Marcha para lembrar um ano da Boate Kiss tem MP como alvo de revolta

Familiares e amigos de vítimas da tragédia em Santa Maria encontraram o Ministério Público fechado e com segurança reforçada em dia de luto

27 jan 2014 - 10h49
(atualizado às 16h10)
<p>Oclides Bairro perdeu duas sobrinhas e o marido de uma delas na tragédia de 27 de janeiro de 2013</p>
Oclides Bairro perdeu duas sobrinhas e o marido de uma delas na tragédia de 27 de janeiro de 2013
Foto: Marcelo Becker / Terra

Após cerca de uma hora de caminhada, aproximadamente 100 pessoas - entre familiares e amigos de vítimas da Boate Kiss - chegaram à sede do Ministério Público (MP) em Santa Maria, onde fizeram um protesto na manhã desta segunda-feira para marcar o primeiro ano da tragédia que matou 242 pessoas em 27 de janeiro de 2013.

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Ao chegarem ao local, porém, os manifestantes encontraram as portas fechadas, e um grande aparato policial garantindo a segurança na região. Descontentes com o andamento do processo que tramita na Justiça para apurar a responsabilidade criminal pela tragédia e a indenização às vítimas, eles consideram a atuação do MP como uma das principais causas daquilo que avaliam como impunidade aos responsáveis pelo incêndio, ocorrido há um ano.

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Mesmo cansados após passar a madrugada inteira fazendo vigílias em frente à Boate Kiss, os cerca de 100 manifestantes faziam barulho desde cedo na rua dos Andradas, que foi bloqueada por agentes de trânsito. Pelo menos 12 voluntários da Cruz Vermelha davam suporte médico e psicológico às famílias. "A maioria dos atendimentos ocorridos durante a madrugada foi por cansaço mesmo, por puro esgotamento físico. Tem muita família que está emendando direto, todos os últimos dias", disse o voluntário Valério Moraes.

Marilene Bueno não estava na manifestação, mas chorou quando a marcha passou pela loja dela
Foto: Marcelo Becker / Terra

Com meia hora de atraso, os manifestantes saíram em marcha por volta das 8h30 desta segunda-feira e seguiram pela rua Rio Branco, onde pararam em frente à prefeitura. Os manifestantes se sentaram no chão por cerca de cinco minutos, aos gritos de "justiça!", e tocaram tambores improvisados - feitos com galões de água. Ao longo do caminho, distribuíram balões brancos e adesivos. Uma viatura e alguns policiais militares acompanharam a caminhada.

Durante todo o trajeto, muitos gritos foram entoados pelos presentes. "Acorda, Santa Maria!", "E se fosse um filho teu?" estavam entre os slogans proferidos. "Somos o povo, e a Justiça nós vamos conquistar" e "aqui chega de rolo, o MP tem fatia nesse bolo" - demonstrando, novamente, revolta com o andamento do processo no Ministério Público - também estavam nas vozes dos familiares. 

Parentes relatam dor da perda, um ano depois

Um dos presentes na manifestação, Oclides Bairro perdeu duas sobrinhas e o marido de uma delas na tragédia de 27 de janeiro de 2013. Greicy, 18 anos, e Patrícia, 27 anos - além do marido dela, Júnior, 31 anos - estão entre os 242 mortos no incêndio há um ano. O casal deixou um filho de 6 anos, que agora é cuidado pelos avós.

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Charge mostra o Ministério Público, ao lado do prefeito Cezar Schirmer (PMDB), do Corpo de Bombeiros e de vereadores, calando os protestos por justiça
Foto: Marcelo Becker / Terra

"Trazer eles de volta a gente não vai conseguir, mas nós queremos, com essa manifestação, que pelo menos tenhamos justiça, que os responsáveis paguem pelo que fizeram", disse Oclides, emocionado. Durante a marcha, ele carregava um banner com uma imagem dos três entes que perdeu.

Um ano da boate Kiss
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A representante comercial Marilene Bueno não estava na manifestação, mas chorou quando a marcha passou pela loja que ela mantém em Santa Maria. "A gente fica muito sensibilizado. Passou um ano, e a tragédia ainda está marcada na cidade. É muito doloroso", desabafou ela, que disse ter perdido muitos amigos na tragédia.

Flávio Silva, um dos líderes do movimento Luto à Luta, que liderou a marcha, perdeu a filha Andrielly na tragédia. Para ele, "a marcha vai cumprir o seu papel". "Nós vamos até o MP cobrar que eles façam o trabalho deles. Agora eles têm que ter um pingo de respeito e se julgar incapacitados de tocar o processo", afirmou.

No MP, portas fechadas e promessa de novos atos

Por volta das 9h30, o grupo chegou à sede do MP, destino final da marcha. Diante das portas fechadas e do grande número de policiais posicionado nas proximidades, alguns manifestantes entoaram gritos com críticas ao Ministério Público, cobrando uma atuação mais firme contra os réus. Os líderes do movmento, porém, foram informados pelo MP de que as portas estavam fechadas porque o expediente só começaria às 12h.

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"O MP é público, quem não deve não teme", gritava uma manifestante equipada com um megafone. Imediatamente, o grupo cantou em coro: "se a Justiça demorar, o MP vamos ocupar".

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Para Flávio Silva, o reforço policial não interferiu na manifestação, "que era pacífica desde o princípio". "Para nós, não muda nada o reforço policial, a gente entende até como uma proteção para nós", disse o membro do grupo, que estudava a possibilidade de "dar uma passadinha na prefeitura" em seguida. Devido à exaustão dos familiares das vítimas, porém, a manifestação rapidamente foi dispersada.

No entanto, os líderes do movimento prometeram seguir com a mobilização. Nós estamos colhendo assinaturas para entregar ao Ministério Público na próxima vez que eles aceitarem nos receber. Nós vamos até o fim." 

Incêndio na Boate Kiss

Na madrugada do dia 27 de janeiro, um incêndio deixou 242 mortos em Santa Maria (RS). O fogo na Boate Kiss começou por volta das 2h30, quando um integrante da banda que fazia show na festa universitária lançou um artefato pirotécnico, que atingiu a espuma altamente inflamável do teto da boate.

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Com apenas uma porta de entrada e saída disponível, os jovens tiveram dificuldade para deixar o local. Muitos foram pisoteados. A maioria dos mortos foi asfixiada pela fumaça tóxica, contendo cianeto, liberada pela queima da espuma.

Os mortos foram velados no Centro Desportivo Municipal, e a prefeitura da cidade decretou luto oficial de 30 dias. A presidente Dilma Rousseff interrompeu uma viagem oficial que fazia ao Chile e foi até a cidade, onde prestou solidariedade aos parentes dos mortos.

Os feridos graves foram divididos em hospitais de Santa Maria e da região metropolitana de Porto Alegre, para onde foram levados com apoio de helicópteros da FAB (Força Aérea Brasileira). O Ministério da Saúde, com apoio dos governos estadual e municipais, criou uma grande operação de atendimento às vítimas.

Quatro pessoas foram presas temporariamente - dois sócios da boate, Elissandro Callegaro Spohr, conhecido como Kiko, e Mauro Hoffmann, e dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Luciano Augusto Bonilha Leão e Marcelo de Jesus dos Santos. Enquanto a Polícia Civil investiga documentos e alvarás, a prefeitura e o Corpo de Bombeiros divergem sobre a responsabilidade de fiscalização da casa noturna.

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A tragédia fez com que várias cidades do País realizassem varreduras em boates contra falhas de segurança, e vários estabelecimentos foram fechados. Mais de 20 municípios do Rio Grande do Sul cancelaram a programação de Carnaval devido ao incêndio.

No dia 25 de fevereiro, foi criada a Associação dos Pais e Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia da Boate Kiss em Santa Maria. A associação foi criada com o objetivo de oferecer amparo psicológico a todas as famílias, lutar por ações de fiscalização e mudança de leis, acompanhar o inquérito policial e não deixar a tragédia cair no esquecimento.

Indiciamentos

Em 22 de março, a Polícia Civil indiciou criminalmente 16 pessoas e responsabilizou outras 12 pelas mortes na Boate Kiss. Entre os responsabilizados no âmbito administrativo, estava o prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer (PMDB). A investigação policial concluiu que o fogo teve início por volta das 3h do dia 27 de janeiro, no canto superior esquerdo do palco (na visão dos frequentadores), por meio de uma faísca de fogo de artifício (chuva de prata) lançada por um integrante da banda Gurizada Fandangueira.

O inquérito também constatou que o extintor de incêndio não funcionou no momento do início do fogo, que a Boate Kiss apresentava uma série das irregularidades quanto aos alvarás, que o local estava superlotado e que a espuma utilizada para isolamento acústico era inadequada e irregular. Além disso, segundo a polícia, as grades de contenção (guarda-corpos) existentes na boate atrapalharam e obstruíram a saída de vítimas, a boate tinha apenas uma porta de entrada e saída e não havia rotas adequadas e sinalizadas para a saída em casos de emergência - as portas apresentavam unidades de passagem em número inferior ao necessário e não havia exaustão de ar adequada, pois as janelas estavam obstruídas.

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Já no dia 2 de abril, o Ministério Público denunciou à Justiça oito pessoas - quatro por homicídios dolosos duplamente qualificados e tentativas de homicídio, e outras quatro por fraude e falso testemunho. A Promotoria apontou como responsáveis diretos pelas mortes os dois sócios da casa noturna, Mauro Hoffmann e Elissandro Spohr, o Kiko, e dois dos integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Augusto Bonilha Leão.

Por fraude processual, foram denunciados o major Gerson da Rosa Pereira, chefe do Estado Maior do 4º Comando Regional dos Bombeiros, e o sargento Renan Severo Berleze, que atuava no 4º CRB. Por falso testemunho, o MP denunciou o empresário Elton Cristiano Uroda, ex-sócio da Kiss, e o contador Volmir Astor Panzer, da GP Pneus, empresa da família de Elissando - este último não havia sido indiciado pela Polícia Civil.

Os promotores também pediram que novas diligências fossem realizadas para investigar mais profundamente o envolvimento de outras quatro pessoas que haviam sido indiciadas. São elas: Miguel Caetano Passini, secretário municipal de Mobilidade Urbana; Belloyannes Orengo Júnior, chefe da Fiscalização da secretaria de Mobilidade Urbana; Ângela Aurelia Callegaro, irmã de Kiko; e Marlene Teresinha Callegaro, mãe dele - as duas fazem parte da sociedade da casa noturna.

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Fonte: Terra
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