Quando a Federação Internacional de Futebol (Fifa) anunciou, em 2011, que o estádio em construção em Itaquera, zona leste paulistana, seria palco da abertura da Copa do Mundo, o metalúrgico Egnaldo Lima, 39 anos, já desconfiava que o evento não seria uma oportunidade para melhorar a vida no bairro. "Dá uma revolta. Não vejo nada que mudou aqui, pelo contrário. O aluguel ficou mais caro e o transporte está pior", declarou. No último sábado, Egnaldo, que é morador do bairro desde a infância, ocupou, junto com cerca de 1,5 mil famílias sem-teto, um terreno de 150 mil metros quadrados, a 4 quilômetros do chamado Itaquerão, o estádio do Corinthians. Ele diz que encontrou, finalmente, uma oportunidade com a Copa. "Essa ocupação, sim, foi algo positivo", apontou.
Ainda em estruturação, com barracos de madeira e lonas sendo montados, a ocupação foi batizada de Copa do Povo. "Escolhemos esse terreno justamente para dialogar com esses contrastes da Copa do Mundo. Bilhões são gastos com o evento e do outro lado temos milhares de pessoas sem moradia", explicou Josué Rocha, integrante do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), que organiza o grupo. Na manhã de hoje, a área ainda estava sendo loteada em pequenos espaços. "Só são permitidos barracos, pois a ideia não é formar uma nova favela. Queremos que sejam construídas moradias, com urbanização e outras melhorias", explicou.
Essa é a segunda maior ocupação do MTST em São Paulo, que coordena também as mais de 2,5 mil famílias que formam a Nova Palestina, na zona sul da capital paulista. Josué Rocha aponta que há um déficit de moradia muito grande na região e que, desde sábado, muitas famílias dos bairros vizinhos estão chegando para ocupar a área. "A Copa do Mundo fez com que o preço dos aluguéis duplicasse. E as famílias, que já moram em uma região distante do centro, estão sendo obrigadas a ir para mais longe, algumas para outras cidades, como Ferraz de Vasconcelos e Suzano", explicou. A ocupação Copa do Povo fica em frente ao Parque do Carmo e próximo ao Sesc Itaquera.
A diarista Josefa Soares, 48 anos, é uma das pessoas com dificuldades para pagar o aluguel no Jardim Helian. Por pressão do proprietário, o valor mensal deve passar de R$ 400 para R$ 600, em junho. "As casinhas que eram baratas não estão mais. Estão aproveitando a oportunidade. Quem tem, está fazendo isso com quem não tem", reclamou. Com uma renda de menos de R$ 1,2 mil por mês, ela tem que se desdobrar para pagar as contas. Quase todo salário é usado para pagar pela moradia. Além da dificuldade com o aluguel, Josefa conta que o trânsito piorou muito na região. "Tem muito desvio por causa das obras e a gente demora muito para sair do bairro e chegar no metrô", relatou.
Diariamente, os ocupantes participam de assembleias às 19h nas quais as decisões do acampamento são tomadas coletivamente, como a definição de regras de convivência. Josué explica que, nas próximas reuniões, eles devem se organizar em grupos, similar ao que ocorre na ocupação da zona sul. "Cada grupo divide as tarefas, escolhe um coordenador, a ideia é que cada um tenha uma cozinha", enumerou Josué. Por enquanto, a ocupação conta apenas com uma cozinha, onde estão sendo preparadas três refeições diárias para cerca de 600 pessoas.
Segundo movimento, o terreno é particular e está abandonado há mais de 20 anos. "Estava servindo como local de dispensa de entulho. Apuramos também que o proprietário tem que uma série de dívidas em relação aos impostos do terreno", declarou. Segundo Josué, a Polícia Militar (PM) fez uma ronda no local, mas a assessoria jurídica do movimento não identificou nenhum pedido de reintegração de posse até o momento. Ele informou ainda que representantes da Subprefeitura de Itaquera estiveram no local, e que os profissionais receberam solicitação de estruturas para a ocupação, como banheiros químicos e caçamba de lixo.
O prefeito Fernando Haddad disse hoje, após visitar o abrigo da Igreja Católica que está acolhendo imigrantes haitianos, na região central, que a situação do terreno está sendo investigada pela prefeitura. "Pedi para apurar a situação fiscal, quem é proprietário, se ele deve para prefeitura, se a área é passível de produção de moradia, porque pode não ser", declarou. Ele informou que é possível transformar o terreno em área de interesse social por meio do Plano Diretor, que ainda vai ser votado em segunda discussão na Câmara de Vereadores. Destacou, no entanto, que "tudo isso tem que ser analisado antes de qualquer resposta".
A proposta do movimento, segundo Josué, é que a área seja desapropriada e que moradias dignas sejam construídas no próprio local. "Caso não seja possível aqui, queremos mesmo é que essas famílias tenham direito à moradia digna", explicou o integrante do MTST.