SÃO PAULO - O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) vai julgar na tarde desta quarta-feira, 24, o recurso de três policiais militares e de um guarda civil que foram condenados a mais de 720 anos de prisão, na soma das penas, por participar da maior chacina da história de São Paulo. A defesa contesta as provas que levaram à condenação dos agentes e pede anulação do julgamento de primeira instância.
A chacina aconteceu em agosto de 2015 e terminou com 17 mortos e sete feridos nas cidades de Osasco e Barueri, na Grande São Paulo. Desde o início da investigação, as suspeitas do crimes recaíram sobre agentes de segurança para vingar a morte de um PM e de um guarda municipal na região.
Uma força-tarefa da Secretaria da Segurança Pública (SSP) apontou como responsáveis pela chacina os soldados da PM Fabrício Emmanuel Eleutério e Thiago Barbosa Henklain, além do cabo Victor Cristilder Silva dos Santos e do guarda municipal de Barueri Sérgio Manhanhã. Todos alegam inocência.
Recolhidos no Presídio Militar Romão Gomes, na zona norte de São Paulo, os três policiais foram expulsos da corporação na semana passada pelo Comando da Polícia Militar. A decisão administrativa foi publicada às vésperas da análise do recurso na Justiça e deve ser explorada tanto pela acusação quanto pela defesa na ação criminal.
Em setembro de 2017, Eleutério, Henklain e Manhanhã foram levados a júri popular e condenados pelos crimes de homicídios qualificados e organização criminosa. Com o processo desmembrado, Cristilder foi julgado seis meses depois e também recebeu sentença, mas por menos assassinatos.
No recurso que será julgado por desembargadores da 7.ª Câmara Criminal do TJ-SP, a defesa de Cristilder diz que a principal prova contra o, agora, ex-PM foi obtida de forma ilegal, sem autorização da Justiça. Ele trocou "joinhas" por Whatsapp com o GCM Manhanhã em horários que coincidem com o início e o fim da chacina.
As mensagens haviam sido apagadas do celular após os ataques, mas a Polícia Civil conseguiu recuperá-las no aparelho do GCM através de um software. Por sua vez, a acusação sustenta que os dados não foram extraídos do celular de Cristilder, o condenado que contesta a prova, e que ele teria confessado a conversa com Manhanhã no seu interrogatório.
Em outubro, a procuradora de Justiça Iurica Tanio Okumura, do Ministério Público, deu parecer favorável ao recurso de Cristilder, concordando com a anulação do seu julgamento. As partes do processo afirmam que a prova que incrimina o ex-PM está umbilicalmente ligada à prova contra Manhanhã. Por isso, a decisão sobre um deve implicar sobre o outro.
Apesar do relatório, há expectativa que a Procuradoria-Geral do Ministério Público se manifeste em favor da condenação de todos durante o julgamento desta quarta.
Contra Eleutério, pesa o reconhecimento de uma testemunha protegida, o "Elias", que foi alvo de dois tiros no braço. Já Henklain foi denunciado pela testemunha "Gama", um familiar que teria ouvido de outro familiar sobre uma briga entre o policial e a mulher dele. As defesas contestam os relatos.
Caso a tese das defesas seja acolhida, os júris serão anulados e devem ser feitos novamente na primeira instância. Já na hipótese de o TJ-SP confirmar as sentenças, ainda cabe recurso a instâncias superiores.
Quem são os condenados
- Fabrício Emmanuel Eleutério: ex-soldado da Rota, condenado a 255 anos, 7 meses e 10 dias de prisão
- Thiago Barbosa Henklain: ex-soldado da Força Tática do 42.° Batalhão, condenado a 247 anos, 7 meses e 10 dias de prisão
- Victor Cristilder Silva dos Santos: ex-cabo do 20.º Batalhão, condenado a 119 anos, 4 meses e 4 dias de prisão
- Sérgio Manhanhã: comandante do Gite da GCM de Barueri, condenado a condenado a 100 anos e 10 meses de prisão
Júris foram marcados por clima de medo, exposição dos jurados e choro da juíza
Responsável por presidir os júris da chacina, a juíza Élia Kinosita Bulman, da 1.ª Vara Criminal de Osasco, chorou ao ler a sentença do primeiro julgamento, que condenou Eleutério, Henklain e Manhanhã. "Nós que trabalhamos com o Tribunal do Júri, trabalhamos com a dor", afirmou ao ler a decisão dos jurados. "A gente não se acostuma com as vidas perdidas na cidade."
Durante o julgamento, o clime foi de medo e houve ao menos dois momentos de tensão. No primeiro, um PM que já chegou a ser preso por suspeita de participar da chacina, e foi arrolado como testemunha de defesa, prestou depoimento virado para os sete jurados. No outro, um dos advogados citou, em voz alta, o nome de cada pessoa que fazia parte do Conselho de Sentença e, portanto, seria responsável por condenar ou absolver os réus.
Já no júri de Cristilder, a juíza pediu às partes que não colocassem as testemunhas de frente para os jurados e também não revelassem o nome de quem estava no Conselho de Sentença. O julgamento durou quatro dias, mas nos últimos dois a escolta foi feita por PMs da Corregedoria. Os policiais anteriores haviam ajudado advogados de defesa a encontrar uma prova que estava lacrada em sacos plásticos no meio do plenário.