'Tenho fé que vou ficar na minha casa', diz moradora que escapou por pouco de deslizamento em Petrópolis

Poucos passos separam o portão da vendedora Sheila Figueira do rastro de destruição na encosta do Morro da Oficina. Mesmo assim, ela não quer se mudar: 'Não tenho para onde ir'.

18 fev 2022 - 06h26
(atualizado às 07h27)
Sheila Figueira não quer se mudar: ‘Não tenho para onde ir'
Sheila Figueira não quer se mudar: ‘Não tenho para onde ir'
Foto: Rafael Barifouse/BBC News Brasil / BBC News Brasil

Sheila Figueira lembra da agitação dos vizinhos que ela costumava ver da janela da sua sala, em Petrópolis.

"Hoje, é esse vazio. Não tem mais nada aqui", diz ela, olhando para o que restou de uma parte da sua vizinhança no Morro da Oficina.

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Na noite de terça-feira (15/2), uma chuva excepcional que caiu sobre a cidade da região serrana do Rio provocou ali um deslizamento que arrastou e esmagou o que havia pela frente.

Várias dezenas de casas foram destruídas. De muitas construções que existiam ao redor de Sheila, só restam escombros.

"Ali, onde está aquela pedra, tinha duas casas. Lá mais pra cima, vivia uma família de oito pessoas", diz a vendedora de 49 anos bastante emocionada, enquanto observa as equipes de emergência vasculhando tudo em busca das vítimas, muitas vezes com a ajuda de parentes que sobreviveram à tragédia.

"Vou carregar essa imagem para o resto da minha vida."

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Vendedora vive terceiro desastre em Petrópolis

De muitas construções que existiam ao redor de Sheila, só restam escombros
Foto: Rafael Barifouse/BBC News Brasil / BBC News Brasil

Sheila conta que mora há 40 anos em Petrópolis e, no Morro da Oficina, há quase 30.

Ela se lembra do desastre de 1988 na cidade, que também foi causado pelas chuvas e matou 134 pessoas.

Na época, ela morava em outro bairro próximo dali, também em uma encosta.

"Aquele desastre atingiu a cidade toda, foi que nem a pandemia, não perdoou ninguém, pegou rico e pobre", conta a vendedora.

"Eu mesma fiquei isolada, porque caiu barreiras dos dois lados da minha casa."

Ela diz que escapou ilesa do grande desastre de 2011 em Petrópolis, quando tempestades na região serrana deixaram mais de 900 mortos.

Houve mais de 400 ocorrências por causa da tempestade, e a absoluta maioria delas foi por causa de deslizamentos
Foto: Rafael Barifouse/BBC News Brasil / BBC News Brasil

Desta vez, Sheila escapou por pouco. Um punhado de passos separa seu portão do rastro de destruição deixado pelo tsunami de lama e pedras que desceu o morro.

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Quem olha para o topo do Oficina consegue ver claramente como sua casa fica exatamente na reta do começo do deslizamento.

"Era para ter vindo em cima de mim certinho, mas fez uma curva."

Ela estava no trabalho quando o temporal caiu e, ao chegar em casa, soube da queda da barreira.

"Eu fiquei em choque. Falei: 'Meu Deus, tem muita gente ali embaixo."

Apego e dívidas

A Prefeitura de Petrópolis diz que a Defesa Civil e os Bombeiros estão trabalhando nas áreas onde há suspeita de vítimas.

A Prefeitura de Petrópolis diz que a Defesa Civil e os Bombeiros estão trabalhando nas áreas onde há suspeita de vítimas
Foto: Rafael Barifouse/BBC News Brasil / BBC News Brasil

Houve mais de 400 ocorrências por causa da tempestade, e a absoluta maioria delas foi por causa de deslizamentos.

Vistorias estão sendo feitas para avaliar os riscos estruturais em ruas e imóveis.

"Minha esperança é poder continuar na minha casa. Já disse que assino um termo de compromisso para ficar aqui. Tenho fé que não vou ter que sair", diz Sheila.

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Ela diz que não pretende ir embora do Morro da Oficina porque sua casa tem um valor sentimental. É um elo com uma pessoa importante que já se foi.

Também afirma que precisou trabalhar muito para conseguir comprar a sua casa e mais ainda para fazer três reformas.

A terceira, aliás, estava no meio do caminho quando a tragédia aconteceu.

"Comprei tudo a prazo", diz Sheila, apontando para o material de construção espalhado pelo chão. "Estou endividada. Nem sei como vai ser."

A quem se pergunta por que pessoas continuam a morar em áreas de risco mesmo depois de tantas tragédias, a vendedora dá algumas respostas.

"Claro que o mais importante é a vida, mas eu não tenho para onde ir", diz Sheila.

"O que eu ganho não é suficiente para pagar aluguel, e o aluguel social não paga os valores que pedem aqui em Petrópolis. Vou ficar de favor na casa dos outros?"

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'Não tem para onde correr'

Ela também não acredita que se mudar para outra parte da cidade adiantaria alguma coisa.

"Petrópolis é um vale. Ou você mora em uma encosta ou mora perto de um rio, onde a enchente leva tudo. Não tem pra onde correr", diz Sheila.

Mas, se for obrigada a abandonar sua casa, ela diz que prefere ver o imóvel de três andares ser demolido.

"Se for um risco para mim, não vai servir para ninguém. Por que vou deixar para outra pessoa correr esse risco ali?."

Questionado pela BBC News Brasil sobre as medidas tomadas para evitar tragédias como essa, o governo do Rio disse ter investido mais de R$ 300 milhões em ações relacionadas à prevenção de desastres e emergências na região serrana.

O governo do Rio afirmou ter adquirido e contratado mais de R$ 350 milhões em materiais e serviços como parte do plano de contingência para as chuvas de verão
Foto: Rafael Barifouse/BBC News Brasil / BBC News Brasil

O governo afirmou ter adquirido e contratado mais de R$ 350 milhões em materiais e serviços como parte do plano de contingência para as chuvas de verão.

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Mas Sheila não acredita que essas medidas vão mudar muita coisa.

"Olha lá aquelas pessoas na ponta do morro", diz ela indicando um apinhado de construções do lado oposto de onde ela vive no Oficina.

"Essa catástrofe vai continuar se repetindo porque as pessoas continuam construindo desgovernadamente. Elas não têm outro lugar para morar."

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