Jovem que sobreviveu ao incêndio na Kiss volta a Santa Maria pela 1ª vez

Jéssica Duarte da Rosa perdeu o namorado na tragédia e ainda se recupera das queimaduras que sofreu

1 jun 2013 - 20h37
(atualizado às 20h44)
<p>Jéssica Rosa, que mora em Colombo (PR), foi a Santa Maria homenagear o namorado, morto na tragédia</p>
Jéssica Rosa, que mora em Colombo (PR), foi a Santa Maria homenagear o namorado, morto na tragédia
Foto: Luiz Roese / Especial para Terra

Este sábado foi um dia de reencontro entre uma jovem que sobreviveu ao incêndio na Boate Kiss, em 27 de janeiro, e a cidade de Santa Maria (RS). Foi a primeira vez que Jéssica Duarte da Rosa, 20 anos, voltou ao município depois de ter saído viva da tragédia. A garota, que mora em Colombo (PR), na região metropolitana de Curitiba, prestou homenagens ao namorado, Bruno Portella Fricks, 22 anos - ele chegou a ser retirado com vida da casa noturna, mas morreu em Porto Alegre seis dias depois.

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"Vim para Santa Maria para homenagear o Bruno e para reforçar que a tragédia não caia no esquecimento", disse a jovem. Jéssica reviu amigos e familiares de Bruno. Ela abandonou o curso de administração na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) para se mudar com os pais para o Paraná, e agora vai frequentar um curso pré-vestibular a partir de julho.

O detalhe é que Jéssica só vai assistir às aulas, sem poder escrever. Por causa das queimaduras que sofreu, ela mal consegue mexer o braço direito. A jovem também carrega marcas nas costas e nas pernas, resultantes do inferno vivido na boate em 27 de janeiro.

Jéssica ficou dois dias internada no Hospital de Pronto-Socorro (HPS) de Porto Alegre, e depois foi transferida para o Hospital Cristo Redentor. No total, foram 30 dias de internação, 25 deles em UTI. Hoje, ela tem um rotina que inclui fisioterapia respiratória e motora todos os dias, além de hidroterapia e consultas com pneumologista, nutricionista e nefrologista.

A jovem disse que não viajou a Santa Maria para participar de protestos por justiça. Mesmo assim, ela não deixou de opinar sobre o fato de quatro réus terem ganhado a liberdade após uma decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS). "É um absurdo. Tivemos 242 mortos e mais de 600 feridos, e ainda soltam os caras. Quantos precisam morrer para eles prenderem? Eu quero justiça, mas não só para aqueles quatro réus, mas também para a prefeitura e os bombeiros", disse Jéssica.

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Ela concluiu dizendo que o episódio da Kiss deve servir de lição para todos que saem à noite. "Não é para deixar de sair, mas se conscientizar de onde está indo", afirmou. Jéssica também visitou o Cemitério Santa Rita, onde Bruno foi sepultado.

O namorado de Jéssica morreu no dia 2 de fevereiro, no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, mas Jéssica só ficou sabendo sobre a morte de Bruno após cerca de 15 dias, depois de acordar e perguntar por ele. O rapaz havia se formado em administração em 2012 e trabalhava na empresa América Latina Logística (ALL), em Santa Maria.

Um grupo de mais de 100 pessoas foi a Santa Maria para homenagear Bruno. Havia pessoas dos municípios gaúchos de Westfália, Júlio de Castilhos e Novo Hamburgo. Todos fizeram uma caminhada silenciosa da praça Saldanha Marinho até a Catedral Metropolitana, no centro de Santa Maria. No local, foi realizada uma missa em memória do rapaz. Para a celebração religiosa, familiares e amigos levaram rosas em homenagem a Bruno.

Rosane Portella Fricks, mãe do jovem, não quis participar de outra caminhada que familiares de vítimas da tragédia fizeram na tarde deste sábado, para pedir justiça. "Eu quero justiça, sim, não só para os quatro que estavam presos, mas o pacote todo (prefeitura de Santa Maria e bombeiros). Mas hoje, eu quero fazer uma homenagem com amor. Porque o Bruno era muito amor", disse Rosane.

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A mãe de Bruno passou os dias seguintes ao lado dele no Hospital de Clínicas de Porto Alegre. O jovem morreu no sábado, 2 de fevereiro, mas ela teve a oportunidade de se despedir de Bruno dois dias antes. "Na quinta-feira, conversei com o Bruno, e ele fazia sinal com a cabeça. Disse para ele que fosse em paz, que um dia nós iríamos nos encontrar, mas que, neste momento, minha missão era ficar aqui, para cuidar do pai e da irmã dele", revela Rosane.

Familiares de vítimas caminham por ruas do centro

Desde o início da tarde deste sábado, familiares de vítimas da tragédia se concentraram na praça Saldanha Marinho para pedir punição aos responsáveis pelo incêndio. Depois, eles saíram em caminhada por ruas do centro. Alguns parentes usavam tarjas na boca como forma de protesto - familiares e o advogado da Associação de Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM) não puderam se manifestar durante a sessão da 1ª Câmara Cível do TJ-RS em que foi concedida a liberdade aos réus do processo criminal da tragédia.

A caminhada foi silenciosa. A intenção dos organizadores foi destacar que os familiares das vítimas da tragédia são pessoas ordeiras, que não participam de ato de baderna e vandalismo. Na próxima quarta-feira, às 17h, os manifestantes pretendem bloquear a BR-158, em Santa Maria, em outro protesto por punições aos responsáveis pela tragédia.

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Incêndio na Boate Kiss

Na madrugada do dia 27 de janeiro, um incêndio deixou 242 mortos em Santa Maria (RS). O fogo na Boate Kiss começou por volta das 2h30, quando um integrante da banda que fazia show na festa universitária lançou um artefato pirotécnico, que atingiu a espuma altamente inflamável do teto da boate.

Com apenas uma porta de entrada e saída disponível, os jovens tiveram dificuldade para deixar o local. Muitos foram pisoteados. A maioria dos mortos foi asfixiada pela fumaça tóxica, contendo cianeto, liberada pela queima da espuma.

Os mortos foram velados no Centro Desportivo Municipal, e a prefeitura da cidade decretou luto oficial de 30 dias. A presidente Dilma Rousseff interrompeu uma viagem oficial que fazia ao Chile e foi até a cidade, onde prestou solidariedade aos parentes dos mortos.

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Os feridos graves foram divididos em hospitais de Santa Maria e da região metropolitana de Porto Alegre, para onde foram levados com apoio de helicópteros da FAB (Força Aérea Brasileira). O Ministério da Saúde, com apoio dos governos estadual e municipais, criou uma grande operação de atendimento às vítimas.

Quatro pessoas foram presas temporariamente - dois sócios da boate, Elissandro Callegaro Spohr, conhecido como Kiko, e Mauro Hoffmann, e dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Luciano Augusto Bonilha Leão e Marcelo de Jesus dos Santos. Enquanto a Polícia Civil investiga documentos e alvarás, a prefeitura e o Corpo de Bombeiros divergem sobre a responsabilidade de fiscalização da casa noturna.

A tragédia fez com que várias cidades do País realizassem varreduras em boates contra falhas de segurança, e vários estabelecimentos foram fechados. Mais de 20 municípios do Rio Grande do Sul cancelaram a programação de Carnaval devido ao incêndio.

No dia 25 de fevereiro, foi criada a Associação dos Pais e Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia da Boate Kiss em Santa Maria. A associação foi criada com o objetivo de oferecer amparo psicológico a todas as famílias, lutar por ações de fiscalização e mudança de leis, acompanhar o inquérito policial e não deixar a tragédia cair no esquecimento.

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Indiciamentos

Em 22 de março, a Polícia Civil indiciou criminalmente 16 pessoas e responsabilizou outras 12 pelas mortes na Boate Kiss. Entre os responsabilizados no âmbito administrativo, estava o prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer (PMDB). A investigação policial concluiu que o fogo teve início por volta das 3h do dia 27 de janeiro, no canto superior esquerdo do palco (na visão dos frequentadores), por meio de uma faísca de fogo de artifício (chuva de prata) lançada por um integrante da banda Gurizada Fandangueira.

O inquérito também constatou que o extintor de incêndio não funcionou no momento do início do fogo, que a Boate Kiss apresentava uma série das irregularidades quanto aos alvarás, que o local estava superlotado e que a espuma utilizada para isolamento acústico era inadequada e irregular. Além disso, segundo a polícia, as grades de contenção (guarda-corpos) existentes na boate atrapalharam e obstruíram a saída de vítimas, a boate tinha apenas uma porta de entrada e saída e não havia rotas adequadas e sinalizadas para a saída em casos de emergência - as portas apresentavam unidades de passagem em número inferior ao necessário e não havia exaustão de ar adequada, pois as janelas estavam obstruídas.

Já no dia 2 de abril, o Ministério Público denunciou à Justiça oito pessoas - quatro por homicídios dolosos duplamente qualificados e tentativas de homicídio, e outras quatro por fraude e falso testemunho. A Promotoria apontou como responsáveis diretos pelas mortes os dois sócios da casa noturna, Mauro Hoffmann e Elissandro Spohr, o Kiko, e dois dos integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Augusto Bonilha Leão.

Por fraude processual, foram denunciados o major Gerson da Rosa Pereira, chefe do Estado Maior do 4º Comando Regional dos Bombeiros, e o sargento Renan Severo Berleze, que atuava no 4º CRB. Por falso testemunho, o MP denunciou o empresário Elton Cristiano Uroda, ex-sócio da Kiss, e o contador Volmir Astor Panzer, da GP Pneus, empresa da família de Elissando - este último não havia sido indiciado pela Polícia Civil.

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Os promotores também pediram que novas diligências fossem realizadas para investigar mais profundamente o envolvimento de outras quatro pessoas que haviam sido indiciadas. São elas: Miguel Caetano Passini, secretário municipal de Mobilidade Urbana; Belloyannes Orengo Júnior, chefe da Fiscalização da secretaria de Mobilidade Urbana; Ângela Aurelia Callegaro, irmã de Kiko; e Marlene Teresinha Callegaro, mãe dele - as duas fazem parte da sociedade da casa noturna.

Fonte: Especial para Terra
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