A Prefeitura de São Paulo pagou R$ 869,6 milhões às empresas de transporte coletivo para compensar uma parte da frota de ônibus paralisada por causa da pandemia de coronavírus. O pagamento foi feito ao longo de 18 meses, entre março de 2020 e agosto deste ano, como forma de restituir perdas que as empresas tiveram com a redução de passageiros no período de distanciamento social. Os dados foram obtidos pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) via Lei de Acesso à Informação e repassados ao Estadão.
A compensação foi instituída para pagar despesas fixas, como salários, benefícios e encargos sociais dos funcionários das empresas de ônibus, e as despesas administrativas e de capital dos veículos, conforme portaria assinada em 17 de abril de 2020 pelo então secretário de Mobilidade e Transportes, Edson Caram. Segundo a SPTrans, responsável pela gestão do sistema, a medida garantiu a manutenção de 50 mil funcionários, entre motoristas, cobradores e fiscais.
Em todo o período em que o pagamento foi feito, cerca de 18% da frota de ônibus, em média, ficou paralisada: 2,3 mil veículos. Cada um custou, em média, R$ 705,70 por dia. A redução de passageiros chegou em alguns momentos a 50%, mas a queda oscilou ao longo do isolamento e dependia da região. Em fevereiro, quando ainda havia poucos vacinados, linhas das zonas leste e sul ficaram com número de passageiros próximo ao pré-pandemia, segundo levantamento do laboratório de visualização urbana MedidaSP.
O custo do sistema de transporte pressiona o Município neste fim de ano. Em novembro, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) afirmou em à Rádio Eldorado, do Grupo Estado, que seria "quase impossível não reajustar o preço da tarifa em 2022." Segundo ele, a principal razão para isso é a inflação acumulada durante os dois anos em que a tarifa não sofreu reajuste - a última vez foi em janeiro de 2020.
A manutenção do custo só seria possível se o preço do óleo diesel — usado majoritariamente na frota — voltasse ao patamar do início do ano, disse Nunes. Em 2020, a tarifa não foi reajustada e, no último ano, a inflação supera os 10%. Para evitar a escalada dos preços do transporte, prefeitos tentam buscar apoio do governo federal.
Ao Estadão, a SPTrans afirmou que o recurso repassado não se tratou de um valor extra criado pela pandemia, mas já previsto no contrato entre a Prefeitura e as empresas assinado no final de 2019. O documento estabelece que a prefeitura pague subsídios a partir do custo do serviço prestado pelas empresas. Como alguns custos são fixos, o pagamento foi mantido mesmo com os ônibus parados. "É importante salientar que a remuneração não foi feita para a frota ficar parada" diz a SPTrans, mas "para pagar as despesas com o pessoal afastado" e os "custos fixos dos veículos".
O critério para esta remuneração da frota parada, diz o órgão municipal, foi "considerar a quantidade de veículos que não operaram no dia, em comparação com a frota programada antes do início da situação de emergência". Assim, continua a SPTrans, "a empresa recebia menos de acordo com quantos coletivos não operavam".
Apesar de previsto no contrato com as empresas, o modelo que prevê pagamento mesmo com a frota parada ainda não estava em vigor no começo da crise da covid-19. Isso porque foi criado um período de transição entre o que havia antes, baseado no número de usuários, e o novo. Nessa transição, o contrato estabeleceu formato híbrido, que considera tanto o número de usuários quanto o custo de serviço. Com a publicação da portaria em abril de 2020, o híbrido continuou valendo para a frota que funcionou durante a pandemia, enquanto a fórmula de custo foi aplicada para os ônibus parados.
Por conta disso, a transferência por frotas paralisadas recebe críticas de parte da sociedade civil. "Como a remuneração paga ainda tem base no número de passageiros do sistema, o valor pago pela Prefeitura continuou na mesma faixa e ainda contou com a compensação na frota paralisada", avaliou o urbanista Rafael Drummond, membro do Conselho Municipal de Transporte e Trânsito.
Para Rafael Calabria, coordenador de Mobilidade do Idec, é como se houvesse dois subsídios com modelos diferentes durante a crise sanitária. Ele defendeu que haja só o modelo baseado nos custos da prestação de serviço das empresas. "O sistema já era subsidiado, e uma remuneração especial foi criada durante a pandemia. É importante que a base seja somente o custo da operação, e não o usuário", disse.
Sobre o aumento da tarifa, Rafael Calabria diz que o aumento da tarifa no cenário socioeconômico atual do País, com aumento da pobreza, causaria impacto alto entre os mais pobres que precisam do transporte público. "Isso levaria a uma queda ainda maior do número de passageiros, o que pode levar a subsídios maiores na prefeitura para arcar com os custos do sistema", afirmou.
Empresas dizem que demanda ainda está abaixo do normal
A SPUrbanuss, empresa que representa as empresas de ônibus, os "custos fixos são aqueles que não dependem de a frota estar em operação: depreciação, remuneração de capital, tributos, despesas administrativas". Por força do contrato, diz a entidade, "foram remunerados, basicamente, os custos de capital e mão de obra da frota retida nas garagens (30% dos salários, mais os benefícios, sendo que foram pagos 50% do vale-refeição), observando o programa de manutenção do emprego e renda do governo federal".
Ainda segundo a SPUrbanuss, "a demanda está em torno de 75% do período pré-pandemia e a oferta está na ordem de 90%, por determinação do poder concedente". Os recursos orçamentários são necessários, pois a arrecadação tarifária não cobre os custos da frota em operação.