Pai de vítima: 'se não houver justiça, tem que fazer réus cheirarem cianeto'

Presidente da Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM) espera que todos os responsáveis pelo incêndio na Boate Kiss sejam punidos

25 jan 2014 - 14h09
(atualizado às 14h10)
Presidente da Associação das Vítimas da Tragédia de Santa Maria critica falta de punições
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O presidente da Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM), Adherbal Alves Ferreira, afirmou na manhã deste sábado que espera que todos os responsáveis pelo incêndio na Boate Kiss sejam punidos dentro de sua culpabilidade. No primeiro dia do Congresso Internacional Novos Caminhos – A Vida em Transformação, que marca o primeiro aniversário do incêndio na boate, Ferreira exaltou-se a falar sobre a possibilidade de que os proprietários da Kiss e os entes públicos não respondam pelo crime, dizendo que ele mesmo tocaria fogo na espuma com os culpados dentro de uma sala.

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"Se ficarem impunes, então pelo amor de Deus, tem que engambelar toda essa gente, botar em uma sala e ligar o cianeto para eles sentirem o que é que nosso filhos passaram. Eu seria o primeiro a tocar fogo em uma espuma dessas se não houver justiça, tem que ser feito isso, não para matar, mas para eles sentirem o que é, para terem um pouquinho de dor, para sentirem o que é um filho não poder respirar. Acho que esse é o momento de pegar toda essa gente e de botar em uma prensa, em um banheiro e fazer eles cheirarem o cianeto. Acho que é nisso que tem que ser dito", afirmou Ferreira em entrevista concedida no auditório do Centro Universitário Franciscano (Unifra), na região central de Santa Maria.

O presidente da associação contestou a versão da defesa dos proprietários da Boate Kiss, para quem não houve intenção dos réus em causar a tragédia. "Meu maior temor é que não haja punição de ninguém. Que seja plena, tanto dos bombeiros, como dos entes públicos e dos réus. Que seja feita a justiça e que todos paguem dentro da sua culpabilidade. São vários culpados. Os proprietários, esses sim, são dolo eventual, não se pode falar em culposo. Porque eles assumiram o risco. Ele botou aquela espuma (inflamável), estava proibida", disse.

Segundo Ferreira, o objetivo do congresso é garantir, a partir do exemplo da Boate Kiss, que tragédias semelhantes nunca se repitam no Brasil. "Sinceramente, eu espero que desse congresso nós consigamos criar uma cultura de prevenção. A prevenção e algo muito importante para salvar vidas, e todo evento deve ter um brigadista de incêndio para prevenção nos primeiros momentos, para que nada ocorra com os convidados, por exemplo", disse.

Ele falou também da dor que ainda persiste, mesmo um ano depois da tragédia, dizendo "nos domingos (dia em que aconteceu o incêndio) a gente chora", e lamentando que tenha ficado conhecido pela trágica perda da filha.

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"Como pai, a minha vida mudou muito. Hoje, infelizmente, eu sou conhecido de uma forma que eu não gostaria de ser conhecido. É muito dolorido isto, ser conhecido desta maneira, não precisava. Eu só queria a minha filha de volta, só isso. Mas Deus permitiu que isso acontecesse por algum motivo que a gente não sabe, mas acho que agora já está ficando mais claro. Parece que já faz 10 anos. Ao mesmo tempo, parece que foi na semana passada."

Críticas 

Ferreira falou ainda sobre críticas que o movimento tem recebido de setores da sociedade santa-mariense de que a tragédia deveria ser superada, o que ele classificou de "insensibilidade". "São pessoas insensíveis, sem coração, e que não perderam o seu filho. Nós não queremos em nenhum momento colocar goela abaixo o nosso luto em ninguém. Nós não fomos esquecidos ainda justamente pelas nossas lembranças. Nós não marcamos o nosso sofrimento, nós marcamos a nossa saudade. O domingo nosso não presta mais, nós choramos no nosso domingo. As pessoas insensíveis, elas não se colocam no lugar do outro. Elas são 'solidárias de aluguel'. São aquelas que são solidárias perante à mídia. Esse mesmo que nos alcançou um copo d’água e diz hoje 'chega', é o mesmo que pode perder o filho numa tragédia. A gente nunca sabe o amanhã", lamentou. 

Incêndio na Boate Kiss

Na madrugada do dia 27 de janeiro, um incêndio deixou 242 mortos em Santa Maria (RS). O fogo na Boate Kiss começou por volta das 2h30, quando um integrante da banda que fazia show na festa universitária lançou um artefato pirotécnico, que atingiu a espuma altamente inflamável do teto da boate.

Com apenas uma porta de entrada e saída disponível, os jovens tiveram dificuldade para deixar o local. Muitos foram pisoteados. A maioria dos mortos foi asfixiada pela fumaça tóxica, contendo cianeto, liberada pela queima da espuma.

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Os mortos foram velados no Centro Desportivo Municipal, e a prefeitura da cidade decretou luto oficial de 30 dias. A presidente Dilma Rousseff interrompeu uma viagem oficial que fazia ao Chile e foi até a cidade, onde prestou solidariedade aos parentes dos mortos.

Os feridos graves foram divididos em hospitais de Santa Maria e da região metropolitana de Porto Alegre, para onde foram levados com apoio de helicópteros da FAB (Força Aérea Brasileira). O Ministério da Saúde, com apoio dos governos estadual e municipais, criou uma grande operação de atendimento às vítimas.

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Quatro pessoas foram presas temporariamente - dois sócios da boate, Elissandro Callegaro Spohr, conhecido como Kiko, e Mauro Hoffmann, e dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Luciano Augusto Bonilha Leão e Marcelo de Jesus dos Santos. Enquanto a Polícia Civil investiga documentos e alvarás, a prefeitura e o Corpo de Bombeiros divergem sobre a responsabilidade de fiscalização da casa noturna.

A tragédia fez com que várias cidades do País realizassem varreduras em boates contra falhas de segurança, e vários estabelecimentos foram fechados. Mais de 20 municípios do Rio Grande do Sul cancelaram a programação de Carnaval devido ao incêndio.

No dia 25 de fevereiro, foi criada a Associação dos Pais e Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia da Boate Kiss em Santa Maria. A associação foi criada com o objetivo de oferecer amparo psicológico a todas as famílias, lutar por ações de fiscalização e mudança de leis, acompanhar o inquérito policial e não deixar a tragédia cair no esquecimento.

Indiciamentos

Em 22 de março, a Polícia Civil indiciou criminalmente 16 pessoas e responsabilizou outras 12 pelas mortes na Boate Kiss. Entre os responsabilizados no âmbito administrativo, estava o prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer (PMDB). A investigação policial concluiu que o fogo teve início por volta das 3h do dia 27 de janeiro, no canto superior esquerdo do palco (na visão dos frequentadores), por meio de uma faísca de fogo de artifício (chuva de prata) lançada por um integrante da banda Gurizada Fandangueira.

O inquérito também constatou que o extintor de incêndio não funcionou no momento do início do fogo, que a Boate Kiss apresentava uma série das irregularidades quanto aos alvarás, que o local estava superlotado e que a espuma utilizada para isolamento acústico era inadequada e irregular. Além disso, segundo a polícia, as grades de contenção (guarda-corpos) existentes na boate atrapalharam e obstruíram a saída de vítimas, a boate tinha apenas uma porta de entrada e saída e não havia rotas adequadas e sinalizadas para a saída em casos de emergência - as portas apresentavam unidades de passagem em número inferior ao necessário e não havia exaustão de ar adequada, pois as janelas estavam obstruídas.

Já no dia 2 de abril, o Ministério Público denunciou à Justiça oito pessoas - quatro por homicídios dolosos duplamente qualificados e tentativas de homicídio, e outras quatro por fraude e falso testemunho. A Promotoria apontou como responsáveis diretos pelas mortes os dois sócios da casa noturna, Mauro Hoffmann e Elissandro Spohr, o Kiko, e dois dos integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Augusto Bonilha Leão.

Por fraude processual, foram denunciados o major Gerson da Rosa Pereira, chefe do Estado Maior do 4º Comando Regional dos Bombeiros, e o sargento Renan Severo Berleze, que atuava no 4º CRB. Por falso testemunho, o MP denunciou o empresário Elton Cristiano Uroda, ex-sócio da Kiss, e o contador Volmir Astor Panzer, da GP Pneus, empresa da família de Elissandro - este último não havia sido indiciado pela Polícia Civil.

Os promotores também pediram que novas diligências fossem realizadas para investigar mais profundamente o envolvimento de outras quatro pessoas que haviam sido indiciadas. São elas: Miguel Caetano Passini, secretário municipal de Mobilidade Urbana; Belloyannes Orengo Júnior, chefe da Fiscalização da secretaria de Mobilidade Urbana; Ângela Aurelia Callegaro, irmã de Kiko; e Marlene Teresinha Callegaro, mãe dele - as duas fazem parte da sociedade da casa noturna.

 

 
Fonte: Terra
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