Padre que escreveu livro sobre tragédia na Kiss vai depor à polícia

Lauro Trevisan vai ser chamado para explicar trechos polêmicos do livro "Kiss: uma Porta para o Céu"

15 abr 2013 - 16h52
(atualizado às 16h59)
Lauro Trevisan tem 33 anos de carreira e 78 livros publicados
Lauro Trevisan tem 33 anos de carreira e 78 livros publicados
Foto: Divulgação

Acionada por um ofício protocolado pela Associação de Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM) na Delegacia Regional, a Polícia Civil vai convocar o padre Lauro Trevisan a dar um depoimento. O religioso vai ser chamado para explicar trechos do livro que escreveu sobre a tragédia - “Kiss: uma Porta para o Céu”. O religioso terá de prestar esclarecimentos especialmente sobre a parte em que diz que pessoas vivas foram transportadas no caminhão que levava os corpos das vítimas da casa noturna para o Centro Desportivo Municipal de Santa Maria. Ele deve depor ainda nesta semana. 

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"No ofício, relatamos a situação referente ao livro e pedimos que seja investigado um possível reflexo na seara criminal. Além de escrever no livro sobre a possibilidade de haver pessoas vivas no caminhão, o padre relatou, em entrevista na TV, que algumas pessoas teriam contado isso a ele. Queremos que ele esclareça esses pontos”, diz o advogado da AVTSM, Jonas Espig Stecca. 

A parte a que se refere o advogado estava na página 5 do livro: “No auge da balada celestial, o Pai perguntou se alguém queria voltar. Dois ou três disseram que sim e foram encontrados vivos no caminhão frigorífico que transportava os corpos ao Ginásio de Esportes”. Essa passagem gerou uma notificação extrajudicial da AVTSM, que pedia a retirada de circulação da obra e explicações de Trevisan. 

A primeira edição do livro se esgotou. Da segunda, que foi remetida para os pontos de venda na semana passada, foram retirados os trechos contestados pelos familiares das vítimas. Além da passagem que falava sobre as pessoas vivas no caminhão, outro trecho desagradou a associação. Na página 11, o livro dizia o seguinte: “(...) num imenso gesto heroico de solidariedade, a salvar os que agonizavam em meio à fumaça funérea?!” De acordo com a associação, os trechos causaram imensa indignação entre os familiares das vítimas da tragédia, levantando ainda “sérias dúvidas a respeito da veracidade dos fatos narrados, em especial no primeiro trecho”. 

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Mais de 20 são ouvidos em novas investigações

Enquanto isso, a Polícia Civil segue com as investigações pedidas pelo Ministério Público na denúncia do caso à Justiça. Mais de 20 pessoas foram ouvidas. Na equipe coordenada pelo delegado Sandro Meinerz, são seis policiais dedicados ao caso. Também estão colaborando a delegada Luiza Santos Sousa, que se ofereceu de forma voluntária, e o delegado Marcos Vianna, que acabou de voltar de férias. 

O prazo de 10 dias para atender as diligências pedidas pelo MP terminaria na próxima sexta-feira, porém, há um entendimento da Polícia Civil de que vai ser difícil cumprí-lo.  A proridade é atender as solicitações do MP, que quer que seja esclarecida a participação de Marlene Teresinha Callgaro, mãe de Kiko Spohr, e Ângela Callegaro, irmã dele, nas decisões sobre a administração da Kiss. Também estão sendo investigados novamente o secretário de Controle e Mobilidade Urbana, Miguel Passini, e o chefe da fiscalização da pasta, Belloyannes Orengo de Pietro Júnior.

Réus ganham mais prazo para defesa

O processo criminal a respeito da tragédia da Boate Kiss parou no tempo. Isso porque um dos oito réus - Elton Cristiano Uroda, que responde por falso testemunho - ainda não foi notificado. Por essa razão, o prazo de 10 dias para que seja apresentada a defesa dos demais acusados ainda não começou a correr. 

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O advogado de Elissandro Spohr, Jader Marques, fez um pedido para que o prazo de defesa se inicie somente com a intimação da disponibilidade dos autos, por meio digital, e ainda pediu a realização de nova digitalização completa dos autos, uma vez que a fornecida aos advogados não corresponderia à judicial, definitiva. Os promotores se manifestaram, dizendo esse argumento não sustentava a intenção de prorrogar o prazo da manifestação da defesa.

Porém, os representantes do Ministério Público (MP) avaliaram a questão e chegaram à conclusão que o prazo só começaria a contar a partir da notificação de todos os réus, o que teve a concordância do juiz Ulysses Fonseca Louzada, da 1ª Vara Criminal de Santa Maria. Os demais réus já foram notificados.

Incêndio na Boate Kiss

Na madrugada do dia 27 de janeiro, um incêndio deixou 241 mortos em Santa Maria (RS). O fogo na Boate Kiss começou por volta das 2h30, quando um integrante da banda que fazia show na festa universitária lançou um artefato pirotécnico, que atingiu a espuma altamente inflamável do teto da boate.

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Com apenas uma porta de entrada e saída disponível, os jovens tiveram dificuldade para deixar o local. Muitos foram pisoteados. A maioria dos mortos foi asfixiada pela fumaça tóxica, contendo cianeto, liberada pela queima da espuma.

Os mortos foram velados no Centro Desportivo Municipal, e a prefeitura da cidade decretou luto oficial de 30 dias. A presidente Dilma Rousseff interrompeu uma viagem oficial que fazia ao Chile e foi até a cidade, onde prestou solidariedade aos parentes dos mortos.

Os feridos graves foram divididos em hospitais de Santa Maria e da região metropolitana de Porto Alegre, para onde foram levados com apoio de helicópteros da FAB (Força Aérea Brasileira). O Ministério da Saúde, com apoio dos governos estadual e municipais, criou uma grande operação de atendimento às vítimas.

Quatro pessoas foram presas temporariamente - dois sócios da boate, Elissandro Callegaro Spohr, conhecido como Kiko, e Mauro Hoffmann, e dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Luciano Augusto Bonilha Leão e Marcelo de Jesus dos Santos. Enquanto a Polícia Civil investiga documentos e alvarás, a prefeitura e o Corpo de Bombeiros divergem sobre a responsabilidade de fiscalização da casa noturna.

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A tragédia fez com que várias cidades do País realizassem varreduras em boates contra falhas de segurança, e vários estabelecimentos foram fechados. Mais de 20 municípios do Rio Grande do Sul cancelaram a programação de Carnaval devido ao incêndio.

No dia 25 de fevereiro, foi criada a Associação dos Pais e Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia da Boate Kiss em Santa Maria. A associação foi criada com o objetivo de oferecer amparo psicológico a todas as famílias, lutar por ações de fiscalização e mudança de leis, acompanhar o inquérito policial e não deixar a tragédia cair no esquecimento.

Indiciamentos

Em 22 de março, a Polícia Civil indiciou criminalmente 16 pessoas e responsabilizou outras 12 pelas mortes na Boate Kiss. Entre os responsabilizados no âmbito administrativo, estava o prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer (PMDB). A investigação policial concluiu que o fogo teve início por volta das 3h do dia 27 de janeiro, no canto superior esquerdo do palco (na visão dos frequentadores), por meio de uma faísca de fogo de artifício (chuva de prata) lançada por um integrante da banda Gurizada Fandangueira.

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O inquérito também constatou que o extintor de incêndio não funcionou no momento do início do fogo, que a Boate Kiss apresentava uma série das irregularidades quanto aos alvarás, que o local estava superlotado e que a espuma utilizada para isolamento acústico era inadequada e irregular. Além disso, segundo a polícia, as grades de contenção (guarda-corpos) existentes na boate atrapalharam e obstruíram a saída de vítimas, a boate tinha apenas uma porta de entrada e saída e não havia rotas adequadas e sinalizadas para a saída em casos de emergência - as portas apresentavam unidades de passagem em número inferior ao necessário e não havia exaustão de ar adequada, pois as janelas estavam obstruídas.

Já no dia 2 de abril, o Ministério Público denunciou à Justiça oito pessoas - quatro por homicídios dolosos duplamente qualificados e tentativas de homicídio, e outras quatro por fraude e falso testemunho. A Promotoria apontou como responsáveis diretos pelas mortes os dois sócios da casa noturna, Mauro Hoffmann e Elissandro Spohr, o Kiko, e dois dos integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Augusto Bonilha Leão.

Por fraude processual, foram denunciados o major Gerson da Rosa Pereira, chefe do Estado Maior do 4º Comando Regional dos Bombeiros, e o sargento Renan Severo Berleze, que atuava no 4º CRB. Por falso testemunho, o MP denunciou o empresário Elton Cristiano Uroda, ex-sócio da Kiss, e o contador Volmir Astor Panzer, da GP Pneus, empresa da família de Elissando - este último não havia sido indiciado pela Polícia Civil.

Os promotores também pediram que novas diligências fossem realizadas para investigar mais profundamente o envolvimento de outras quatro pessoas que haviam sido indiciadas. São elas: Miguel Caetano Passini, secretário municipal de Mobilidade Urbana; Belloyannes Orengo Júnior, chefe da Fiscalização da secretaria de Mobilidade Urbana; Ângela Aurelia Callegaro, irmã de Kiko; e Marlene Teresinha Callegaro, mãe dele - as duas fazem parte da sociedade da casa noturna.

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Fonte: Especial para Terra
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