavagem.
Na zona leste, a lanchonete de Halisson Parente precisou fechar as portas uma vez por causa da falta d'água. “Já teve dias que a gente não estava preparado e faltou [água] o dia inteiro. O jeito foi deixar para o outro dia”, relatou. O estabelecimento, na Avenida Paes de Barros, na Mooca, funciona diariamente das 7h às 21h, mas todos os dias, a partir das 14h, o que sustenta o abastecimento é a caixa d'água. “Antes faltava a partir das 18h. Faz um tempo que vem racionando, mas agora, faz uns 20 dias, que às 14h para”, declarou. Para economizar, ele deixou de lavar o bar semanalmente. “Agora é só uma vez por mês e sem mangueira, é com balde”, informou.
O cenário é o mesmo na região central da cidade. A lavanderia de Manoel Matos está, pela primeira vez, terceirizando serviços. “Eu mando fazer serviço fora para lavar cobertor, edredons. Mando fazer lavagem a seco”, apontou o proprietário que trabalha há 38 anos no mesmo local. Ele conta que tem uma clientela cativa, mas está encontrando dificuldades para atender no prazo que fazia anteriormente. “Antes entregava com três dias, agora, são cinco, sete dias”, relatou. De acordo Matos, a situação piorou nos últimos 15 dias. “A água não está mais subindo para a caixa d'água. Não tem força. Estou pegando água com a mangueira aqui de baixo [da rua]”, declarou.