Decisão do TJ-RS leva famílias de vítimas da Kiss a intensificar protestos

Revolta com decisão que concedeu a liberdade a quatro réus motivou passeata pelas ruas de Santa Maria

30 mai 2013 - 21h24
(atualizado às 21h24)
Manifestante usa megafone durante protesto em frente à Igreja das Dores, em Santa Maria
Manifestante usa megafone durante protesto em frente à Igreja das Dores, em Santa Maria
Foto: Luiz Roese / Especial para Terra

Antes da decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) decidir conceder a liberdade aos réus do processo da tragédia da Kiss, as manifestações pedindo por Justiça em Santa Maria (RS) eram ordeiras e com avisos prévios às autoridades. Nesta quinta-feira, foi diferente. Centenas de pessoas começaram um ato de protesto na praça Saldanha Marinho, no centro, e depois percorreram ruas e avenidas da cidade, trancando o trânsito em vários oportunidades.

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O ato começou por volta das 15h, na Saldanha Marinho. Não faltaram críticas à decisão do Judiciário. Um dos mais emocionados era Flávio José da Silva, pai de Andrielle Righi da Silva, que morreu na tragédia aos 22 anos. "Depois da palhaçada da Justiça, só rindo para esquecer. Tem que dar espaço a gente nova, tirar esse 'cacaredo' do tribunal", disse Flávio com a ajuda de um megafone.

Fátima Cardoso também se juntou à manifestação por causa do filho, Rogerio, que morreu na tragédia. "Fiquei tão indignada com a decisão da Justiça que não consegui dormir na noite passada. Foi uma vergonha, uma palhaçada."

Em meio aos protestos, era pedida a presença maciça de familiares na audiência da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara de Vereadores que investiga a tragédia, que será realizada às 9h desta sexta-feira. "Agora não adianta mais. Vai se criar a maior pizza de Santa Maria. Mas temos que estar lá para marcar posição", bradou Ildo Toniolo, pai de Leandra Toniolo, 23 anos.

Jarlene Moreira, 27 anos, mal consegue caminhar, mas fez questão de ir à manifestação. Com a ajuda de um andador, ela foi pedir justiça por causa do marido, o soldado Leonardo Lima Machado, 26 anos, que conseguiu tirá-la da Kiss no dia do incêndio, mas morreu ao voltar para tentar salvar mais gente. A jovem ainda passa por tratamentos de saúde e teve que providenciar o andador por conta própria. Os remédios que ela toma vieram graças à ajuda da Associação de Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM).

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Depois de manifestação inicial na praça Saldanha Marinho, os manifestantes trancaram o trânsito na esquina da avenida Rio Branco com a rua Venâncio Aires. Em seguida, começaram uma caminhada pela rua do Acampamento, que seguiu depois pelas avenidas Nossa Senhora da Medianeira e Nossa Senhora das Dores. Durante todo o percurso, eram gritadas palavras de ordem como "cadê o prefeito?" e "cadeia".

Nos cruzamentos, os manifestantes faziam paradas estratégicas para mostrar sua indignação. Em frente à Igreja Nossa Senhora das Dores, houve momentos de orações e palmas. O retorno ao centro foi pela rua Riachuelo.

O ato final foi no mesmo local de partida, a praça Saldanha Marinho. No megafone, o aviso era de que atos como o desta quinta-feira se repetiriam mais vezes. "A gente conseguiu transparecer que estamos unidos. Se os desembargadores dizem que não há mais clamor social em Santa Maria, vamos mostrar para eles", disse o presidente da AVTSM, Adherbal Ferreira.

A psicóloga Melissa Haigert Couto, diretora do Departamento de Voluntariado da Cruz Vermelha de Santa Maria, acompanhou toda a manifestação. Ela tem feito atendimentos a familiares de vítimas desde o dia da tragédia e tem uma explicação para a revolta: "os familiares, com essa decisão da Justiça, estão revivendo toda a dor. Neste momento, eles estão precisando colocar isso para fora".

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Nesta quinta também houve uma manifestação semelhante em Porto Alegre, encabeçada pelo movimento Santa Maria Do Luto à Luta.

Incêndio em boate deixa mais de 240 mortos; veja fotos:

Incêndio na Boate Kiss

Na madrugada do dia 27 de janeiro, um incêndio deixou 242 mortos em Santa Maria (RS). O fogo na Boate Kiss começou por volta das 2h30, quando um integrante da banda que fazia show na festa universitária lançou um artefato pirotécnico, que atingiu a espuma altamente inflamável do teto da boate.

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Com apenas uma porta de entrada e saída disponível, os jovens tiveram dificuldade para deixar o local. Muitos foram pisoteados. A maioria dos mortos foi asfixiada pela fumaça tóxica, contendo cianeto, liberada pela queima da espuma.

Os mortos foram velados no Centro Desportivo Municipal, e a prefeitura da cidade decretou luto oficial de 30 dias. A presidente Dilma Rousseff interrompeu uma viagem oficial que fazia ao Chile e foi até a cidade, onde prestou solidariedade aos parentes dos mortos.

Os feridos graves foram divididos em hospitais de Santa Maria e da região metropolitana de Porto Alegre, para onde foram levados com apoio de helicópteros da FAB (Força Aérea Brasileira). O Ministério da Saúde, com apoio dos governos estadual e municipais, criou uma grande operação de atendimento às vítimas.

Quatro pessoas foram presas temporariamente - dois sócios da boate, Elissandro Callegaro Spohr, conhecido como Kiko, e Mauro Hoffmann, e dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Luciano Augusto Bonilha Leão e Marcelo de Jesus dos Santos. Enquanto a Polícia Civil investiga documentos e alvarás, a prefeitura e o Corpo de Bombeiros divergem sobre a responsabilidade de fiscalização da casa noturna.

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A tragédia fez com que várias cidades do País realizassem varreduras em boates contra falhas de segurança, e vários estabelecimentos foram fechados. Mais de 20 municípios do Rio Grande do Sul cancelaram a programação de Carnaval devido ao incêndio.

No dia 25 de fevereiro, foi criada a Associação dos Pais e Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia da Boate Kiss em Santa Maria. A associação foi criada com o objetivo de oferecer amparo psicológico a todas as famílias, lutar por ações de fiscalização e mudança de leis, acompanhar o inquérito policial e não deixar a tragédia cair no esquecimento.

Indiciamentos

Em 22 de março, a Polícia Civil indiciou criminalmente 16 pessoas e responsabilizou outras 12 pelas mortes na Boate Kiss. Entre os responsabilizados no âmbito administrativo, estava o prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer (PMDB). A investigação policial concluiu que o fogo teve início por volta das 3h do dia 27 de janeiro, no canto superior esquerdo do palco (na visão dos frequentadores), por meio de uma faísca de fogo de artifício (chuva de prata) lançada por um integrante da banda Gurizada Fandangueira.

O inquérito também constatou que o extintor de incêndio não funcionou no momento do início do fogo, que a Boate Kiss apresentava uma série das irregularidades quanto aos alvarás, que o local estava superlotado e que a espuma utilizada para isolamento acústico era inadequada e irregular. Além disso, segundo a polícia, as grades de contenção (guarda-corpos) existentes na boate atrapalharam e obstruíram a saída de vítimas, a boate tinha apenas uma porta de entrada e saída e não havia rotas adequadas e sinalizadas para a saída em casos de emergência - as portas apresentavam unidades de passagem em número inferior ao necessário e não havia exaustão de ar adequada, pois as janelas estavam obstruídas.

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Já no dia 2 de abril, o Ministério Público denunciou à Justiça oito pessoas - quatro por homicídios dolosos duplamente qualificados e tentativas de homicídio, e outras quatro por fraude e falso testemunho. A Promotoria apontou como responsáveis diretos pelas mortes os dois sócios da casa noturna, Mauro Hoffmann e Elissandro Spohr, o Kiko, e dois dos integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Augusto Bonilha Leão.

Por fraude processual, foram denunciados o major Gerson da Rosa Pereira, chefe do Estado Maior do 4º Comando Regional dos Bombeiros, e o sargento Renan Severo Berleze, que atuava no 4º CRB. Por falso testemunho, o MP denunciou o empresário Elton Cristiano Uroda, ex-sócio da Kiss, e o contador Volmir Astor Panzer, da GP Pneus, empresa da família de Elissando - este último não havia sido indiciado pela Polícia Civil.

Os promotores também pediram que novas diligências fossem realizadas para investigar mais profundamente o envolvimento de outras quatro pessoas que haviam sido indiciadas. São elas: Miguel Caetano Passini, secretário municipal de Mobilidade Urbana; Belloyannes Orengo Júnior, chefe da Fiscalização da secretaria de Mobilidade Urbana; Ângela Aurelia Callegaro, irmã de Kiko; e Marlene Teresinha Callegaro, mãe dele - as duas fazem parte da sociedade da casa noturna.

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Fonte: Especial para Terra
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