Sem máscaras, Rocinha faz protesto bem-humorado pelas ruas do Rio

26 jun 2013 - 00h19
(atualizado às 00h19)
<p>Ao passar pela favela do Vidigal, moradores da Rocinha ganharam adesão de diversos manifestantes no Rio</p>
Ao passar pela favela do Vidigal, moradores da Rocinha ganharam adesão de diversos manifestantes no Rio
Foto: Daniel Ramalho / Terra

O movimento que levou o brasileiro de volta às ruas, tônica do Brasil nos últimos dias, ganhou nesta terça-feira um reforço que dá um caráter ainda mais popular às manifestações: parte dos moradores da favela da Rocinha, a maior da América Latina, ganhou as ruas da zona sul cobrando especialmente promessas de políticos e melhorias na comunidade.

Cerca de 2,5 mil pessoas caminharam aproximadamente seis quilômetros entre a Rocinha, situada em São Conrado, e a porta da casa do governador Sérgio Cabral (PMDB), no Leblon, que tem um dos metros quadrados mais caros da cidade.

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Antes da manifestação, era inegável um clima de certa apreensão no ar por parte de policiais, jornalistas e comerciantes. Depois dos distúrbios em protestos na região central da capital fluminense na semana passada, havia o temor de que os moradores da comunidade, inflamados pelo chamado "despertar do gigante", pudessem tomar atitudes violentas semelhantes a de alguns manifestantes em protestos recentes.

O que se viu, no entanto, foi um cenário bem diferente do que muitos temiam. Apesar de uma certa desorganização do comando da passeata, os manifestantes fizeram o percurso de forma tranquila. E com um tom diferenciado em relação aos recentes protestos: muita irreverência.

"Sai do chão, sai do chão, quem é contra o Caveirão", pulava e gritava, de forma bem animada, a garotada que se manifestava na passeata. Mais do que gritar contra a PEC 37 ou pedir a saída de governantes, os que ali protestavam pleiteavam aquilo que estava ligado ao dia-a-dia deles. No exemplo acima, protestavam contra a repressão policial, ao se mostrarem contra o uso do veículo blindado da polícia, usado em violentas ações, geralmente em favelas.

Em um dos cartazes empunhados pelos manifestantes, lia-se PAC. Mas a menção era uma alusão negativa ao Programa de Aceleração do Crescimento do governo federal, que no Rio de Janeiro, tem na Rocinha uma das grandes vitrines. Para o manifestante, a sigla significa "Pão, Água e Circo". Reclamações contra as obras do PAC eram recorrentes no protesto.

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"Muitas obras do PAC estão atrasadas na Rocinha. Recentemente, a presidente Dilma anunciou a construção de um teleférico. Não somos ouvidos. Nossa prioridade é que tenhamos obras de saneamento. Ninguém nos consulta", afirmou a estudante Érica Santos, 21, uma das líderes do movimento.

Multidão tomou conta de ruas do entorno do apartamento de Sérgio Cabral, no Leblon, zona sul do Rio
Foto: Daniel Ramalho / Terra
Houve poucos gritos direcionados para políticos. Ao contrário das outras manifestações, quase não se ouviu críticas ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) ou ao prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PMDB).

A unanimidade negativa entre os manifestantes da Rocinha era o governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral (PMDB). Em diversos momentos, não faltaram xingamentos direcionados ao político. Para a presidente Dilma, a crítica veio de forma breve e curiosa, num grito que ainda não tinha sido ouvido nos protestos cariocas. "Ão, ão, ão, a Dilma é sapatão".

Músicas de funk que exaltam o favelado, como o "Rap da Felicidade", de Cidinho e Doca, também foram cantados. O tom irreverente da passeata aparecia constantemente. Quando os manifestantes passavam pelo Motel Vip`s, famoso por ter suítes com uma bela vista para o mar, o público não perdoou. "Ei, qual é a tua, sai do motel e vem pra rua", cantavam.

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Outra característica distinta das outras manifestações ocorridas foi a falta de pessoas com máscaras ou camisas cobrindo o rosto. Antes de a passeata começar, os líderes, com megafones, instruíam para que ninguém adotasse esse recurso. Uma pessoa que fotografava a manifestação, e que estava com um lenço no rosto, foi prontamente alertada pelos organizadores.

"Estamos aqui em paz. Vamos evitar cobrir o rosto. Vamos mostrar para o mundo que, apesar de o governo não ter investido, temos educação", discursava um dois manifestantes.

Não faltaram também críticas às condições da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) da Rocinha. Segundo os manifestantes, é comum não haver médicos para atender os pacientes que procuram o posto. A UPA é a principal vitrine da área de saúde do Governo Cabral.

A polícia fez a segurança com 150 homens. À frente do protesto, o tenente-coronel Luis Octávio Lopes da Rocha Lima dialogava o tempo todo com os líderes, pedindo que as pessoas respeitassem os limites impostos pela PM. Apesar da empolgação de muitos que insistiam em não respeitar a linha delimitada pela polícia, não houve qualquer incidente entre os manifestantes e os militares.Em determinado momento, um pequeno grupo começou a xingar um major que estava entre os policiais. Foram imediatamente contidos pela liderança do protesto.

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Depois de pouco mais de 1h30 de caminhada, a passeata chegou até a praia do Leblon, em frente à casa do governador. O clima pacífico continuou. Em tempos de batalha nas ruas, o morador da Rocinha deu uma aula de civilidade aos manifestantes brasileiros.

"Queremos mostrar que sabemos e podemos nos manifestar de forma pacífica. Queremos ampliar esse movimento, temos que reivindicar nossos direitos", resumiu Érica.

Protestos contra tarifas mobilizam população e desafiam governos de todo o País

Mobilizados contra o aumento das tarifas de transporte público nas grandes cidades brasileiras, grupos de ativistas organizaram protestos para pedir a redução dos preços e maior qualidade dos serviços públicos prestados à população. Estes atos ganharam corpo e expressão nacional, dilatando-se gradualmente em uma onda de protestos e levando dezenas de milhares de pessoas às ruas com uma agenda de reivindicações ampla e com um significado ainda não plenamente compreendido.

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A mobilização começou em Porto Alegre, quando, entre março e abril, milhares de manifestantes agruparam-se em frente à Prefeitura para protestar contra o recente aumento do preço das passagens de ônibus; a mobilização surtiu efeito, e o aumento foi temporariamente revogado. Poucos meses depois, o mesmo movimento se gestou em São Paulo, onde sucessivas mobilizações atraíram milhares às ruas; o maior episódio ocorreu no dia 13 de junho, quando um imenso ato público acabou em violentos confrontos com a polícia.

O grandeza do protesto e a violência dos confrontos expandiu a pauta para todo o País. Foi assim que, no dia 17 de junho, o Brasil viveu o que foi visto como uma das maiores jornadas populares dos últimos 20 anos. Motivados contra os aumentos do preço dos transportes, mas também já inflamados por diversas outras bandeiras, tais como a realização da Copa do Mundo de 2014, a nação viveu uma noite de mobilização e confrontos em São PauloRio de JaneiroCuritibaSalvadorFortalezaPorto Alegre e Brasília.

A onda de protestos mobiliza o debate do País e levanta um amálgama de questionamentos sobre objetivos, rumos, pautas e significados de um movimento popular singular na história brasileira desde a restauração do regime democrático em 1985. A revogação dos aumentos das passagens já é um dos resultados obtidos em São Paulo e outras cidades, mas o movimento não deve parar por aí. “Essas vozes precisam ser ouvidas”, disse a presidente Dilma Rousseff, ela própria e seu governo alvos de críticas.

Fonte: Terra
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