Barulho de tiros, bombas e muita fumaça. Isso foi tudo o que Pedro* viu e ouviu quando a Polícia Militar entrou em confronto com manifestantes no protesto contra o aumento da tarifa do transporte público realizado na última sexta-feira em São Paulo. Ele não estava na linha de frente, então não entendeu exatamente como a confusão começou. Sabe apenas o final da história: sem motivo nenhum, ele foi detido, algemado e levado à delegacia ao lado de outras 50 pessoas.
Pedro, que trabalha como professor na capital, estava na Rua Matias Aires, próxima à Consolação, quando o tumulto aconteceu. Assim que a primeira bomba estourou, ele deu meia-volta e correu para a direção contrária da passeata. O gás lacrimogêneo, no entanto, afetou seus olhos e, sem enxergar direito, teve que receber ajuda de um garoto que tinha uma garrafa de vinagre. Ele se recuperou e percebeu que ao seu lado havia um jovem vomitando. Parou para resgatá-lo e foi imediatamente surpreendido.
“Os policiais chegaram empurrando com cassetetes, me prenderam e prenderam outros três: o menino que estava passando mal e duas pessoas que também tentavam ajudá-lo a se levantar. Não disseram nada, não explicaram por que estavam nos prendendo, apenas nos xingaram e nos mandaram ficar quietos e parados. Não houve acusação”, contou em entrevista ao Terra.
Ele, então, foi colocado em uma calçada onde estavam sentados outros detidos. O que chamou sua atenção é que alguns estavam algemados e outros estavam com as mãos soltas. O que determinava a diferença, de acordo com ele, era o “perfil” de cada um: entre os algemados, a maioria era de homens negros que vestiam roupas pretas (motivo pelo qual foram ligados a black blocs). “Ficou claro que a repressão está associada ao preconceito”, afirmou.
Em seguida, o professor foi encaminhado a um ônibus com cerca de 30 manifestantes. Um deles, isolado do restante, permaneceu o tempo inteiro com um pano no rosto. Ao invés de seguir direto para a delegacia, o veículo ficou rodando pela cidade por cerca de uma hora. E durante todo o trajeto, os policiais evitaram se comunicar.
“Eles não falavam muito. Eventualmente, ‘jogavam’ com a gente na tentativa de nos incriminar. Perguntavam: ‘foi você que bateu na polícia?’, ‘foi você que quebrou não sei o que?’. Coisas assim. A maioria era muito jovem, estava com medo”, contou.
Naquele momento, um dos policiais, aparentemente o chefe da corporação, fez uma ligação e ordenou – segundo o professor, em alto e bom tom – a um subordinado que os PMs que estavam na rua “acabassem com aquilo”. “Volta lá agora e acaba com isso, mete bomba nesses Zé Povinho”, gritou.
Pedro foi levado ao 78°DP, onde o grupo foi deixado no estacionamento por algumas horas. Três manifestantes foram liberados assim que chegaram, 39 foram chamados para prestar depoimento e 9 ficaram ali parados – incluindo ele. Por volta da 1h, agentes escolheram aleatoriamente mais 4 para liberar. O professor foi solto.
“Para soltar os lacres-algemas, um PM usou uma faca. Quando estava cortando o lacre de um rapaz ao meu lado, ele foi com força e cortou as costas dele, que teve que ser levado para o hospital”, disse.
No fim de semana, Pedro buscou materiais de colegas que pudessem ajudá-lo a entender a confusão da sexta-feira. Na internet, encontrou vídeos que, segundo ele, mostram que foi a polícia quem começou o confronto.
“Vi que eles começaram a jogar bombas, não fizeram nenhuma retaliação a uma suposta violência de manifestantes. Essa ordem é importante. A repressão veio primeiro; as pessoas começaram a quebrar coisas depois. E acho que vale ressaltar que nada disso foi uma decisão da polícia. A ordem é superior, vem do governo. Prefeitura ou Estado. O governo decidiu que não deveria haver manifestação. Decidiu que é melhor as pessoas terem medo de sair de casa. É uma estratégia”, disse. “Acontece que, em 2013, essa repressão fez com que os protestos aumentassem. Eles deveriam ter aprendido a lição de junho”, completou ele, que relatou o caso em seu blog.
Desde o protesto, a Polícia Militar tem sido questionada, especialmente nas redes sociais, sobre os supostos métodos truculentos que teria utilizado. Em resposta a um internauta no Twitter, alegou que “sobre polícia e futebol qualquer leigo se acha técnico”.
*Pedro é um nome fictício usado para preservar a identidade do entrevistado